Que falta faz uma verdadeira rebelião

As notícias sobre a rebelião de "presos" em São Paulo que ocuparam com destaque os jornais nas últimas semanas se destacam mais pela falta de informação, pela censura pura e simples (basta ver que a listagem dos mortos ainda não saiu) e pelo eterno blablablá politiqueiro e inepto que pelas mortes em si. Não à toa, a listagem parou em número ligeiramente inferior aos famosos 111 do Carandiru, como para dizer que o esterco jogado no ventilador não fora tão grande assim.

A rebelião do Carandiru foi um ato isolado - um evento pontual - imediata e nazisticamente "controlado" pela Polícia Militar do Estado de São Paulo, onde o inconcebível se materializou na violência absurda da matança (com nuances de crueldade inéditas no país) e na frieza do governador - que deu a ordem sem pestanejar - e dos responsáveis que não hesitaram em promover o massacre.

Já as dezenas de rebeliões simultâneas que eclodiram no final de semana passado caracterizaram o poder de fogo e organização de uma máquina criminosa e terrorista muito bem engendrada (um tapa na cara dos idiotas que dizem que não há, no Brasil, "crime organizado"), a tibieza de um governador de ocasião e de uma polícia cuja "inteligência" não soube responder quer com ações que impedissem o movimento quer com orientações à população civil inocente. Ou alguém crê que, em meio ao somatório de um bombeiro, quarenta e um policiais e cento e nove "criminosos" não havia inocentes?

Vistos por uma perspectiva carioca - é, nossa mesmo, oriunda de nosso sub-povo tão combalido que há tantos anos já considera normal arrastões, fechamentos de vias e guerras no morro "normais" - traz quase um "alívio" ao pensar que "lá" as coisas andam tão pretas como cá. Li opiniões de jornalistas conceituados dizendo que "enquanto isso no Rio havia paz" e quase rolei de rir, um riso nervoso que só me acomete face ao absurdo da ignorância. Freud explica. "A grama do vizinho é sempre mais verde", diriam os ingleses, "mas se o jardim queimar, tomara que seja no vizinho", parecem dizer os jornais cariocas.

Visto por uma perspectiva nacional, as rebeliões em São Paulo são tão lastimáveis e amedrontadoras para o restante da Nação quanto para os paulistas e paulistanos das cidades envolvidas. São o resultado de décadas de uma "história" mal-alinhavada de um país que saiu da condição de "terra das oportunidades" (quem tem antepassados imigrantes que venceram aqui, que o diga) para uma "terra de Marlboro", onde a corrupção, a desonestidade e o mau-caratismo tornaram-se o único modo de ascenção social. São o resultado da inexistência de uma política nacional de segurança (e pensar que nos anos FHC o PT apresentou o melhor plano de segurança que o país já viu - e uma vez no governo jamais o executou) e da inexistência de uma política nacional de prisões (que crie infra-estrutura e as transforme, TODAS, em empresas privadas que gerem lucros às cidades onde estão situadas, como nos EUA). São o resultado, ainda, da vigência de Códigos Penal e de Processo Penal arcaicos, inadequados para o Século XXI.

Mais lastimável ainda, contudo, é saber que nós, da "pequena burguesia" encolhida por altos impostos e taxas (vide as cifras astronômicas da alta de preços dos planos de saúde e tarifas de luz, água e telefone como alguns exemplos bem palpáveis), ausência de linhas de crédito e uma política de juros dignos de um Estado que é agiota de seus próprios cidadãos (de mãos dadas com os grandes bancos que o sustentam), nada faremos.

Aprendi naquelas cartilhas de "educação moral e cívica" que a Ditadura distribuía nas escolas nos anos 70 que as populações se organizaram e criaram Estados em prol do bem comum. Que o papel do Estado era prover em primeiríssimo lugar SEGURANÇA. Que impostos proviam este Estado de condições de trabalhar pela comunidade, construindo a infra-estrutura necessária para que o País crescesse economicamente. Que prover saneamento, saúde e educação eram missões estatais justamente para torná-las acessíveis àquela parcela da população que de outra forma, não teria acesso a tais benefícios básicos.

Para o menino de oito ou nove anos que as leu, ficava claro entretanto o que as cartilhas não contavam: que uma vez que o Estado faltasse com suas obrigações, era dever da Nação apear os que estivessem no poder para tornar a fazer as coisas funcionarem. É claro que não sou um revolucionário, nem o era na mais tenra idade. Mas se um grupo de semi-analfabetos e criminosos, "presos", consegue fazer tanto barulho, está na hora de promovermos pelo menos uma amostra de rebelião. Acredito que exista uma grande parcela da população que não concorde com tudo que está aí. Acredito que precisamos acordar e lutar, exercer sobre os governos alguma forma de pressão inteligente, pacífica e organizada que os faça pelo menos temer por seus cargos, suas reputações e - principalmente - pelo secamento da sangria que se estabeleceu nos cofres públicos nos últimos anos.

Ou será que estou sendo utopista enquanto todo mundo espera mais é ter a oportunidade de tirar o seu quinhãozinho da "viúva"? Nesse passo da História Nacional, em que o poder atrai somente aos corruptos e/ou aos corruptíveis, teremos muitas São Paulos se repetindo por aí...

Renato van Wilpe Bach
Enviado por Renato van Wilpe Bach em 29/05/2006
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