MUDÃO.

No final de 2011, morreu um antigo colega de trabalho, Antonio Carlos Rondinelli.

Ele era surdo-mudo. Fizemos dupla numa grande agência de propaganda, MPM, eu como redator, ele como diretor de arte. Mais conhecido por todos colegas como Mudão, carinhoso apelido que veio da época de outra agência em que trabalhou, Salles, era um cara alegre, gozador e querido por todos.

Imagine-se alguém com estas dificuldades trabalhando na área da

comunicação onde, supostamente, todos sentidos são plenamente necessários e utilizados.

Fizemos alguns trabalhos bem legais juntos.

Essa noite ele apareceu no meu sonho. E veio falando, tendo confessado pra mim que havia sido um farsante durante toda vida. Que surdo-mudo, que nada! Conseguia ouvir até os nossos pensamentos. Disse que “encarnou” este personagem quando ficou órfão de pai e mãe,

tendo sido recolhido num abrigo à espera da adoção. Lá ele conheceu o Paulinho, moleque de uns sete, oito anos, que era surdo-mudo. Constatou que tinha várias regalias por conta disso,

podia repetir a sobremesa mais do que as outras crianças, era dispensado de tarefas que não queria cumprir, podia dormir mais cedo e levantar da cama mais tarde quando desejasse.

Foi desta constatação que nasceu o Mudão. Anos foram passando e ele foi aprimorando cada vez mais a sua performance, usando e abusando da sua suposta deficiência.

Jurou de pés juntos que nunca ninguém botou em dúvida se era mesmo surdo-mudo.

Este segredo nunca fora revelado a ninguém, nem à esposa e nem tampouco aos filhos (foi a filha, Patrícia, quem informou-me do seu falecimento). E confessou que não queria levar para o túmulo a sua farsa vitalícia e escolheu a mim para revelar a verdade.

Nos abraçamos e ele foi embora, seja lá para onde for.

Eu acordei e fiquei na dúvida se aquilo foi só um sonho. Talvez não tenha sido mesmo.

Oscar Silbiger
Enviado por Oscar Silbiger em 05/01/2012
Reeditado em 07/08/2019
Código do texto: T3423846
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