O Gigolô das Palavras, Veríssimo e sua ironia normativa


Por Alberto da Cruz



O posicionamento de Luís Fernando Veríssimo acerca da Língua Portuguesa e do conhecimento das palavras é abordado de forma irônica na crônica O Gigolô das Palavras, permeando o texto de comentários que provocam o riso com seu bom-humor e cinismo.

O que mais nos chama a atenção é, como afirma o próprio título, sua comparação a um gigolô, não de mulheres que têm por obrigação dar prazer aos homens, mas de palavras, extraindo delas o que há de melhor em seu uso para servi-lo como lhe convém na construção textual, dando-lhe ainda o efeito necessário para atingir de forma consciente seu objetivo e intencionalidade.

Embora Veríssimo afirme seu desconhecimento gramatical elevado, explora o uso, afirmando que o desapego às regras faz o texto mais agradável e interessante do que àqueles que escrevem com a gramática ao lado. Na verdade, ele usa a desculpa do pouco conhecimento, modéstia do escritor, a fim de evitar comparações óbvias com Érico Veríssimo, seu pai, já que este foi um dos maiores escritores da Literatura Brasileira.

Deixando de lado as implicações do uso da norma culta, o autor nos brinda com um humor peculiar que o caracteriza, explanado de forma despreocupada algumas questões lingüísticas de grande relevância ao ensino tradicional e também ao conflito interminável que põe em lados opostos gramáticos e lingüistas.

A língua é um sistema vivo, portanto sofre inúmeras modificações a cada ano, mas não por isso se deve abolir o seu ensino escolar, tampouco usar a teoria do inatismo, afirmando que a língua já existe na criança em sua primeira fase de vida comunicativa. Sem nos aprofundarmos nesse campo de discussão, é inegável que o domínio gramatical não é essencial para que se tenha a comunicação entre indivíduos falantes do mesmo idioma, basta que se entendam minimamente e a mensagem seja transmitida.

Ao afirmar que a gramática é o esqueleto da língua, o autor nos dá a base para o assunto aqui discutido. A gramática é, pois, apenas um meio de manter estruturas que sirvam como padrão, não como verdade universal e imutável. Vale lembrar a própria formação das línguas neolatinas, formadas pelo latim vulgar falado pelos soldados do império romano, acrescido de expressões dialetais dos povos de cada região, por isso as diferenças tanto na pronúncia quanto na grafia das palavras entre as línguas oriundas do latim.

O predomínio gramatical nas línguas chamadas mortas é justificável, uma vez que não mais sofrerão qualquer tipo de alteração, seja morfológica ou fonética. Como não há falantes, sua estrutura permanece intacta, independente do passar dos anos. Diferente ocorre não só com o português como também em outras línguas que se alteram à medida em que o falante precisa facilitar seu uso tanto na escrita quanto, principalmente, na língua oral, por necessidades evolutivas.
Ainda em sua crônica, Luís Fernando Veríssimo aconselha a ter cuidado com as palavras, pois o menor descuido pode levar o falante a uma situação perigosa ao usá-las indevidamente, podendo assim, não causar um duplo sentido, mas dizer o contrário do que se esperava.

Uma outra crônica do mesmo autor exemplifica esse caso. Em Defenestração, Luís Fernando discorre sobre sua paixão pela palavra que dá título à crônica, seus possíveis significados, a origem do termo e formas de uso. O autor chega até mesmo imaginar cenas em que a palavra devia ser usada, mas lhe faltava a consulta do seu real significado. Tinha paixão por algo que não compreendia, amava-a somente pelo seu som e ritmo, até o momento em que se deparou com o verdadeiro significado do termo — ato de atirar algo ou alguém pela janela. O significado diverso do que antes imaginara, confirma sua afirmação em O Gigolô das Palavras: é preciso ter cuidado com as palavras, usá-las sem paixão, abusar delas como um gigolô, sendo frio e metódico, jamais deixando que surja um envolvimento afetivo entre eles a fim de evitar que elas o dominem.