“O São Francisco corre nas minhas veias e deságua
José Theodomiro Araújo, falecido no dia 04 de dezembro de 2003, o maior e mais incansável defensor do São Francisco, repetia constantemente esta frase na abertura de suas palestras, nos seus discursos e nas incontáveis defesas que fez do rio para as mais diferentes platéias dos 504 municípios banhados pelo rio, depois São Paulo, Brasília, Rio de Janeiro e todas as capitais e grandes cidades do Nordeste.
Volta à baila agora a transposição. Mudaram o nome, porque transposição já soa como palavrão; mudaram a forma de apresentação e as metas anunciadas, mas o Presidente Lula voltou a repetir a mesma frase de 2002: “Vou fazer a transposição do São Francisco” e alvoroçou a todos, partidários e inimigos e enquanto se arrasta a discussão o Rio continua, a cada dia, morrendo um pouquinho.
Quem está contra? Quem está a favor? De Minas até a Bahia e Sergipe uma legião de combatentes contra a idéia; de Pernambuco à Alagoas, Ceará, Rio Grande do Norte e Piauí uma legião de combatentes a favor.
Voltemos a Theodomiro, o grande comandante desta guerra, para ele o rio não era apenas um veio de água correndo na direção inversa de todos os rios: era na verdade a artéria principal, a razão maior da colonização, da permanência, do desenvolvimento e da sobrevivência de todo um povo agrupado sob a denominação genérica de “nordestinos”, entendia, que como as artérias, o rio deveria ser mantido limpo, sua flora e sua fauna preservada, suas matas cuidadas e suas riquezas tratadas de forma a se perpetuarem. Nunca viu o rio como “morto” e com necessidade de revitalizar, de ressuscitar. O São Francisco, apesar de doente, das agressões que não mais podem ser desmanchadas, como as barragens, apesar do desprezo dos “nordestinos”, que lhe derramam esgotos, lhe entopem de lixo, lhe tiram as areias e lhe destroem as matas; precisa mesmo é de cuidados. Precisa que o nordestino lhe tenha amor e reclame insistentemente com seu governante local para que providencie esgoto e tratamento de lixo. Que os ávidos construtores sejam fiscalizados e que o interesse de uns poucos não se sobreponha ao desejo de toda a comunidade.
A transposição é ruim? Dizer isso a um riograndense do norte que sofre com a seca e tem fome que somos contrários a lhe dar água é buscar guerra. Dizer a um ribeirinho, dependente da água para a sua plantação irrigada que pode vir o dia que a água que hoje usa sem restrições poderá ser racionada é também provocar guerra.
Qual a alternativa? Há propostas diferentes de tirar água do rio e espalhá-la ao longo de 40 mil quilômetros a um custo de cinco bilhões de reais sem nenhuma garantia que vá efetivamente combater a pobreza e eliminar a sede.
A posição mais correta é manter vivo o rio e para que isso aconteça, porque não fazer o saneamento básico em todas as cidades ribeirinhas? Porque não combater efetivamente a poluição causada pelos agrotóxicos e porque não construir aterros sanitários que substituam os famigerados lixões? Porque não replantar as matas e cuidar para que elas se mantenham e se estendam? Porque não impedir a retirada das areias e fiscalizar de forma competente a pesca nos períodos de defeso?
Porque não cuidar de seus afluentes, nas Minas Gerais e na Bahia, estes sim necessitando de serem revividos? Porque não repensar as grandes barragens, hoje voltadas exclusivamente para a geração de energia, com grandes lagos onde se acumula água, sem nenhum cuidado com a preservação de sua fauna?
Pequenos passos. Enormes e difíceis decisões que dependem, principalmente de decisões políticas. Parece-nos que não será desta vez que temos um governo com capacidade para tomá-las em nome do povo nordestino.