Até breve MEU POETA

Certa tarde, sob a sombra do Oliveiro, degustando vinho do Porto e apreciando seu poema interdito, prometi que, quando de sua partida, negaria aos meus olhos o desprazer da lágrimas e me furtaria da tentação de poemar sua partida.

-Se a poesia é imortal; o Poeta, infeliz, temo que não -

Na madrugada desse treze de junho, o Anjo Celestial bafejou suas vísceras com o sopro da morte e fez a carne do Poeta fenecer.

Até breve MEU POETA!

-O filho pródigo que retorna a seu DEUS; não merece, dos deserdados, um único ADEUS-

Antonio Virgilio de Andrade

13/06/2005

Eugénio de Andrade

(1923 - 2005)

Nasce na Póvoa de Atalaia (Beira Baixa), no dia 19 de Janeiro, o futuro poeta Eugénio de Andrade, a quem foi posto o nome civil de José Fontinhas, rapidamente eclipsado pelo pseudônimo com que assinou todos os seus livros, desde “Adolescente”, em 1942.

Eugénio de Andrade é um dos mais lidos e traduzidos dos poetas portugueses vivos. Após algumas tentativas juvenis que mais tarde repudiou, impôs-se definitivamente no panorama da atual poesia portuguesa. Contemporâneo dos movimentos neo-realistas e surrealista, quase não acusa influência de quaisquer escolas literárias, propondo uma poesia elementar, cuja musicalidade só encontra precedentes na nossa lírica medieval. Se muitos poetas portugueses da nossa época são marcados pelo desencanto, “Eugénio de Andrade vai buscar ao paraíso da infância, à intimidade com a terra, à pura felicidade de se ter um corpo a fulgurante alegria de alguns momentos privilegiados. Esta poesia à qual se tem chamado solar vai acusando, todavia, o peso do tempo, especialmente desde “Rente ao Dizer” (1992) até a “O Sal da Língua” (1995).

ADEUS

Como se houvesse uma tempestade

escurecendo os teus cabelos,

ou se preferes, a minha boca nos teus olhos,

carregada de flor e dos teus dedos;

como se houvesse uma criança cega

aos tropeções dentro de ti,

eu falei em neve, e tu calavas

a voz onde contigo me perdi.

Como se a noite viesse e te levasse,

eu era só fome o que sentia;

digo-te adeus, como se não voltasse

ao país onde o teu corpo principia.

Como se houvesse nuvens sobre nuvens,

e sobre as nuvens mar perfeito,

ou se preferes, a tua boca clara

singrando largamente no meu peito.

A PAIXÃO

Levanto a custo os olhos da página;

ardem;

ardem cegos de tanta neve.

Faz dó esta paixão pelo silêncio,

pelo sussurro do silêncio,

pelo ardor

do silêncio que só os dedos adivinham.

Cegos, também.

OS ANIMAIS

Vejo ao longe os meus dóceis animais.

São altos e as suas crinas ardem.

Correm à procura duma fonte,

a púrpura farejam entre juncos quebrados.

A própria sombra bebem devagar.

De vez em quando erguem a cabeça.

Olham de perfil, quase felizes

de ser tão leve o ar.

Encostam o focinho perto dos teus flancos,

onde a erva do corpo é mais confusa,

e como quem se aquece ao sol

respiram lentamente, apaziguados.

MARÇO VOLTOU

Março voltou, esta

ácida loucura de pássaros

está outra vez à nossa porta,

o ar de vidro vai direito ao coração.

Também elas cantam, as montanhas:

somente nenhum de nós

as ouve, distraídos

com o monótono silabar do vento

ou doutros peregrinos.

Já sabeis como temos ainda restos

de pudor.

e pelo mundo

uma enorme, enorme indiferença.

Antonio Virgilio Andrade
Enviado por Antonio Virgilio Andrade em 16/06/2005
Código do texto: T25064