"grita , grifa , grafa , grava uma única palavra : greve"

Quando se fala em greves, piquetes e protestos, muita gente pensa que isso acontece com frequência somente em lugares como La Paz, Buenos Aires e ABC Paulista. E poucos são os brasileiros que conhecem seus direitos dentro da legislação japonesa. Menos ainda são os que têm consciência sobre a força que os movimentos sindicais estão adquirindo no Japão. Uma prova disso é a Union Mie, que há quase cinquenta anos luta pela defesa dos trabalhadores. Com sede em Tsu (Mie), o grupo começou a defender causas estrangeiras em 2003, e desde então já realizou dezenas de “panelaços” em portas de fábricas.

E um dos casos mais recentes que a Union defendeu foi do brasileiro Antônio Antunes de Souza, 44, que depois de oito anos na mesma empresa, começou a sofrer agressões físicas e a ser discriminado pelos colegas japoneses. “Após todo esse tempo, eles me mandaram para um lugar muito sujo, onde o serviço era corrido e todas as pessoas estavam estressadas por causa da pressão dos chefes. E, logo no começo, os japoneses começaram a me tratar mal, davam chutes, tapas e me humilhavam o tempo todo. Para você ver como era pesado, eu era o único brasileiro nesse setor”. Souza relata também que nunca deixou de fazer seu trabalho corretamente, e como prova ele mostra um documento em que dez pessoas foram testemunhas no seu caso. “Eu dava sangue pela empresa, me esforçava ao máximo. E em troca eu apanhei durante meses, foi terrível. Eu ia trabalhar em estado de pânico, dormia duas horas por dia”, revela.

Através de relatos sobre os abusos que sofria, Souza foi aconselhado por amigos para procurar a Union. “Desde a primeira vez em que fui ao sindicato já me senti amparado”, diz ele. Mas o estopim para que a Union entrasse no caso foi quando Souza levou um chute nas costas de um chefe e uma bolha de sangue apareceu em sua coluna. “Primeiro, eu fui reclamar na polícia, depois fiz um laudo no hospital, mas os próprios médicos não quiseram se intrometer e me mandaram voltar para fábrica”. Souza diz que ainda trabalhou alguns meses após a agressão mais séria, e decidiu procurar um outro médico, que também detectou uma depressão profunda e surdez em um dos ouvidos. Com os laudos prontos, a Union colocou a fábrica na justiça. A empresa teve que pagar indenização, seguro desemprego, tratamento psicológico, demitir um dos agressores e ainda fazer um pedido público de desculpas assumindo a culpa. “Se não fosse a Union, talvez eu tivesse me matado, ou até mesmo feito coisa bem pior”, relata.

Há quinze anos no Japão, Hélio Takessako, 37, só conheceu o sindicato em maio de 2006. “Acredito que grande parte dessa desinformação se deve aos próprios patrões, que não deixam os movimentos divulgarem seu trabalho educacional. E não é de interesse de algumas fábricas que os operários conheçam seus direitos”, afirma. Takessako diz que trabalha na mesma empresa há treze anos. “Nesse tempo, eu já vi de tudo, desde abusos, discriminação e pessoas amputadas. Eles nunca assumem nada, e se a pessoa fica doente eles falam: “você não vai trabalhar, então procure seu caminho””, explica. Após alguns anos, Takessako diz que teve úlcera e problemas estomacais, e que muitos colegas viviam na mesma situação, mas isso só foi até eles descobrirem que o problema estava na tinta em que manuseavam. “Um dia, eu estranhei a suspensão de um produto que a gente sempre usava, então pedi para ver o nome. E já desconfiado do que estava escrito em japonês, decidi guardar esse papel e o levei para o sindicato”.

A Union fez uma pesquisa para saber a origem do produto com nome esquisito: Hexaclorobenzeno. Foi então que eles descobriram a gravidade, pois segundo o laudo, esse é um dos doze produtos mais tóxicos de se manusear em todo mundo (outro nome famoso na lista é o amianto). E o contato com esse produto “altamente tóxico” pode causar uma mudança genética que pode afetar até os netos dos operários e, a curto prazo, pode gerar vários tipos de câncer. Logo após a descoberta, Takessano sofreu um acidente de carro, e a empresa decidiu demiti-lo alegando que ele havia “sujado” o nome da empresa, e também por não cumprir as regras de trabalho. Então, a Union montou um dossiê, e descobriu que além dos produtos ilegais, a firma também não pagava o seguro (Shakai Hoken) e nem dava férias remuneradas. Os sindicalistas pressionaram a empresa, e agora a batalha está em processo. “Eu não quero indenização, quero apenas voltar ao meu emprego e também que sejam cumpridos todos os nossos direitos trabalhistas”, espera.

Outro brasileiro que recebeu assistência da Union é Cidonio Karakawa, 39, residente no Japão desde 1990. “Sem que eu esperasse, os chefes me chamaram para uma reunião num dia normal de serviço na fábrica. E recebi a notícia de que seria demitido, então eles me deram um papel para que eu assinasse. Desconfiado, pedi para levar o papel para casa e fui visitar uma amiga que entendia japonês, então ela me disse para procurar a Union. Quando cheguei lá, eles me falaram: “sorte que você não assinou”, relembra. O tal papel que a fábrica pediu para que ele assinasse era um documento em que Karakawa pedia demissão, e na verdade ele estava sendo demitido sem justa causa. “A empresa queria me enganar para não pagar o seguro desemprego”, denunciou o ex-funcionário. E na mesma semana, a Union marcou uma reunião com a fábrica, que voltou atrás e pagou tudo o que era de direito a Karakawa.

Em defesa dos estrangeiros

A principal iniciativa de ajudar os estrangeiros partiu do japonês Hojo Hirooka, 49, atual presidente da Union Mie, e membro da entidade desde 1981. Hirooka é o responsável por toda a organização de greves, piquetes e protestos, além de cuidar pessoalmente de todos os casos. “Ele sabe tudo o que você possa imaginar sobre direitos trabalhistas, e até mais do que muitos advogados. Pois na maioria dos tribunais que eu acompanhei, ele se defendeu sozinho, e já ganhou várias causas assim”, diz a boliviana Sirley Magali, voluntária na Union, e uma das primeiras estrangeiras a ter o apoio do sindicato em um júri japonês. Hirooka acrescenta que aprendeu tudo sozinho. “É de tanto conviver com diversos tipos de casos que a gente acaba aprendendo”, revela.

Gary Vieira, também boliviano e voluntário da entidade, ressalta que Hirooka é o carro-chefe de todas as reivindicações. “O presidente enfrenta desde patrão, empreiteiro e até policial. E quando ele vê que está acontecendo alguma injustiça não tem medo nenhum de sofrer repressão”, descreve Vieira, que também chegou ao sindicato para denunciar a fábrica onde ele sofreu um acidente (causa que também foi ganha pela Union). Hirooka afirma que pelo conhecimento adquirido sobre direito trabalhista, tem plena consciência de até onde pode chegar seu limite num protesto. “Em uma negociação, eu sempre sei a hora certa de atacar e a hora de retroceder”, admite.

Hirooka ressalta que com a entrada dos estrangeiros, a Union tem muito mais força hoje do que antigamente. “E se todos continuarem com essa atuação, a tendência é ficarmos ainda mais fortes. Não basta só procurar o sindicato quando se tem um problema, a Union é uma entidade que também serve para discutir novas idéias e propostas. E eu só fico triste quando as pessoas resolvem seus problemas e nunca mais aparecem aqui para dar apoio aos que precisam”, lamenta. O líder sindical diz também que a Union não divide os associados por nacionalidade. “Aqui nós não temos os números de filiados estrangeiros por cada país. Pois todas as raças são iguais, e todos temos que nos unir para reivindicarmos direitos semelhantes, sem nenhuma diferença”, conclui.

Danilo Nuha
Enviado por Danilo Nuha em 09/10/2006
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