ROMPENDO COM O DOMINIO DO MEDO: VENCENDO O MEDO DE MORRER E MEDO DE VIVER

INTRODUÇÃO

Escolhendo um ou escolher não ter os dois, parece um paradoxo. Aliás, isso me faz lembrar uma poesia de Leandro Gomes de Barros que foi o maior representante escritor de literatura de cordel do Nordeste.

O Medo

Na certeza que um dia hei de morrer,

Assombro-me com a morte todo dia.

Toda vida é um eterno padecer.

Rouba-me a alma, rouba-me a calma, tudo me crucia.

E eu vou vivendo como ser errante e triste pelo mundo afora,

Temendo a morte que embora triunfante,

Há de vencer-me, há de mandar-me embora.

E tu madrasta ferrenha e desvairada,

Ser tenebroso, horripilante e forte;

Com teu chicote de mulher malvada,

Acoitas-te o meu pai na tua norma.

Leva-me! Que a lei da natureza vive a dizer-me que um dia morro.

Eu que daria do universo a grandeza por vida eterna embora, que de um cachorro.

Porém, rogo-te nessa amargura imensa!

Deixa-me viver, fazer uns versos, e depois,

Leva-me contigo mulher mesquinha.

Apesar de sua jocosidade com a morte, ele fala do próprio medo de morrer, para no final aceitá-la como inevitável. Dizia-se ateu, mas conhecia a Bíblia como poucos. Sabe-se através de estudo sobre sua biografia que ele era católico, apesar de sua irreverência. O curioso é que o irreverente Leandro morreu cedo aos 53 anos.

Temos tanto medo dela, que o vislumbre de sua possibilidade nos assombra. Se pudesse esquecer que ela é real, que só viria num tempo bem remoto! E, tentamos fazê-lo, mas quando agimos como se ela fosse uma possibilidade distante, perdemos a noção de tempo e qualidade de vida.

A história tem nos mostrado que alguns nascem, crescem, amadurecem, envelhecem e morrem, outros ficam pelo meio do caminho. Alguém já perguntou: será que o erro não esta na maneira como articulamos e ensinamos enquanto família, que a presença física é o maior estabelecedor de contato? Então, também podemos dizer que o medo é produzido através de ensinos que ministramos e que a família é o maior fomentador de medo!

Ensinamos o medo de barata, de rato, dos marginais, do sobrenatural, da vida, do castigo de Deus, de adquirir uma doença incurável e de morrer. Ele chega a paralisar o indivíduo.

Alguns medos levam ao fracasso na construção de relacionamentos saudáveis. Aprofundar relações requer uma boa dose de ousadia. Alguns dizem que a qualidade de vida vem em primeiro lugar, que a quantidade vem em seguida, mas a possibilidade de morrer é algo tremendamente arrasador. Vivemos como se fossemos eternos. Evidenciamos isso, na ausência de compaixão, de amizade, do respeito pelo outro.

Esquecemos que relacionamentos saudáveis são baseados em construção, mas esta intrinsecamente ligada ao aprendizado. O inverso também é real, a ausência de limites que invade o espaço do outro e o sufoca.

1- MEDO DE CRER E MEDO DE DESCOBRIR QUE NÃO VALEU DE NADA ESSA CRENÇA.

Durante algum tempo racionalizei com meus botões; será que existe Deus, que existe céu, inferno, salvação, vida eterna? Será que não somos como todos os seres criados da natureza que tem um tempo de vida útil ou não e, que depois a natureza segue seu rumo? Por que somos mais privilegiados, por que nosso cérebro é mais evoluído? E se nada disso tem valor, que horror! Faço parte de uma cadeia alimentar que mata outro ser para satisfazer a minha fome e, tristemente, faço parte de uma cadeia que mata por prazer, para se defender, por raiva, por inveja e ciúme, para roubar e, por achar que a vida vale muito pouco, dependendo do grau de importância, pode valer míseros reais a uma importância exorbitante.

Minha necessidade de existir vai além da existência física; é tão grande, que recuso crer que poderei nascer de novo e começar tudo outra vez, baseado numa crença de conquistas e méritos espirituais. Minha necessidade de céu é para viver bem, sem dor, sem fome, sem os desejos que não posso realizar; simplesmente baseada na perspectiva de ser eternamente com Deus.

Canalizava as minhas dúvidas numa outra direção, apenas para não ouvir a voz da minha consciência; de ousar aceitar que pensei tais coisas. Tinha, tenho medo não sei, de aceitar que via ou vejo as coisas desse jeito. Mas um dia, em meio a uma crise existencial, encontrei as respostas para a minha necessidade de Deus;libertei a minha mente, passei a crer simplesmente. Desisti de procurar respostas para coisas que não teria desse lado do céu. Decidi crer contra desesperança, a falta de confiança. Decidi apostar na presença de Deus, crer que tudo Ele vê e no Seu tempo direciona, se o deixarmos trabalhar.

Se eu pudesse dizer numa frase o que isso significou, essa seria: Eu não andei sobre uma fogueira, eu literalmente a pulei com saltos de uma gazela. Eu chamo isso de liberdade.

Um dos medos que nos apavora é das nossas crenças. É patético ver como o ser humano se esconde na possibilidade da imortalidade, numa espiritualidade sem profundidade, sem relevância. Você pode dizer que espiritualidade não se mede e não se afere, mas muitos vivem dentro das igrejas como fantasmas, alimentam-se das mensagens que são pregadas, pregam a palavra na esperança que se converta alguém para que sua coroa no céu tenha mais alguns brilhantes. Levo isso a sério, mas vida espiritual é muito mais do que sair com uma Bíblia debaixo do braço, no sol quente dos domingos à tarde; ela é uma experiência internalizada na fé em Deus.

O céu esta ao nosso alcance a despeito do que somos. A nossa pregação deve direcionar a um Deus amoroso, salvador, libertador, transformador, no e pelo poder do seu Santo Espírito. Eu creio nisso! Não creio é na camisa de forças que colocaram Deus, limitando-O a nossa visão, do que se pode ou não fazer e, do que realmente quer fazer. São milênios de visão deturpada da graça e da vontade Dele. Isso me faz lembrar uma poesia cujo título é DEUS. Recitei há muitos anos atrás, numa festividade da escola. Lembro de alguns versos, mas não sei quem é seu autor. Acreditem o ano era 1966. Precisei de muita coragem para fazê-lo. Estava vestida de branco com um ramalhete de flores que entregaria posteriormente, não lembro por que, nem a quem.

Isso leva a outra reflexão; aonde foi parar aquela criança que mesmo com medo da multidão de colegas do grupo escolar, seus pais e professores conseguiu recitar aquela poesia? Eis alguns fragmentos dela:

DEUS

Um dia consultei aos homens sábios,

que discutem a terra, o ar, os céus, e indaguei!

Folheai os vossos velhos alfarrábios e,

Dizei-me inconscientes, existe Deus?

Spinoza me fitou e disse, creio na causa.

Nem eu, nem ninguém disse Baudelaire.

Num sorriso, com uma pequena pausa,

Juro que não há Deus, disse Voltaire.

Debrucei-me a um abismo e disse a terra:

Existe Deus, ó terra?

E a terra oca, em cujo seio a lava e o fumo encerram, escancarou do abismo imensa boca.

Subi a um penedo e disse ao mar,

Existe Deus, ó mar?

E o mar em prantos, vagas e vagas vinham me atirar;

Bramindo-me de ira e enchendo-me de espanto.

Volvi o olhar ao lindo céu vazio e,

Disse ao céu: existe Deus, ó céu?

O céu bendito turbado da pergunta,

Pasmo abriu-me os grandes olhos de astro ao infinito.

E assim, fiz ao vento que zombando fugia;

Depois a uma ave e a um vaga-lume;

Por fim, falei a flor desabrochada e ela em resposta,

Deu-me o seu perfume.

Então mergulhei em fundas cismas, na dúvida mais triste, e o coração me disse:

Em que te abisma, não sejas louco,

Deus o eterno existe!

Não sei se, essa poesia diz alguma pra você, mas ainda hoje ela me toca profundamente. O nome disso é crença, é fé. Em mim, esse é o toque de Deus.

Isso também remete a outra nota; as respostas as nossas duvidas estão dentro de nós na maioria das vezes.

2-MEDO DO TOQUE

As pessoas têm medo de tocar e serem tocadas. Um aperto de mão, um abraço, um beijo, um roçar de dedos. O aperto de mão pode dizer muita coisa; pode dizer apreciação, acolhimento, indiferença, desinteresse. O medo de ser confundido é uma realidade. Como é bom tocar e ser tocado!

Um toque educado, profissional, contido, geralmente em apresentações formais, pode denotar frieza e descaso, mas pode também ser um sinal de satisfação e reconhecimento.

E o abraço então! Se os indivíduos têm medo de apertar a mão uns dos outros por medo de ser mal interpretado, imaginem um abraço! Abraçar alguém exige intimidade, coisa que muito poucos indivíduos ousam fazê-lo. Um abraço amigo tem o poder de acalmar o coração, transmitir conforto, esperança, carinho, amor. Num abraço amigo não há medo do contato, de ser confundido por desejo sexual.

As pessoas estão expostas aos conteúdos veiculados por jornais, revistas, filmes, novelas, internet, etc., e se tornam sensíveis, de certa forma erotizadas. O medo é real! Você tem medo de abraçar alguém que esteja carente sexualmente ou até, porque foi criado num contexto de pouco ou nenhum contato físico e amoroso por parte dos pais e irmãos. Há famílias que é apenas ajuntamento de pessoas que, por acidente estão debaixo do mesmo teto; se cotizam para pagar as contas, assumem posições para manter a casa funcionando, mas não há evidencias de que ali mora uma família, aquele é um lugar acolhedor e referencial para voltar para lá todos os dias, depois de um dia longo de trabalho.

O toque de dedos pode expressar amizade, e pode expressar desejo pelo outro. Quanta coisa pode ser pensada, dita com apenas um toque de dedos. As diferenças podem ser sutis, mas o abraço amigo que consola, dá carinho, não conduz a um convite de partilhar intimidade sexual, de tocar o corpo do outro.

O abraço repleto de amor e desejo do outro é um convite ao toque, ao partilhar intimidade, mas sinaliza a idéia de que se pode tocar e ser tocado, sem medo de ser mal interpretado. Esse abraço é necessário como um dos modos, para a construção de um relacionamento harmonioso.

Isso faz me lembrar do suave toque de Deus nas nossas vidas, que vem sobre nós como um bálsamo que lava a alma. O abraço de Deus que nos acolhe e nos carrega nos momentos mais cruciais da existência

3-ROMPENDO O MEDO DE CONSTRUIR UMA VIDA FELIZ

Os casais esqueceram ou desaprenderam a namorar, mas afinal o que é namorar na atualidade?

Há alguns anos, a construção de um relacionamento tinha o namoro como a fase inicial. Hoje, as fases do namoro foram substituídas pela fase dos jogos amorosos.

Namorar é antes de tudo inicio, aproximação, toque. É a descoberta da afinidade, afetividade, parceria, química da pele. É o primeiro contato que favorece o conhecimento do outro, dos seus gostos e perspectivas. É o primeiro andar de mãos dadas, andar abraçados; são os primeiros beijos e a descoberta do gosto que a boca do outro tenha, até a forma como se encaixam num abraço.

Os jovens pularam essa fase que antes, era embalada em olhares, paquera; que termo mais antigo! Hoje, se olham, vêem-se bonitos, desejáveis, se aproximam, trocam algumas idéias e partem para as introduções sexuais. Às vezes, os primeiros encontros não favorecem a uma relação sexual, mas ela certamente virá. Os que não se aventuram nessa, são chamados de “frescos, atrasados, santinhos”, e outros adjetivos menos delicados para serem mencionados. Fico pensando, o que é que eles conversam? Se saírem uma vez por semana, a transa é o final de tudo, mas perde-se o encanto.

Os casais casados ou que convivem há muito tempo, perderam também o élan de estarem juntos, se tocando, namorando, sem que tudo de na cama. Ao contrário, namorar adquiriu outra conotação; passou a ser sinônimo de maior atrevimento e, atos que estão na fantasia erótica dos indivíduos. O pior é que isso não constrói nada, apenas o que dá mais ou menos prazer; o casal acaba não sabendo tirar proveito dessa liberdade de estar com o outro; despem o corpo, mas não o sentimento, a alma.

Manter a chama acesa do desejo em casais com anos de convivência é um desafio, lutando sempre contra o fantasma da monotonia. Outro ponto crucial é o limite da liberdade de invadir o corpo do outro, porque isso significa identificação, entrega e confiança. Inclua nesse item, fator emocional e moral.

Os jovens não entendem que há um limite da liberdade, em querer invadir o corpo do outro; como dissemos anteriormente, deveria ser fruto de convivência, confiança, de mútua descoberta e de carinho que é algo que não se cobra, se dá.

O hábito não faz o monge, mas ele pode viabilizar relacionamentos. Boas conversas podem surgir a partir de momentos íntimos. Usar expressões mais quentes dependerá do nível de intimidade e liberdade.

Nada é mais excitante que tocar o outro. Até ai, é preciso ausência de medo em se doar.

O que precisamos fazer para romper com os medos que paralisam a vida, infelicitam a alma, escravizam mentes com pensamentos doentios, desejosos de experimentar sensações. Seu próprio código de honra e moral não abrem brechas para executá-lo, de se livrar de sentimentos desorientados do que é realmente pecado, ou que é legitimo.

Em muitos casos é preciso desistir e decidir. Dois verbos que em sua profundidade, significam romper com preconceitos, medos e, ir em busca de novos horizontes; varrer, limpar a mente e ousar seguir em frente.

Desistir nesse caso é bom e trás novo alento. O passo a seguir é decidir fazer algo que modifique e, estabeleça novas metas. Fiquei pensando: o que deveríamos desistir e o que deveríamos decidir? Eis o que surgiu.

Desisti de ter medo.

Decidi ousar,

Desisti de esperar acontecer.

Decidi fazer acontecer,

Desisti de buscar aceitação alheia.

Decidi não estar à mercê de ninguém, a não ser, da minha própria consciência.

Desisti de conquistar.

Decidi ser.

Desisti de cobrar lealdade, decidi ser leal.

Desisti de tentar enquadrar as pessoas a partir do meu ideal de ser humano.

Decidi deixar cada um ser o que é.

Desisti de ter medo de viver.

Decidi me preocupar com coisas que realmente são perigosas e precisam de solução.

Decidi ousar com confiança, de chocar sem criar pânico.

Desisti de esperar retorno por atos bons que eu tenha praticado,

Decidi continuar fazendo-os apesar de.

Desisti de correr atrás de coisas que não tem valor.

Decidi correr atrás daquilo que realmente tem valor

Desisti de qualquer coisa que me atemorize.

Decidi olhá-lo de frente e, parar de chorar.

Decidi sorrir, pois ele alivia a alma.

Decidi enfrentar a vida com tudo o que ela tem:

Sonhar, amar, realizar, produzir.

Decidi gostar de mim e gostar da vida.

Decidi lutar e ser feliz.

Mais importante que ser é fazer alguém feliz, pois certamente estarei dando o melhor de mim.

Se alguém escreveu algo parecido, ótimo! Mas esse é meu!

Então, descobri que amar a vida, o próximo, o distante, a natureza, o desvalido, o infeliz, o poderoso que, tudo isso não passa de utopia. Ninguém pode empreender uma jornada tamanha se Deus não for aquele que guia e por essa razão valida nossas ações, e nos dá paz interior e uma sensação de bem estar. Desistir e decidir terá um sabor de vitória, pois desistindo e decidindo remeterá a um futuro onde a concretude do estar, se estabelece na infinitude de ser na presença de Deus. Nessa infinitude, não há medo da vida, da morte, de desistir, de fazer acontecer a partir da decisão de ser.

Amigo, se diante de tudo que foi escrito você ainda sente medo, eu o saúdo com um. “bem-vindo a raça humana”!

Cristina Nóbrega

Recife, 27/09/2004