Enfim, o país discute!

9 de Outubro de 2005

O referendo sobre a venda de armas se aproxima. Uma discussão dialética. Sem aprofundar muito nisso, vamos votar. De um lado o discurso da legítima defesa, de outro o discurso do direito à vida erga omnes. A perturbação chega. Ora, ao que parece ambos estão defendendo a vida.

O ponto, em tese, está em quem diz quem tem o direito de defender e resguardar, proteger a vida. Eu defendo a minha vida? Eu defendo a sua vida? O Estado defende a minha vida? Eu resguardo a minha vida? Eu resguardo a sua vida? O Estado resguarda as vidas? Eu, tu, ele, nós, vós, eles...

A questão da supremacia do individual ou do coletivo é que se apresenta. Não há como negar que a vida é o bem e o direito mais precioso a ser protegido e defendido. Mas, quem tem a legitimidade para fazê-lo? Quem deve ditar quem e o como fazer para que a vida seja cuidada? Quem é capaz de proteger a existência? Eu, você, o governo, a polícia, as leis? Todos? E na ausência de todos, quem?

O noticiário aponta desejos e dúvidas. Desarmar bandidos. Contrabando de armas. Acidentes domésticos. Brigas de trânsito. Insegurança pública. Aumento da violência. Diminuição da violência. Armar a polícia. Crimes com armas de fogo. Legítima defesa. Posse de arma. Porte de arma. Registro de arma. Descontrole emocional. Aumento do risco. Tragédias. Desavenças. Sociedade mais segura. Proteção. Controle. Indústria bélica. Etc. Etc. Etc.

O estatuto de desarmamento está em vigor desde o natal de 2003 e o que está em debate é o comércio e não o desarmamento. Para clarear, o referendo é “uma forma de consulta popular sobre um assunto de grande relevância, na qual o povo manifesta-se sobre uma lei após esta estar constituída. Desta forma, o cidadão apenas ratifica ou rejeita o que lhe é submetido”.

E, nesse caso, no próximo dia 23 de outubro, os brasileiros estão convocados para se manifestarem quanto ao art. 35 da lei (chamada de Estatuto do Desarmamento) que diz: "É proibida a comercialização de arma de fogo e munição em todo o território nacional, salvo para as entidades previstas no art. 6º desta Lei" (rol dos agentes que podem portar arma de fogo).

Os argumentos pela proibição estão mais convincentes, mais divulgados. A TV Globo “vota” sim, a Revista Veja “vota” não. Há quem argumente que se todos tiverem armas em casa a vida num plano geral estará mais ameaçada. Boa fundamentação. Outros dizem que conflitos e brigas existem desde Adão e Eva e que continuarão a ocorrer, pode ser com arma, com veneno, com faca ou com panela na cabeça. Irrefutável. Para uns a discussão é se a arma é defesa ou ameaça? Acredito que ambos. Penso que a dúvida maior seja a quem interessa esse referendo.

Faz-se necessário perceber que desde a história mais remota da humanidade que as armas estão presentes na vida humana. Seja para proporcionar vantagem no ataque e na defesa em uma luta, batalha ou guerra, seja para caçar, matar ou sobreviver. O fato é que armas sempre existiram e continuarão existindo. A arma é uma extensão humana.

No entanto, temos que considerar que a vida humana corre perigo não apenas em razão das armas de fogo. Existem outras ameaças. Facas, veneno, paneladas, pauladas ou garrafadas na cabeça. Acidente de trânsito mata, e muito. Miséria. Fome. Fumo. Álcool. Obesidade (fast foods). Estresse. HIV. Câncer. Maconha. Cocaína. Heroína. Crack.

Proibidos ou não proibidos são muitos os fatores que ameaçam quotidianamente a vida humana. Dizem os poetas que viver é correr risco. Com arma ou sem arma, o desafio é aprender a conviver com as invenções humanas, boas ou ruins, restritas ou não. Urge aprender a respeitar as diferenças, educar para que as escolhas individuais sejam conscientes e as responsabilidades assumidas. Necessário aprender que o ser humano é capaz de tudo, e que tudo que está aí, no mundo, dentro ou fora de casa, está relativamente disponível para quem realmente queira fazer uso.

Ainda que precariamente, enfim, o país discute! Até o próximo plebiscito ou referendo sobre “quem mexeu no meu queijo”. Nos vemos lá...

Solange Pereira Pinto
Enviado por Solange Pereira Pinto em 03/08/2006
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