Ato além das palavras

Há certas ligações entre as pessoas que não se dão pelos meios comuns, pelas palavras, mas acontecem de alguma forma, pela arte, pela música... Eu tenho algumas sintonias, captadas há tempo, com pessoas que não são do meu convívio, geralmente músicos/ poetas, dentre estes, os baianos em geral, e Caetano Veloso em especial.

Foi por volta de 1968, quando ao vê-lo se apresentar em um festival de música na TV, e, ao final da apresentação, ao se deitar no palco e erguer os pés, como se quisesse ficar “em pé” ao contrário, que me deu um troço. Aquele ato, de alguma forma, apertou a tecla enter na minha cabeça e pôs meu HD pra rodar. Eu não seria mais o mesmo.

Nem sei a canção que ele executou, mas a atitude bateu em algum mecanismo adormecido e pôs o mundo em mim. Quando sai do local que estava, fiquei mudo, nem me interessei mais pelas coisas de antes - e nem sabia por que - mas aquilo me abriu a possibilidade de saber que tudo poderia estar invertido e os absurdos daquela época serem contestáveis.

Comecei a ver que a rigidez dos preceitos dos nossos pais poderiam não ser tão certos; que o País poderia estará com alguma doença grave, como de fato estava, assim como o mundo e suas ditaduras latino-americanas, além da Guerra Fria e Guerra do Vietnã - coisas que incomodavam e faziam a cabeça coçar, atrás da orelha.

Fui pinçado daquela periferia paulistana, de um mudo de menino - restrito e restritivo, entre o jogo de bola peladero e os bebuns do bar onde meu pai trabalhava - e eu já o ajudava ali, com menos de 13 anos - para o olho do furação. De alguma forma me sintonizei no que ocorria mundo afora: uma nova atitude da juventude, que não queria mais a rigidez daqueles tempos e nem velhos e carcomidos preceitos.

Tudo isso para mim ainda era desconhecido, pois conseguia apenas sentir o cheiro de tudo o que ocorria no mundo e em nosso País - um contestação latente emergia, mas eu só podia visualizar isso através das vestes que os jovens começavam a usar e os cabelos que começavam a crescer, mas era, no fundo, uma questão de atitude, descobri depois. Sai daquele dia certo de uma coisa: precisava ter uma calça Lee desbotada.

Para abandonar o corte americano, imposto pelo meu pai, foi na sequência e deixar os cabelos crescerem até o meio das costas foi só uma questão de (pouco) tempo. O resto veio com o vento, caminhando pelas estradas, passeatas, acampamentos, experimentos de vida na pele, rompendo comportamentos estabelecidos.

A música, rock e MPB, de então me alicerçaram de alguma forma. Daí pra frente foi definir passos, que, certamente, seriam em outra direção, caso aquela atitude de Caetano Veloso passasse batida lá atrás.