pintura/JUAN MIRÓ
Se o mito é sempre irracional,  para o historiador italiano Argan* a pintura do espanhol Juan Miró (20/04/1893 - 25/12/1983),  é aberta a uma  ausência de censuras. Para este autor a profundidade da revelação do inconsciente se desvela, aflora totalmente à superfície em sua imagética. Assim a sua  motivação criativa  não corresponde a uma causa lógica que produza um efeito mas,  opera-se sob  o impulso que advém e perdura no tempo do gesto criador do artista à sua  materialidade.  Miró emerge,  aflora, vem de dentro, a sua mitologia iconográfica está  aquém da consciência e não além desta.   Inicialmente de postura fauvista, (início séc.XX),  o artista  se insere como um dos maiores expoentes do movimento Surrealista da primeira metade do século passado. Dizer do  Surrealismo é dizer da Arte como forma de conhecimento, de apreensão estética, ética da verdade sensível, artística,   advinda de uma  linguagem do inconsciente  e  se historicamente, filosoficamente, a Arte reflete como  espelho a evolução da consciência,  do pensamento humano através das culturas, das civilizações, pelo Movimento Surrealista na Arte - na década de 1920 – este se conduz a   revelar, a  libertar a expressão artística da repressão da razão e a devolver-lhe retorno aos instintos naturais , para uma liberdade mítico-mágica em relação aos seres, às coisas, ao mundo, enfatiza Argan, pois que  o signo que conduz a origem do mito  em Miró demonstra o rastro do gesto,  não havendo distinção entre vida psíquica e biológica na condição natural do ser, senão claridade absoluta contra toda obscuridade. Os mitos falsos consoante a razão é que são perigosos, os mitos naturais são lúdicos, cândidos, como a arte de Miro. Mas, o espaço dos entrelaçamentos, diz Focillon * *" não é imóvel nem plano, mas movente, pois nele acontecem todas as metamorfoses, numa continuidade complexa de curvas, espirais, hastes que se entrelaçam, como um rio que flui e se perde em subterrâneas regiões e despois aflora..." , porém, os mitos de  Juan Miró são naturais, os mitos do inconsciente ferozes e ameaçadores aprisionados pelas grades da razão tornam-se mansos e inofensivos quando encontram a liberdade e o seu espaço natural  em sua pintura.. Entretando, esclarece Argan, extamente por serem naturais os mitos de Miró não são acessíveis aos que formatam e criam mitos sobre a razão. Se a mitologia de Picasso é alarmante diz este autor, espelhando a instabilidade moral de uma época, sendo contraditória e auto-destrutiva, pois Picasso é   intelectual, em Miró a imagem não é somente uma projeção, mas, um hausto, um prolongamento  que emerge da indistinção conectiva psíquica, biológica, do ser profundo do artista.



Ref.
(*) Argan, Julio Carlo, Arte Moderna, Cia das Letras
(**) Focillon, Henri. Vida das Formas. Zahar Editores