Não quero falar do passado

Hoje não quero falar de saudades, do que passou, do que foi ou daquilo que agora jaz no tempo do ontem. Não quero que meu coração se sinta pequeno, insignificante, de pouco valor e oprimido. Também não desejo ruminar a mágoa, o ódio, a impotência de um sentimento que foi incapaz de manter o que mais o fazia existir.

Não, não quero recordar. E contesto o pensamento popular que diz que recordar é viver. Não. Não é não. Recordar é morrer outra vez, sofrer de novo, martirizar-se novamente.

Nao, definitivamente, não quero falar dos dias que ficaram na lembrança como tempo do bem e que, por ironia do destino, transformaram-se em tempo do mal.

Ironia do destino? Também não. O destino não é irônico. Para falar a verdade, ele nem mesmo existe antes que a gente o crie, recrie, o torne real. Não é ironia do destino, isso não.

Mas como disse, não quero fazer desse amontoado de letras uma passarela para o que ficou lá atrás. Uma ponte de mão única para um sentimento que machuca, que abre cicatrizes mal curadas, que fere como faca afiada e que mata minha alma em doses homeopáticas.

Não. Não falarei do passado, de saudades, do ontem.

Falarei sobre o quê? Sobre quem?

Falar de mim? Seria falar do que não existe mais.

Falar do mundo? Também não. Seria falar do que não mais entendo.

Falar de quem e sobre o quê? Não sei...

Só sei que só consigo falar do que foi, da saudade que me corrói o peito, da paz que não mais tenho, da dor que não pára, da lágrima que não consigo prender no olhar, da vontade enorme de gritar para todo mundo: volta, vem me fazer feliz!

Não, hoje não quero falar do passado.