Grandes Esperanças

Estreia nos EUA "LITTLE DORRIT" - on most PBS stations on Sunday nights through April 26 - adaptação por Andrew Davies para a televisão do romance de Charles Dickens.

Como há alguns anos, com a adaptação de Polanski para "Oliver Twist", partimos de uma visão estreita, localizada no espaço e no tempo - a Inglaterra vitoriana - que nos enreda e fascina, para logo em seguida, como em uma epifania, obter-se a larguidão dos vastos espaços da história universal.

Dickens é representação do real em banda larga, piegas como Hugo, psicológico como Balzac, arguto como Nietzsche - mas mais real que todos. A observação da equação pobreza + exploração = fortunas + crise + injustiça é diagnóstico marxista do eterno ciclo de escravização de indivíduos por governos absolutistas e suas coortes (talvez por isso, "só" - digam que a democracia é o pior dos governos... fora todos os outros).

Em "Little Dorrit" a América dos anos 00 - que não se demoram - (re)lê a história de sua mais recente derrocada - não necessariamente a última. Vê os exageros de Wall Street e a política escorchante de juros cada vez mais baixos (ah! Que achado da lógica!) a envolver a desafiante classe média americana, tão sequiosa de novos gadgets.

E enxerga como a crise é o fruto final do hedonismo de uma sociedade decadente, onde os valores se perderam entre a ganância e o fanatismo religioso, com a pornografia de permeio, escondida em uma garrafa coberta por papel de pão. Como é deletéria a cultura da celebridade que faz Hollywood e a web cada vez mais glorificarem somente o belo, o vencedor, o popular ou o rapper bandidão - em detrimento do plasticamente prejudicado (que pode ter mais substância), do loser "de mercado" (também conhecido como "profissionalmente prejudicado", muitas vezes por puro azar e não por suas habilidade e defeitos, tão mediano que é), do nerd de boutique, do roqueiro de ocasião, do black pasteurizado. Ou mais recentemente ainda, o culto ao freak (vide os Jack Ass da vida, os supereróis da vida real (vigilantes fantasiados mascarados e armados que proliferam nas cidades americanas , muitas vezes agindo em apoio e suporte à polícia local), a devoção a assassinos à espera de execução e a insistente mania que tem os americanos de destruir seus ícones pela violência nas telas - tendo como último exemplo o "I Am The Legend" do Will Smith.

Ainda bem que botaram o Cristo lá em cima, no Rio, que espero ninguém queira derrubar em um longa metragem estúpido qualquer. Já basta o Muro - mais um Muro! - a dividir o morro e o asfalto.

Prevejo para o futuro - ah! pleonasmo! - bolhas condominiais, automovélicas, individuais, à prova de bala, que inflaríamos ao redor para nos defender das balas perdidas e ataques nas ruas. Talvez fosse a solução.

Ficar velho é ter lido "O Cavaleiro das Trevas" original, em seis edições, ter visto o que o cara previu acontecer e - pior! - ser sobrepujado por uma realidade ainda mais cruel em inúmeras localidades das Américas, África e Ásia. Ali na Tijuca, ou na periferia de Curitiba.

Ficar velho é ter vivido em um mundo que ainda respirava os aromas benfazejos de uma "opção pelo bem" feita uma ou duas gerações antes - o não ao nazi-fascismo, a defesa da democracia e do Estado de Direito, o desenvolvimento do conceito de Direitos Humanos - e acordar, na beiradinha dos quarenta anos,em um mundo onde genocidios se repetem, desrespeitam-se acordos como o de Genebra, tortura-se e mata-se prisioneiros políticos, onde se vê crianças entre tanques e muros. Quase exatamente como há um ou dois séculos atrás.

Temo então, e com razões, que retornemos a um estado ainda mais anterior das coisas: Victor Hugo e Charles Dickens nos espantam com suas histórias porque mostram o pesadelo do século XIX que foi herdados do XVIII: a inexistência de um Estado protetor e simpático à pessoa humana, que provê educação, saneamento e saude para a comunidade, oferece suporte ao velho e à criança, e principalmente esta cultura ancestral de escravidão, de feudalismo local, de culto ao governante, aos poderosos e aos endinheirados.

Cá no Brasil, a farra do boi não atingiu a tantos, graças às medidas "protecionistas" tomadas pelo tal Comitê do Cupom, que não consegue imaginar juros de um digito. Simplesmente lhes é impossível. Com isso, apenas festejamos o relaxamento momentâneo nos prazos, comprando calhambequinhos brazucas a preço de ouro em 72 - suaves - prestações.

Mas a marola bate firme. Garanto que Monsieur Lulá já providenciou um botezinho qualquer para ele, a mulher do pacote e o que tem a chave do cofre. Que o Bush, meu amigo, se foi pra história. Cachaça na Casa Branca, nunca mais.

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 28/03/2009
Código do texto: T1510315
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