O BARCO DE SÃO PEDRO ESTÁ DESGOVERNADO

O Papa Bento XVI é o segundo Papa na história da Igreja Católica Apostólica Romana a deixar o trono de São Pedro em vida. Para muitos, um gesto nobre que evidencia sua débil condição física para atender a rotina do cargo.

O que tem de diferente nesta substituição do Papa além da surpreendente renúncia? Os fiéis viram com muita preocupação o reconhecimento do renunciante de que havia uma crise na Igreja. Muitos dirão que ela sobreviverá e que sairá fortalecida uma vez que sobreviveu a crises maiores. Para citar algumas delas: a Igreja Ortodoxa Russa não reconhece a autoridade do Bispo de Roma assim como os Anglicanos Ingleses, os Luteranos e todos os outros que se abrigam no enorme guarda-chuva do cristianismo.

A última vez que houve alguma mudança na Igreja foi há 50 anos com o Concílio Vaticano II que introduziu a missa em língua do país e desobrigou os padres a andarem de batina. A decisão deste concílio não encontrou apoio unânime entre o clero, sendo que o Cardeal Lefebvre desafiou a autoridade papal. Aqui no Brasil, também o padre Leonardo Boff foi afastado porque se atreveu a pensar um pouco diferente, com sua Teologia da Libertação que sequer chegou a ser um movimento. Lefebvre e seus seguidores(muitos bispos entre eles) foram excomungados.

A torpeza política está mais para uma republiqueta emergente que para a nobreza esperada dos líderes da, ainda, maior igreja do mundo. O envolvimento de clérigos em escândalos de pedofilia, questões mal explicadas do Banco do Vaticano e a urdidura política são um flagrante rompimento com os valores contidos nos votos de castidade, pobreza e obediência que são obrigatórios para os padres.

A “carreira eclesiástica” normalmente começa na mais tenra idade e, dificilmente alguém chega a Cardeal, portanto, postulante do cetro papal antes dos cinquenta e cinco anos. Era de se esperar que não houvesse mais paixões mundanas em quem passa mais de quarenta anos de sua vida dedicado exclusivamente à Igreja. A instituição que prega o amor divino muito acima dos prazeres da carne, que enfatiza valores que estão anos luz dos bens terrenos, que prega o Poder Eterno e o desapego total ao temporal não está seguindo seu próprio catecismo.

A Igreja tem a mais longa história das religiões ocidentais. Em dois mil anos, o que aconteceu de menos nobre (Cruzadas, Santa Inquisição, negação do heliocentrismo, omissão na escravidão negra e no holocausto judeu) é a exceção e o rumo sempre foi retomado. Como ela tem uma estrutura paquidérmica, as mudanças e as correções aconteceram de maneira muito mais lenta que a necessária. Embora ninguém acredite em mudança na doutrina, espera-se que a Igreja se livre de penduricalhos arcaicos.

Joseph Ratzinger renuncia. A fibra do jovem soldado das fileiras alemãs em 1941 já o deixou. Ele se confessa sem forças para comandar a hierarquia mais rígida do mundo. Não falou, mas não é difícil comparar com o próprio Jesus ante o trono de Pilatos: “Meu reino não é deste mundo”. Realmente, o mundo das intrigas não é o reino de Deus. Os cristãos ficaram tristes e amedrontados. Têm medo das previsões que dizem que o barco vai afundar. Esperemos que seja apenas uma troca de comando e não um comprometimento da quilha deste barco que já completou dois milênios.

Luiz Lauschner