Cachaça: Identidade e Cultura.

A bebida que popularmente conhecemos como cachaça é exclusivamente brasileira. Adquiriu aqui aspectos e alma da nova terra e junto com o povo mestiço que se formava, se constituiu como raiz na cultura brasileira. Atualmente é a segunda bebida alcoólica mais consumida no País contando com diversos adjetivos referentes ao seu nome e estando presente em diversos aspectos na cultura Nacional, como: música, poesia, literatura, folclore, culinária e religião. No entanto para entendermos um pouco mais esta belíssima bebida e o seu percurso na história temos que nos apoiar sobre a mesma e nos remetermos ao séc. XVI. Foi neste Período, marcado pela, violência, sangue e pelo suor dos escravos africanos que surgiu a bebida que agora estamos discutindo.

Difícil saber o exato momento em que a cachaça começou a circular pelas senzalas e paladares dos nativos. O que sabemos, é que enquanto o império português preocupava-se em encher seus gordos bolsos principalmente com o comércio escravista e açucareiro. Nascia, fruto da garapa azeda esquecida nos coxos do engenho, uma bebida límpida de gosto agradável e que embriagava. A bebida em que as primeiras crônicas deixadas pelos Viajantes europeus datam de 1610 era fonte indispensável para o árduo trabalho “nos canaviais durante o inverno, seminus, expostos à chuva, atolados no massapé (Mário Souto Maior, 1980”).

Arrancados injustamente de sua terra, suportando violência e arrogância dos feitores e senhores de engenho, os escravos africanos indiscutivelmente são os construtores responsáveis dos alicerces econômicos nos denominados ciclos em que a história nos comprova. No entanto este ainda não obteve seu reconhecimento na sociedade, muito menos o lucro deste feito.

A cachaça ganha corpo com o passar e se alastra pelo paladar dos brasileiros se tornando moeda corrente na compra de escravos. A descoberta de ouro nas minas Gerais atrai um mar de gente de todas as partes do País se alojando nas serras geladas. A cachaça ajuda a esquentar. Sendo seu consumo, respeitável.

A bebida vulgar, pertencente a escravos, amplia cada vez mais seu leque de ação, provocando reações da coroa portuguesa. “A metrópole precisava de açúcar e produzia aguardente. A carta Real de 13 de setembro de 1649 proibiu a fabricação do vinho de mel, eufemismo da aguardente, em todo o Estado do Brasil (Luiz da Câmara cascudo 1986)” os prejudicados reagem e ignoram as ordens da coroa continuando a atender a demanda crescente e atingindo o comércio da bagaceira, bebida obtida do bagaço da uva de origem portuguesa. Ou seja: A cachaça destronou a bebida do Império.

Apelando para novas táticas depois do fracasso da primeira, a metrópole parte para várias taxas e impostos a fim de explorar o comércio crescente de aguardente. O mais novo produto da terra sofre a sede insaciável dos colonizadores tornando-se logo o produto da terra mais perseguido. A cachaça cai na boca dos que aspiram os ideais de liberdade tornando-se símbolo de resistência entre os inconfidentes e da população simpatizante. Não só entre estes. Segundo Luiz da Câmara Cascudo a cachaça está em diversos movimentos espalhados pelo Brasil.

"È a bebida-do-povo, áspera rebelada, insubmissa aos ditames do amável paladar, bebida de 1817, da Independência, atrevendo-se enfrentar o vinho português soberano, o líquido salvador da confederação do equador em 1824, dos liberais da praia em 1848, a Patriota, a gloriosa, cachaça dos negros do Zumbi no quilombo dos Palmares, do desembargador Nunes Machado e de Pedro Ivo, dos Cabanos, cachaça com pólvora dos cartuchos rasgados no dente na Cisplatina e no Paraguai, tropelias dos quebra-quilos do Club do Cupim, conspirador abolicionista, gritador republicano, bebida- nacional, a brasileira."

(Câmara cascudo, 1986)

Percebemos que mesmo estando ela oculta e imperceptível, a cachaça sempre esteve lá, nos movimentos pelo Brasil afora, seja no famoso “boteco” contada nos “causos” populares ou nos front’s de batalha encorajando guerreiros consumida junto com pólvora , a cachaça sempre esteve com os brasileiros em especial os de baixo, encorajando-os na batalha do dia a dia, naquilo em que Mário Souto Maior chama de: “estrutura sócio-econômica decadente”. No entanto não podemos deixar de aqui expressar nosso sentimento daqueles que por pobreza, fraqueza ou ignorância se deixaram vencer-se pela cachaça buscando na bebida, refúgio diário de uma sociedade miserável.

Obs: Este artigo é parte de uma produção escrita conjuntamente com Leonardo Gedeon, amigo e parceiro de intermináveis discissões intelectuais. A ele meu grande abraço.

Referências Bibliográficas:

CASCUDO, Luis da Câmara. Prelúdio da cachaça etnologia, história e sociologia da aguardente no Brasil. Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1986. 82 p.

CALASANS, José. Cachaça Moça Branca: Um estudo de folclore.2ªed. Salvador-Bahia: Ed. Livraria Progresso, 1951. 108p.

MAIOR, Souto Mario. Dicionário Folclórico da Cachaça.2ªed. Recife. Fundação Joaquim Nabuco, Ed Massangana, 1980. 150p.

Matias
Enviado por Matias em 07/10/2006
Reeditado em 27/10/2006
Código do texto: T258646