TODOS À ESPERA - ATRAVÉS DO FILME "À ESPERA DE UM MILAGRE"

Desde que comecei a me interessar por cinema, tive vontade de elaborar comentários sobre alguns filmes que já vi e que me despertaram reflexões. Outro dia, revendo (já não sei mais dizer quantas vezes!) o filme Á Espera de Um Milagre, do diretor Frank Darabont, comecei a refletir e analisar o roteiro ligando-o a nossa própria vida. O roteiro do filme, baseado na história do mestre do terror e suspense Stephen King, é bem interessante: em plena Grande Depressão americana, um policial (vivido pelo excelente Tom Hanks) responsável pela “milha verde”, o corredor que leva os presos condenados à cadeira elétrica ao seu destino final, recebe em seu bloco John Coffey, um homem forte, grandalhão,negro (o que isto representava em sua época era bem mais assustador que hoje), ar de criança assustada e aparência indefesa, não fosse o crime que o conduzia até ali: o estupro e assassinato brutal de duas irmãs pequenas de uma aldeia americana. Ao longo da trama, o personagem de Hanks descobre que Coffey é especial e que na verdade não é o grande responsável pela morte das crianças. De forma sobrenatural, Coffey cura Paul (Hanks) de uma infecção urinária, assim como extrai o câncer maligno da esposa do diretor do presídio. E mais: oferece a Paul a chance de ver com os próprios olhos, tudo o que aconteceu no dia do assassinato e quem era o verdadeiro autor dos crimes. Daí por diante, o personagem de Hanks encontra-se numa sinuca: deve impedir a execução de Coffey, um verdadeiro milagre de Deus, inocente e honesto, mesmo sem provas de sua inocência? Ou deve abster-se e deixar que a execução seja cumprida, afinal, os tempos eram difíceis, emprego não estava fácil de se conseguir. Um jogo sem saída.

O desenrolar da história, mesmo sem percebemos, nos conduz a situações cotidianas relacionadas aos nossos valores, às nossas crenças e ao que vivemos em meio à loucura do dia a dia. Assim, como Paul, por vezes nos falta um alicerce, uma sustentação que nos dê coragem para prosseguir. Por falta dessa coragem, de enfrentar a reprovação gratuita dos outros, deixamos para trás o que realmente importa, o que nossa consciência grita, lá no fundo, mesmo quando não estamos dispostos a ouvi-la. E perdemos. Perdemos o momento, perdemos a ação, perdemos seu efeito.

No filme de Tom Hanks, à medida que o tempo avança e que os problemas surgem (como o agravamento do câncer da esposa de Hal, o diretor do presídio), Paul olha para sua vida e começa a repensá-la, como na cena em que ele contempla sua esposa saudável, dormindo. Naquele momento, nos identificamos com seu personagem, que analisa o que realmente vale arriscar nesta vida. A partir disso, Paul está disposto até mesmo a arriscar seu emprego para fazer o que seu coração manda. Sua ação corajosa é talvez o ato que nos falta quando passamos a questionar nossos verdadeiros valores.

Assim como muitos de nós, Paul tem medo do “julgamento final”, do “acerto de contas com Deus”. “O que direi quando estiver cara a cara com Ele e me perguntar por que matei seu milagre?”, questiona Paul. E questionamos junto. O que Deus espera de nós? Afinal, o que é Deus, onde Ele mora, quando estamos mais perto Dele?

E os sinais do mundo real ainda se misturam com a história da telona: a arrogância do ser humano medíocre, representado na figura de Percy, um guarda mesquinho e que só se mantém no emprego porque é sobrinho do governador; a face do mal, da loucura, do caminho indefinido e imprevisível que a mente humana pode trilhar é representada no personagem de Wild Bill, o nojento serial killer, o último preso a chegar na prisão; a bondade humana, mesmo nas últimas horas de quem se arrependeu verdadeiramente, como na cena em que Paul e seus companheiros tentam convencer o condenado Delacroix que seu ratinho de estimação ficará bem, mesmo depois de sua execução.O filme continua, o nó na garganta após cada cena também e a vozinha da reflexão, antes abafada, começa a ganhar força.

A cena da execução de Coffey, sem dúvida a mais angustiante de todas já representadas pelo cinema, revela todas as incertezas de Paul: o peso da responsabilidade de saber que executou um inocente e que este inocente possuía algo de divino, de angelical que ele não conseguia explicar; sua índole de guarda responsável, pai de família realizado, como ficaria sua vida a partir de agora, já que se recusou a defender o que era certo, o que havia de errado naquela situação toda. E Paul segue, segue com a execução, segue com a tal vozinha, agora gritando em sua cabeça.

Já no fim da vida, agora ele é obrigado a presenciar a partida daqueles que ele mais ama: sua esposa, seus amigos, seus companheiros de velhice. Talvez como castigo, Paul é “contaminado” com o dom da vida, a mesma vida que ele tirou há algum tempo atrás e que teima em não findar. Quanto mais velho, mais a rotina torna-se dolorida e angustiante. E quanto mais o filme avança, mais nós, simples espectadores, porém, grandes observadores, paramos pelo menos num momento de nossa vida e nos perguntamos: vivo estas situações no dia a dia? Ou é apenas uma história, não serve pra muita coisa? Queremos carregar o peso de não ter coragem para o resto de nossa vida? Não, certamente não queremos. Ficamos, quem sabe, como o personagem de Hanks, esperando um milagre, uma luz que possa nos salvar, nos guiar. Todos esperamos algo que nos possa tirar de alguma situação delicada, penosa. Porém, este milagre, talvez ainda não saibamos: está guardado dentro de nós.

Lívia Paiva Ribeiro
Enviado por Lívia Paiva Ribeiro em 06/09/2005
Código do texto: T48220