É laico um Estado que evoca a proteção de Deus no preâmbulo de sua carta magna?

O inciso I do artigo 19 da Constituição da República Federativa do Brasil diz que: "... é vedada a União estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança".

Neste sentido nossa carta magna de 1988 tende a primar pela manutenção de um Estado laico, isto é, um Estado sem uma predileção religiosa. O que de fato é uma solução pacífica das controvérsias ideológicas como defende o preâmbulo constitucional.

A constituição, porém, entra em contra-senso ao vaticinar a fundação de uma sociedade harmônica e “pluralista” quando evoca a proteção de Deus em sua promulgação. Isto porque o seu intróito já lança as bases de uma interpretação teísta de seu texto. Afastando-se assim do primado por um Estado laico ideologicamente democrático.

A doutrina se divide ao tratar do tema, há quem defenda que o preâmbulo não se eleva à condição normativa jurídica, servindo apenas como uma mera introdução dos postulados constitucionais. Por outro lado, segue o argumento de que o preâmbulo tem o mesmo valor que a Constituição, pois está acima das normas infraconstitucionais.

O doutrinador Pontes de Miranda defende a tese de que na Constituição não existem palavras inúteis. Portanto, não se deve atribuir ao preâmbulo um status de um mero parágrafo extrínseco à constituição. Em sua obra “Teoria da Constituição”, Carlos Ayres Britto explana que o preâmbulo é o espaço possível para o Poder Constituinte se projetar de fora para dentro da Magna Carta, isto é, pode se auto-referir.

Desta forma, uma vez que a constituição se auto-refere ideologicamente monoteísta, deixa ela de contemplar filosoficamente em seu prefácio os cidadãos ateus e, outrossim, os cidadãos de orientação politeísta. Contradizendo assim seus valores de pluralismo ideológico já citados anteriormente.

Aquiescida por toda a sociedade seria uma constituição que não faz referência de manifestação religiosa em seu texto, respeitando assim, a consciência livre de cada cidadão para escolher e vivenciar de forma autêntica a ideologia religiosa que preferir (Religare ou não).