"Enzo" = Artigo sobre Amor=

Às cinco e meia da manhã, de segunda a sexta-feira, meu filho e minha nora entram silenciosamente em minha casa, abrem a porta de meu quarto, que está sempre escuro pela manhã, e depositam no carrinho de bebê o meu netinho Enzo. Às sete e meia, oito, ou oito e meia, eu me levanto, dou uma olhada naquela carinha linda, vejo se está tudo em ordem, vou ao banheiro, depois à cozinha para o café que me desperta, e preparo-me para levá-lo ao berçário.

Geralmente ele chega ao berçário dormindo, curtindo o pesado e gostoso sono de seus apenas seis meses de vida, mas às vezes acorda bem antes, dá aquela chorada básica que avisa que acordou, e espera que um de nós, eu ou minha esposa, o consolemos da dura e sofrida vida de bebê. Chorando ou sorrindo, é sempre um prazer olhar para aquele serzinho tão indefeso e inocente.

Quando ele está a fim de um bom papo, vamos conversando por todo o percurso. Ela fala no idioma dele e eu respondo no meu. Não nos entendemos, mas nos damos bem e ele quase sempre ri nos cinco minutos de pilotagem minha em seu carrinho sofisticado até a “escolinha”.

Há um mês e meio que isso acontece e há um mês e meio que senti reacender em mim aquele amor gostoso por um bebê. O mesmo amor que o pai dele, hoje com um metro e oitenta, e um sisudo cavanhaque, me despertava há vinte e quatro anos atrás. Que coisa boa! Como é gostoso conviver com um bebê lindo, simpático, risonho e que é, de certa forma, a continuidade da gente através da continuidade da gente.

Minha nora e meu filho acham que lhes presto um grande favor. Engano deles. Eu é que me sinto grato por poder conviver com meu netinho algumas horas por dia. Eles nem podem imaginar, por mais que eu saiba dizer, o prazer que sinto em embalar o “meu amigão”, “conversar” com ele, fazê-lo dormir, dar mamadeira, trocar as fraldas, cantar para ele, desafinadamente, as músicas que gosto e, mais do que tudo, poder ver de perto o mais lindo dos sorrisos do mundo: o sorriso desdentado de um bebê.

Embalando-o, dando-lhe a mamadeira, ou apenas balançando seu carrinho, muitas vezes me vem à cabeça, com horror, como é que existe gente que tem coragem de fazer mal a essas criaturinhas recém-nascidas, a essas coisinhas tão frágeis e indefesas, e uma tristeza imensa invade-me o coração. Ou melhor, o peito. O peito com reflexo na garganta, que se contrai e parece produzir algo de sabor amargo.

Com um movimento brusco de cabeça, procuro enviar para longe tais pensamentos e curto cada momento de convivência com meu querido netinho. Mas não posso deixar de pensar que quero para ele um mundo mais limpo e melhor do que o que o avô dele encontrou.

Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 16/06/2010
Código do texto: T2322327
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