A Mudança de Governo

A mudança de governo é sempre dolorosa. Os dirigentes apegam-se ao cargo e ao poder transitórios; acomodam-se ao fascínio da posição, agarrando-se a ela como o náufrago ao salva-vidas. Assim é como a política passou a ser a arte de chegar ao poder e permanecer nele indefinidamente, privilegiando parentes e amigos. A ambição, que tristemente norteia a vida da maior parte das pessoas, está sempre a apontar para a riqueza e o poder.

Observando quem assume o poder, o espetáculo não é menos risível. O que chega julga-se muito melhor que os que o precederam. Sua “personalidade” interrompe os projetos que vinham caminhando para iniciar uma nova fase com outros planos que sua brilhante inteligência formulará.

Nos dois casos, a raiz da questão é a mesma: a pessoa é governada pela personalidade,a máscara interior que quer sempre diminuir os outros para, num mundo de anões, vir projetada a sua figura.

A solução da questão resume-se na necessidade da mudança do governo interior e pessoal. Será necessário destronar o tirano das aparências e do engano, o ser pessoal, vaidoso e desumano que cada um carrega dentro de si. Ele deve ser substituído pelo espiritual e humano que jaz adormecido no interior de cada um. É uma questão de disposição e desprendimento, caso a máscara não haja aderido definitivamente à epiderme psicológica.

A “personalidade” é o fruto do cultivo das aparências do ser humano, tanto no aspecto material como no intelectual; a somatória dos dotes com os quais pretende apresentar-se às outras pessoas - geralmente com um indisfarçável intuito de diminuí-las - alçando-se a uma fictícia estatura pessoal inflada pela vaidade e pela ambição.

Esta máscara - com a qual se pretende atravessar a vida aparentando ser o que não se é - deve ser arrancada, ainda que dolorosamente, para ascender aos caminhos do aperfeiçoamento individual.

A personalidade, com seus brilhos e debilidades, deve ser substituída pela individualidade;o cultivo de qualidades pessoais interiores. A tarefa não é simples; requer valentia e desprendimento; morte e renascimento. Esta é a maior das artes que possa um ser humano realizar: a criação de um novo ser surgindo das cinzas do velho homem pessoal, vaidoso e egoísta, qual pássaro mitológico e imortal.

A personalidade é uma frágil bengala com a qual se pretende atravessar a vida fingindo uma suficiência que o observador mais perspicaz identifica como falsa; a máscara da dissimulação e das aparências, da falsa humildade e da mansidão, que revela muitas vezes a fera escondida sob as vestes de um cordeiro.

A lógica deste mito é perfeitamente compreensível nos seres para os quais nada existe além da realidade do mundo físico. No entanto, para os que sentem a necessidade de transcender esse limitado estado de compreensão, essa visão limitada do entendimento, o mito passa a deixar de ter sentido, dando lugar à aspiração de substituir a personalidade pela individualidade, pelo cultivo das qualidades superiores do ser humano.

A renovação com continuidade, no que a Natureza é pródiga em exemplos, deverá ter para o ser humano a possibilidade de realização consciente, pelo conhecimento e domínio de cada passo dado naquela direção.

Nagib Anderáos Neto

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