HOBBES E O ESTADO LEVIATÃ

É possível que muitos dos que me lêem não tenham sequer ouvido falar no personagem objeto deste artigo. Thomas Hobbes, tanto quanto Maquiavel, anatematizado pelo pensamento ocidental liberal, foi um filósofo inglês do século XVII cuja obra, uma apologia do Estado forte, até hoje inspira as vocações totalitárias.

Hobbes é o pensador do Estado autoritário, da repressão, do absolutismo e de todas as formas de ditadura. O seu texto mais conhecido, O Leviatã, expressa a preocupação com o ordenamento jurídico e institucional do Estado, no momento histórico que antecedeu a grande revolução burguesa que mais tarde consolidou o sistema capitalista.

Foi o primeiro entre os ocidentais a contrariar Aristóteles, afirmando que o homem não é um ser social. Essa visão trágica que está, também, em Nietzsche, parte do pressuposto que a natureza humana é imutável no seu egoísmo, na sua ambição, competitividade e imoralidade. Como, segundo ele, não existe respeito espontâneo ao direito dos outros nem tampouco justiça, tal situação leva a um estado permanente de guerra entre os homens a menos que exista urna força aglutinadora, um poder comum que mediante a repressão e o medo imponha respeito mútuo, garantindo a paz e a segurança de todos.

Esse poder, emanado de um pacto entre os cidadãos constitui a essência do Estado. Na filosofia de Hobbes há dois preceitos que precisam ser analisados se se quiser entender o pensamento do autor. São o direito e a lei naturais.

O direito de natureza (jus naturale) confere ao homem a liberdade de usar os seus sentidos e a sua força da maneira que lhe aprouver para preservar a sua vida. Ou seja, todo homem tem a liberdade e o direito a tudo sobre a face da terra, sem qualquer restrição de ordem moral, desde que seja para a sua sobrevivência.

Existe outro preceito de ordem racional, a lei de natureza (lex naturalis) que seria um freio ao direito de natureza, ou seja, para coibir as ações atentatórias à vida dos demais cidadãos ou que os prive dos meios indispensáveis sua sobrevivência. Acontece que a lei de natureza, segundo Hobbes, nunca é respeitada pelos homens. Como na sua acepção os homens jamais se transformam interiormente, não fazendo nenhuma diferença entre o civilizado e o selvagem, Hobbes acreditava que somente a supressão do direito de natureza seria capaz de garantir a paz. Evitaria assim a barbárie, onde nem os mais fortes teriam segurança, e o estado permanente de guerra entre os homens.

Hobbes preconiza que os homens, em beneficio da paz e da auto-preservação, concordem em renunciar o seu direito a todas as coisas desde que os seus pares procedam de igual forma. Para tanto, seria preciso instituir um poder forte e absoluto capaz de induzir os homens pelo medo do castigo e da repressão a honrar os seus pactos e respeitar as leis da natureza.

O poder seria então concedido e nunca usurpado pelo soberano. “A única maneira de instituir um tal poder (....) é conferir toda força a um homem ou uma assembléia de homens, que possa reduzir suas diversas vontades, por pluralidade de votos, a uma só vontade” (O Leviatã).

No Estado hobbesiano, o soberano recebe poderes plenipotenciários irreversíveis. Os súditos não têm o direito de renunciar ao pacto que confere esses poderes ao soberano. Obrigam-se a assumir todos os atos do monarca, por absurdos que sejam, mesmo aqueles que contrariam os seus próprios interesses.

A propriedade privada é válida apenas em relação aos outros súditos, sem excluir o direito do Estado intervir quando julgar conveniente.

O soberano tem o poder de vida e morte restando aos súditos, dentro de condições reguladas por lei, as liberdades de compra e venda, escolha de moradia, modo de alimentar-se e instrução para os filhos.

Estão aí os traços do Estado imaginado por Hobbes ouo Estado Leviatã como ficou conhecido por causa do título do livro que imortalizou essas idéias. Leviatã é um monstro da mitologia fenícia, aparentando um crocodilo, que reina pelo terror.

A humanidade nunca aceitou em momento algum, pelo menos formalmente, o Estado hobbesiano. Entretanto não faltam exemplos, no século XX, de sistemas políticos que mesmo não assumindo integralmente os preceitos de Hobbes, guardaram similaridades em muitos aspectos repressivos e atentatórios às liberdades individuais.

O nazismo ainda esta na memória de todos, tanto quanto o extinto Estado burocrático soviético uma realidade amarga no que respeita aos direitos individuais do homem.