Fragrância Feminina na Poesia - Gabriela Mistral

"Fragrância Feminina na Poesia" é uma série de pequenos artigos que visa mostrar um pouco da escrita poética feminina no cenário nacional e mundial.

Pretendemos, tão somente, falar da emoção de nossas descobertas literárias ao nos depararmos com a vasta produção feminina na construção de uma identidade poética.

É antes de tudo, uma gota de perfume que permitirá ao leitor curioso, buscar outras essências, a partir da publicação destes textos.

Fragrância Feminina na Poesia - Gabriela Mistral

Gabriela Mistral nasceu numa pequena cidade do norte do Chile, Vicuña no dia 7 de abril de 1889. Seu nome verdadeiro era Lucila Godoy Alcayaga. Adotou o nome de Gabriela em homenagem ao poeta italiano Gabriele D’Annunzio e Mistral como forma de expressar sua admiração pelo poeta provençal Frederic Mistral.

Em 1907, seu noivo suicidou-se, fato que marca toda a sua vida e obra. Gabriela nuna se casou. Findou por dedicar sua vida ao trabalho.

Em 1914, venceu seu primeiro concurso literário no Chile com Sonetos de la Muerte.

Em 1922 publica seu primeiro livro de poesias, Desolación. Este livro contém o poema “Dolor”, no qual fala da perda do amado.

Denota-se em suas poesias imagens singulares que expressam uma intensidade e consciências inconfundíveis.Convivem em seus escritos sentimentos antagônicos que bem se equilibram: a ardência e a quietude, o amor e a solidão, a vida e a morte.

Foi a primeira escritora latino-americana a receber o Prêmio Nobel de Literatura, em 1945.

Morreu em 1957 em Nova York.

Publicações:

- Em 1922, Desolación

- Em 1924, Ternura

- Em 1938, Tala

- Em 1954, Lagar

Um pouco da poesia de Gabriela Mistral:

Eu não Sinto a Solidão

É a noite desamparo

das montanhas ao oceano.

Porém eu, a que te ama,

eu não sinto a solidão.

É todo o céu desamparo,

mergulha a lua nas ondas.

Porém eu, a que te embala,

eu não sinto a solidão.

É o mundo desamparo,

triste a carne em abandono

Porém eu, a que te embala,

eu não sinto a solidão.

Ceras Eternas

Ah! nunca mais conhecerá tua boca

a vergonha do beijo que espumava

concupiscência como espessa lava!

Voltam a ser duas pétalas nascentes

impregnadas de novo mel, os lábios

que sonhei inocentes.

Ah! nunca mais conhecerão teus braços

o mundo horrível que em meus dias pôs

escuro horror: o nó de um outro abraço.

Pelo sossego puro

sob a terra ficaram estendidos

já, Deus meu! Seguros.

Agora cegas, nunca mais tuas pupilas

terão um rosto impudente e rubro

de lascívia, nos seus espelhos refletidos!

Benditas ceras fortes,

ceras geladas, ceras eternais

e duras, da morte!

Bendito toque sábio

com que selaram olhos, com que amarraram braços,

com que juntaram lábios!

Benditas ceras!

já não brasa de beijos luxuriosos

que vos quebrem, desgastem ou derretam!

Canção das Meninas Mortas

E essas pobres meninas mortas,

escamoteadas em abril,

as que surgiram e afundaram-se

como nas ondas o delfim?

Onde é que foram e se encontram,

a custo contendo o riso,

ou escondidas esperando

voz de um amante que seguir?

Diluindo-se como desenhos

que deus deixou de colorir,

pouco a pouco afogadas como

em suas fontes um jardim?

À vezes procuram nas águas

ir recompondo seu perfil

e nas carnudas rosas róseas

quase começam a sorrir.

Nos campos elas acomodam

o talhe, o vulto quebradiço.

e quase logram que uma nuvem

lhes dê seu corpo num ardil.

Juntam-se quase as desmembradas,

quase chegam ao sol feliz.

quase desfazem seu trajeto

recordando que eram daqui.

Quase anulam sua traição

e caminham para o redil.

e quase vemos ao crepúsculo

o divino milhão surgir!

O Encontro

Encontrei-o no caminho.

A água não turvou seu sonho,

nem se abriram mais as rosas.

Mas o assombro entrou-me na alma.

E uma pobre mulher tem

o rosto banhado em lágrimas.

Levava um canto ligeiro

sua boca descuidada;

ao olhar-me se tornou

profundo o canto que entoava.

Contemplei a senda, achei-a

estranha, transfigurada.

Tive na alba de diamante

o rosto banhado em lágrimas.

Continuou a andar cantando

e levou os meus olhares.

Então já não foram mais

azuis e esbeltas as salvas.

Que importa! Ficou nos ares

estremecida minha alma.

Ninguém me feriu mas tenho

o rosto banhado em lágrimas.

Essa noite não velou

assim como eu junto à lâmpada;

Longe seu peito de nardo

minha aflição não atinge.

Porém talvez por seu sonho

passe um perfume de acácia,

que uma pobre mulher tem

o rosto banhado em lágrimas.

Ia só e não temia.

Tinha sede e não chorava

Mas desde que o vi passar,

Deus revestiu-me de chagas.

Minha mãe reza por mim

a sua oração confiada.

Mas eu terei para sempre

o rosto banhado em lágrimas.

Ausência

(Tala, 1938)

Se vai de ti meu corpo gota a gota.

Se vai minha cara no óleo surdo;

Se vão minhas mãos em mercúrio solto;

Se vão meus pés em dois tempos de pó.

Se vai minha voz, que te fazia sino

fechada a quanto não somos nós.

Se vão meus gestos, que se enovelam,

em lanças, diante de teus olhos.

E se te vai o olhar que entrega,

quando te olha, o zimbro e o olmo.

Vou-me de ti com teus mesmos alentos:

como umidade de teu corpo evaporo.

Vou-me de ti com vigília e com sono,

e em tua recordação mais fiel já me borro.

e em tua memória volto como esses

que não nasceram nem em planos nem em bosques

Sangue seria e me fosse nas palmas

de teu trabalho e em tua boca de sumo.

Tua entranha fosse e seria queimada

em marchas tuas que nunca mais ouço,

e em tua paixão que retumba na noite,

como demência de mares sós.

Se nos vai tudo, se nos vai tudo!

Tradução - Maria Teresa Almeida Pina

Riqueza

Tenho a fortuna fiel

e a fortuna perdida.

Uma assim como a rosa,

a outra assim como espinho.

Não me prejudicou

o roubo que sofri.

Tenho a fortuna fiel

e a fortuna perdida.

E estou rica de púrpura

e de melancolia.

Como é amada a rosa,

como é amante o espinho!

Tal num duplo contorno

frutas gêmeas unidas,

tenho a fortuna fiel

e a fortuna perdida.

Dois Anjos

Não é um anjo apenas

que me afeiçoa e guia.

Como embalam as duas

orlas ao mar, embalam-me

o anjo que traz o gozo

e o que traz a agonia;

o que tem asas voantes

e o que tem asas fixas.

Eu sei, quando amanhece,

qual vai reger-me o dia,

se o anjo cor de chama,

se o anjo cor de cinza.

E dou-me a eles como

alga às ondas, contrita.

Voaram uma só vez

com asas unidas:

foi o dia do amor,

o da epifania.

Fundiram-se numa asa

as asas inimigas

e apertaram o nó

que junta à morte a vida.

Decálogo do artista

I. Amarás a beleza, que é a sombra de Deus sobre o Universo.

II. Não há arte atea. Embora não ames ao Criador, o afirmarás criando a sua semelhança.

III. Não darás a beleza como isca para os sentidos, se não como o natural alimento da alma.

IV. Não te será pretexto para a luxuria nem para a vaidade, se não exercício divino.

V. Não buscarás nas feiras nem levarás tua obra a elas, porque a Beleza é virgem, e a que está nas feiras não é Ela.

VI. Subirá de teu coração a teu canto e te haverá purificado a ti o primeiro.

VII. Tua beleza se chamará também misericórdia e consolará o coração dos homens.

VIII. Darás tua obra como se dá um filho: tirando sangue de teu coração.

IX. Não te será a beleza ópio adormecido, se não vinho generoso que te estimula para a ação, pois se deixas de ser homem ou mulher, deixarás de

ser artista.

X. De toda a criação sairás com vergonha, porque foi inferior a teu sonho e inferior a esse maravilhoso Deus que é Natureza

Tradução - Maria Teresa Almeida Pina

A casa

A mesa, filho, está posta

em brancura quieta de nata,

e em quatro muros que mostram sua cor azul

dando brilhos, a cerâmica.

Este é o sal, este o azeite

e ao centro o Pão que quase fala.

Ouro mais lindo que ouro do Pão

não está nem em fruta nem em retama,

e do seu cheiro de espiga e forno

uma fortuna que nunca sacia.

O partimos, filhinho, juntos,

com dedos duros e palma branda,

e tu o olhas assombrada

de terra preta que dá flor branca.

Abaixada a mão de comer,

que tua mãe também a abaixa.

Os trigos, filho, são do ar,

e são do sol e da enxada;

porém este Pão "cara de Deus"*

não chega as mesas das casas;

e se outras crianças não o tem,

melhor, meu filho, não o tocares,

e não tomá-lo melhor seria

com mão e mão envergonhadas

*No Chile, o povo chama ao pão de "cara de Deus"

Apegado a mim

Floco de lã de minha carne,

que em minha entranha eu teci,

floco de lã friorento,

dorme apegado a mim!

A perdiz dorme no trevo

escutando-o latir:

não te perturbem meus alentos,

dorme apegado a mim!

Ervazinha assustada

assombrada de viver,

não te soltes de meu peito:

dorme apegado a mim!

Eu que tudo o hei perdido

agora tremo de dormir.

Não escorregues de meu braço:

dorme apegado a mim!

Tradução - Maria Teresa Almeida Pina

Fonte Pesquisada:

- Sites:

http://www.geocities.com/Paris/Arc/9906/gabrielag.htm

http://www.geocities.com/gabymistral/

http://www.porumpoemadeamor.cjb.net/

http://utopia.com.br/poesialatina/

© Fernanda Guimarães

Visite "De Amores e Saudades - Fernanda Guimarães":

www.fernandaguimaraes.com.br

Fernanda Guimarães
Enviado por Fernanda Guimarães em 16/02/2005
Reeditado em 25/08/2008
Código do texto: T4515