Superar a metáfora ou repensar valores?

A autora procura traçar delicadamente o conceito de justiça, um dos mais importantes objetos de estudo da Filosofia do Direito.

Os dilemas representados pelo choque de realidade factual e a realidade normativa é que evidencia no homem um ser moral cuja ação se baseia em valores.

A valoração é fruto do socius, da cultura e sobretudo do esforço do homem em transcender-se a si mesmo e à sua situação histórica.

Na axiologia jurídica não há valor mais desejado que a justiça e a paz.Mas até aonde o direito se identifica com o justo?

É simples convenção alegaria Epicuro e que de certa forma seria reafirmando por certas correntes do liberalismo ao dizer que: "quem diz contratual diz justo".

Para os fiéis seguidores do positivismo jurídico, o direito se reduz a uma imposição da força social, e a justificativa é considerada um elemento estranho à sua formação e validade.

Kelsen considera que os critérios da justiça são simplesmente emocionais e subjetivos e sua determinação deve ser relegada à religião ou à metafísica.

A justiça é uma exigência da vida social.

Justiça é um princípio superior da ordem social (Cícero).

Aristóteles e os pensadores helênicos considera a justiça como um hábito.

Em Roma, Ulpiano e Justiniano falam em justiça como uma constante e perpétua vontade.

A tradição medieval representada Santo Agostinho, São Tomás de Aquino consideravam a justiça como uma virtude.

Leibniz define a justiça como de amizade em relação ao próximo. Porém, a acepção da justiça aplica-se a ordem social que garante a cada um o que lhe é devido.

A justiça designa portanto virtude especial em que consiste dar a cada um o que lhe é devido segundo uma igualdade.

Há o débito moral e o débito legal, para haver esse no entender de Lachance é necessário a existência da vida política enquanto que o devido moral contribui apenas para perfeição da vida.

Para o bem comum, a lei que o torna exigível, surge a atributividade, isto é, o que atribui ao credor o poder de exigi-lo.

Outro traço característico da justiça e do direito é a exigibilidade.

A norma impõe a reparação, o dever não só pelas palavras mas pela utilização de todos os meios cabíveis e inclusive a coação material, só a justiça justifica a violência instituída pela coação.

A justiça é uma igualdade e a injustiça uma desigualdade, afirma Aristóteles. A essência de justiça é a igualdade, acrescenta S. Tomás.

É uma relação quanto a essência, quanto à qualidade ou a quantidade?

Siches observou que na justiça não se trata de estabelecer uma identidade, mas de estabelecer uma equivalência, uma igualdade. Muito embora a descrença de Nietzsche sobre a existência da igualdade.

A relação de igualdade que interessa a noção justiça é uma relação de igualdade moral.

Para Pascal a justiça não está nos seus costumes, mas reside nas leis naturais, conhecidas em todos os países.

A justiça é sujeita a discussão, enquanto que a força é reconhecida e subjuga sem discussão.

Embora a ética se fundamente em valores oscilantes entre o bem e o mal, o seu verdadeiro objeto de estudo, são as experiências morais e afetivas do homem. Estas, capazes de formar aquilo a que chamamos de consciência moral.

Enquanto a moral se preocupa com a conduta humana, a ética discute filosoficamente os critérios e a validade das normas morais e dos juízos de valor.

O que o Direito aspira enquanto ciência, é induzir a formação de sujeitos éticos capazes de responder e avaliar seus atos e efeitos e, ainda, defender a possibilidade da autodeterminação das regras de conduta, e, enfim garantir as liberdades e recuperar a responsabilidade na consciência humana.

Kant faz da idéia do dever, o epicentro de sua filosofia, que é um imperativo categórico acima do homem.

Porém a busca do bem e da virtude era pouco para poder resumir a saga do pensamento humano.

Além da perfeição e, muito além da eternidade, iam as preocupações científicas-filosóficas.

Era preciso mais que uma resignação estóica para aceitar o destino da humanidade, mais tarde discutiria-se fervorosamente a utilidade do bem e do mal e de sua sagrada distinção.

Até onde o bem e o mal não se autojustificam?

Nietzsche um mordaz crítico da moral vigente de sua época, seja ela socrática, platônica, judaico-cristã ou germano-burguesa, e à ele caberá perqüirir a moral com questões atrozes.

Para começar, propõe: "enforcaremos os moralistas e declararemos guerra à moral", define a vida como vontade de poder, e este, como o princípio de todos os valores.

Se o bem é a força vital do homem, o mal vem da fraqueza. Daí, o anúncio do super-homem, capaz de quebrar toda tábua de valores, capaz de efetivar a transmutação de todos os valores.

Para Nietzsche, o Direito é a normatização do poder, é a institucionalização do bem como virtude de maior relevância.

Em sua obra "Assim falou Zaratustra", mostrou que cada povo tem sua própria tábua de valores, resultado do triunfo de seu esforço.

Para ele, é indispensável avaliar e criar incessantemente.

Foi profético ao dizer: "O homem é que pôs valores nas coisas a fim de se conservar".

Assim como a moralidade jaz na força e não na bondade assim o objetivo do esforço humano não devia ser a elevação de todos, mas o desenvolvimento dos mais perfeitos e fortes indivíduos.

De qualquer modo, ao estudar a psique, a teoria psicanalítica salienta o papel fundamental exercido pelo inconsciente, considerado mesmo como núcleo da vida psíquica.

Além do método de associação livre, valeu-se de outros como a análise dos atos falhos e dos sonhos.

Os atos falhos são segundo Freud, uma expressão de uma tendência inconsciente reprimida.

Com relação aos sonhos, concluiu ser material demasiadamente rico constituindo a linguagem universal do inconsciente.

Nos sonhos ocorria um afrouxamento da censura do superego e então, ocorreria a manifestação do inconsciente.

Outra idéia fundamental, é a da sublimação que permitiria ao indivíduo superar sua necessidades instintivas através da criação de produtos culturais como arte e a religião. Ao problema da sublimação vinculam-se os problemas sociais.

Freud discutiu a hipocrisia da sociedade contemporânea, o empobrecimento da vida moderna, o emprego da coerção social e a natureza dos impulsos agressivos.

Com o tempo, Hegel e Bergson destacaram as relações existentes entre história, cultura e ética.

Surgiu o dilema de como conciliar o sujeito ético, consciente, autônomo e livre com o fato de ser a moral um produto histórico-cultural?

É evidente que a moral não é fruto natural tão meramente dependente de ares climáticos...

Para Hegel, a vida ética é determinada pelas relações sociais. E a vontade individual subjetiva também é gerada por uma vontade objetiva, impessoal, coletiva, social e pública que cria as mais diversas instituições sociais.

A vida ética consiste na interiorização dos valores, normas e leis de uma sociedade, condensados na vontade objetiva cultural por uma vontade subjetiva individual.

Ou seja, em outra palavras, tudo que enxergamos é aquilo que pensamos ver... Vivemos num mar de ilusões onde a vontade pessoal resulta da aceitação harmoniosa da vontade coletiva de uma cultura.

É certo que nosso juízo de valor encontra-se impregnado de nossa história, biologia e sociedade e, sobretudo de nossa cultura.

O valor é um fruto híbrido sujeito a mutações constantes.

Já para Bergson, é certo a existência da moral fechada e da moral aberta. A primeira, é o conjunto do que é permitido e do que é proibido para os indivíduos de uma sociedade, tendo em vista a sobrevivência da mesma. Ela é imposta aos indivíduos e tem como fim tornar a vida comum possível e útil a todos.

O Direito seria localizado na moral fechada.

Enquanto a moral aberta nasce de um impulso criador supra-racional. É a moral da liberdade, do amor e da humanidade universal.

É fruto da emoção criadora que torna possível a criação de uma nova axiologia e conduta em substituição àqueles vigentes e atendentes à moral fechada.

Os heróis, os sábios, os santos, os profetas, os gênios são a manifestação da moral aberta que sempre os colocam na qualidade de maravilhosos transgressores.

Não haveria revoluções sem a moral aberta. E sem ela, estaríamos condenados à eterna estagnação.

As concepções éticas de Sigmund Freud centram-se em sua teoria da personalidade que para muitos corresponde a uma interpretação filosófica da vida onde se dá ênfase ao inconsciente bem como se evidencia o reflexo do inconsciente nas ações, sentimentos, condutas e valores humanos. A personalidade é produto de três sistemas interativos e dinâmicos, ou seja o id, o ego, e o superego.

O id é a fonte de toda energia e gnose instintiva básica, inata e inconsciente que reside subjacente em todo comportamento da pessoa.

Tal energia se manifesta sob forma de impulsos, agrupados em duas espécies: os instintos de vida como a fome, a sede e o sexo, e, os instintos de morte como agressão.

O id atua sob o princípio hedonista que assume a busca do prazer como satisfação imediata de impulsos primitivos, cegos e irracionais..

Hoje em dia, nem tanto considerados como irracionais mas sim, como dotados de racionalidade in natura ou a chamada de racionalidade animal.

Ao ego, cabe a satisfação objetiva e imediata das necessidades do id.

O ego é o controle e a organização do consciente dos impulsos do id.

O ego opera sob os auspícios do princípio da realidade. Pertence ao ego o sistema dos processos cognitivos ( tais como conhecer, perceber, pensar, planejar e decidir).

O superego é o sistema de representação interna das normas e valores morais vigentes em uma determinada sociedade, incorporados pelas crianças através de recompensas e punições que lhe são impostas pelos pais. A educação molda o superego que é o sistema de forças inibidoras e restritivas do impulsos básicos do id, especialmente no tocante à sexualidade e agressividade. É a consciência moral ou senso de moralidade do indivíduo.

A descoberta do inconsciente, em suas duas formas, id e superego, coloca em dúvida a possibilidade do domínio do homem sobre a própria vontade. Daí a natureza contraditória do homem que se vê de um lado, enredado por uma força cega dos instintos do inconsciente e, por outro lado, reprimido e controlado pela força, por vezes, castradora de um superego severo, proibitivo e algoz.

A psicanálise traz discussões éticas interessantes como aquela que revê a responsabilidade do homem movido por seu inconsciente por vezes dominador e incontrolável.

Até aonde poderemos com sanidade conciliar o id e o superego?

O que são mormente considerados como valores éticos dirigidos à realização do bem e no alcance da felicidade, não seriam apenas mais um conjunto de proibições e controle dos desejos e impulsos inconscientes, ditados pelo superego.

Voltamos então ao ideal socrático:

"Conheça-te a ti mesmo".

O que a psicanálise propõe é uma nova moral sexual que compatibilize na medida do possível, os desejos inconscientes com as formas de satisfaze-los na vida social.

Só a consciência e a vontade livre poderá compor essa moral.

A psicanálise tenta auxiliar no autoconhecimento, livrando o homem de ser um joguete das forças inconscientes do id e do superego.

A função da ética é nortear a conduta individual e social, é um produto histórico-cultural que dita um código de condutas num contexto sócio-político-econômico e cultural.

O esmagamento das pressuposições racionalistas operado por Freud é talvez o aspecto do seu pensamento que teve maior efeito em nosso pensamento político.

O pensamento de Freud nada mais é que a tradição liberal voltando-se contra si mesma numa auto-inquirição.

A psicanálise não é liberal e nem conservadora mas mescla traços de ambos os pensamentos só então corremos o menor risco de nos enganarmos.

Diante da psicanálise, repensaremos o conceito de liberdade e punição que tanto interessam ao Direito.

Repensaremos sobre a justiça será a virtude de atribuir a cada um o que é seu?

Na mitologia romana, a deusa empunhando uma espada, símbolo do poder, e tendo à mão a balança (libra), símbolo do equilíbrio, e com os olhos vendados, praticava a imparcialidade.

Terá o Direito superado a metáfora sendo parte do poder e, ao mesmo tempo, tendo o equilíbrio na busca da imparcialidade?

Terá a Deusa triunfado afinal empunhando a espada e a libra (balança)?

Só saberemos quando o Direito for aperfeiçoado pela busca e avaliação incessante dos seus valores....

Gisele Leite

Referências:

Nietzsche, Friedrich. "Assim Falou Zaratustra"

Tradução José Mendes de Souza, Rio de Janeiro, Edições de Ouro, Kant, Immanuel

Fundamentação da metafísica dos costumes

Os Pensadores

Tradução Paulo Quintela, SP, Abril,1974, volume XXV

Hegel, Georg Wilhelm Friedrich

Valores in: Os Pensadores

Tradução Orlando Vitorino SP, Abril, 1974, volume XXX

Chauí, Marilena

Convite à Filosofia, SP, Ática, 1994

GiseleLeite
Enviado por GiseleLeite em 24/02/2010
Reeditado em 23/05/2010
Código do texto: T2106124
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