Intervenções: Movimento em crises

O que quero lhes falar nesta minha intervenção não passa de uma porção de sensações e impressões observadas e vividas em minha vida acadêmica no meio dos movimentos sociais, movimentos de juventudes, movimentos culturais e atividades de manutenção ou superação desta sociedade que nega a vida a seus “societários”.

Como estou num processo de formação acadêmica para pesquisa e para o magistério, quero falar aqui primeiro de educação e uma rápida passagem pelos movimentos sociais de intervenção pela vida. Não pretendo falar da educação que ora está posta. Segundo os parâmetros curriculares do MEC, mas de uma reflexão sobre o simples ato de dinamizar pensamentos em sala de aula.

E quero falar especialmente do saber que está ao meu alcance: a literatura como arte. Conhecer a literatura como ação vital, como força catalisadora para a uma reflexão histórica.

Vamos falar de sala de aula. Que tipo de conhecimento, de reflexão é moda hoje em sala de aula? Quero falar de estética, a estética da sala de aula. Falo de um fluxo de pensamento morto, que hoje é externado para além da sala de aula em detrimento dos alunos, despreocupado com as milhões de idéias que cercam acompanham, muitas vezes solitários, o professor.

Falar de Platão, de Sócrates, de José de Alencar, de Iracema e de Natália Nara, como a nossa mais nova iracema, tem que ser um momento em que as respirações, as transpirações, as indagações têm que ser sentidas por parte dos professores e alunos. E este momento de sentir as vidas em sala de aula é muitas vezes desperdiçadas, para dar lugar ao mestre, ao professor que conseguiu sentir um barato na aquisição do conhecimento e então joga toda uma teoria ou às vezes biografia de um autor como se fosse vomitar conhecimentos a dezenas de receptáculos, cabeças vázias, sem direito a intervenções ou reflexões de embate. Neste momento, a aula se torna apenas uma leitura, um conhecimento morto e decorado.

Sabemos da limitação que é a lei que regula a educação básica (LDB), lei criada no bojo de salas ministériais sem serem discutidas com os reais movimentos pela educação, nascidos nas massas em acumuladas discussões em prol da educação. Um projeto de controle social. Mas deixemos isso de lado e retornemos à sala de aula.

Hoje temos alguns professores que conduzem uma aula como sendo intermediários do pensar entre aluno e conhecimento, transformando o pensar em impossibilidade. No meio das estória ou história, existe discursos de controle ou libertação de uma moral ou de uma convenção. Por exemplo: Iracema, de José de Alencar é um romance com mais de 140 anos, em que a índia dos lábios de mel, que guardava o segredo da jurema de uma tribo, entraga-se a Martins Soares, o colonizador, mostrando o lado bom e cristão de um povo, os índios. que não sabia que o ocidente existia. Mas podemos ler Iracema hoje como sendo as nossas mulheres que vagam pela sua praia, Praia de Iracema, entregando-se aos estrangeiros, aos Martins Soares, em busca de compensação de seu sexo em forma de dinheiro.

Neste simples ato de refletir discursos, mostramos lados antagônicos de uma tradição. É assim que encaro tradição, apenas um lugar vago no meio de um passado imutável. Um passado que foi vivido e hoje é apenas memória.

Ate aqui criei um estereótipo de mestre, e como dizia Roland barthes: “os esteriótipos são uns monstros”.

Temos que começar a germinar em sala a semente para o florescer da juventude. Juventude que ora se encontra num marasmo cansativo e angustiante. Não falo em dirigir jovens, mas refletirmos com ele, da arte à matemática. Dinamizar esta reflexão com os alunos, mostrando a vitalidade que é a arte, e não a transferência de valor para o objeto da arte.

Com o caos social, temos que ver a arte como forma de libertação dentro de uma situação caótica, ao mesmo tempo em que esta mesma arte constrói e desconstrói uma realidade ilusória, em que o homem perdeu sua essência ao transferir para coisas fúteis, como trabalho, família e mercadoria um valor vital, inerente à sobrevivência. Assim, cito Oswald de Andrade com seu manifesto antrópofogo, cuja crítica é feita sobre ilusões de nossas heranças ocidentais. Oswald nos fala do bárbaro tecnizado, cujo homem deixaria de se preocupar com sua sobrevivência e viveria um ócio produtivo, permitindo que a tecnologia o sustente. Parece utópico, mas utopia é a capacidade de sonhar. E quem não sonha, são as máquinas.

No bojo da tradição de mudança radical da ordem, temos movimentos que negam a vida enquanto atividade atrelada a coisas que limita o homem. Cito um trecho relatando o movimento situacionista da década de 60, mais especificamente em maio de 68, com a grande revolução cultural. Movimento radical que lutava e luta pelo direito à vida em detrimento do trabalho morto, da negação da vida que impõe o capitalismo:

A “sociedade - espetáculo” é o mundo das pseudo-necessidades, o mundo da economia do consumo, o mundo do espaço-tempo da “monotonia imóvel”, o mundo em que o viver tornou-se uma representação caricata da própria forma-mercadoria, enfim, o mundo em que o valor de troca das mercadorias acabou por dirigir o seu uso; a mercadoria como o centro absoluto da vida social. O movimento do ser para o ter, degradando-se ainda mais, no movimento do “parecer” ter. Ou seja, o espetáculo é a afirmação ulterior de um outro momento da reificação social, a confirmação da “baixa tendencial do valor de uso”, em que a “fabricação ininterrupta de pseudo-necessidades” impõe a lógica da contemplação passiva sobre a sociedade. É preciso que se ressalve que os situacionistas não negam o consumo em si, mas a escolha condicionada das pseudo necessidades.

Debord hoje é negado no meio acadêmico como um louco. Mas em todo o mundo, muitas pessoas reconhecem sua coerência.

Mas a arte é um experiência de potência, potência do ser humano. Falo da arte enquanto ação transformadora, não àquelas escondidas nos grandes salões de arte, longe da população que não pode pagar, não falo da arte enquanto mercadoria.

Quero mencionar o episódio que aconteceu nos últimos dias em Franca, interior de São Paulo. Vamos a reportagem:

Franca

02/08/2005 - (22h07)

Estudantes defecam diante de reitor da Unesp

Agência Estado/

Uma manifestação inusitada surpreendeu e irritou o reitor da Universidade Estadual Paulista (Unesp), Marcos Macari, no final da manhã desta terça (02), no campus de Franca. Três estudantes, do curso de História, interromperam uma reunião rotineira, entre estudantes, funcionários e professores, no Salão Nobre da instituição, e protagonizaram uma cena grotesca. Uma garota colocou três garrafas de urina em frente à mesa onde estavam Macari e o diretor da unidade de Franca, Hélio Borghi. Um outro estudante vomitou dentro de um balde em frente do grupo, e um terceiro colocou um jornal no chão, defecou à frente de todos, embrulhou o conteúdo e colocou sobre a mesa. Macari pediu punição dos manifestantes a Borghi, que já criou uma comissão de sindicância para apurar os fatos.

O incidente ocorreu aproximadamente às 11 horas, duas horas após o início da reunião. O protesto irritou a platéia de estudantes. "Nós não queremos essa palhaçada", diziam os manifestantes. O trio alegou à reportagem do Comércio da Franca, único órgão de imprensa presente, que o ato era um "terrorismo poético", a forma que encontram para protestar.

Segundo a Assessoria de Comunicação e Imprensa da Unesp, o reitor não se pronunciará e Borghi já criou uma comissão de sindicância, com professores, alunos e funcionários, para apurar os fatos. Um boletim de ocorrência também seria registrado na Polícia Civil.

Diante da negação total do tipo de organização existente, por achar que ela não consegue suprir as necessidades humanas, pelo simples fato de todo protesto virar negociação e o Estado acaba assimilando as reivindicações dos protestantes, o Terrorismo poético é uma ação da juventude. Uma construção cultural iminente que deve ser refletida e entendida e não ser vítima do inescrúpulo de uma moral, de uma convenção social usada pelo Estado como uma forma de controle social. Não quere dizer-lhes que não haja ética nisso, não a ética ditada pela moral social, mas uma ética humana, “Amar o outro, através do amor que sente por si mesmo”, como forma de ética, segundo Raoul Vaneigem em seu livro “a Arte de viver para novas gerações”.

A arte não deveria dizer algo, mas ser. As instâncias do Estado ignoram a arte. Isto remete a um trecho da biografia de Pablo Neruda, poeta Chileno, em que um capitão das forças militares e seus soldados revistam a casa do poeta em busca de armas ou de guerrilheiros escondidos e Neruda fala:

“-Procure, pois, capitão. Aqui só tem uma coisa perigosa para vocês.

O oficial deu um pulo.

-Que coisa?-perguntou, alarmado, levando uma das mãos, talvez, ao coldre de sua arma.

-A poesia!-disse o Poeta, e imaginamos que o oficial, aliviado, deu de ombros e pensou que era uma piada desses pássaros raros que são os escritores.”

Pablo Neruda

Na criação das vanguardas (movimentos artístico do início do século XX), aquilo que é negado não é mais uma forma particular de arte (um estilo), mas a arte como instituição, e a crítica à separação da arte da vida, a estetização da arte, e sua institucionalização, o que gerou reivindicações radicais anti-artísticas, como a não mais produção de obras e sim manifestações anti-artísticas (como o dadaísmo), opositores de uma legitimidade artística e de uma mercantilização das formas culturais, por se tratar de uma forma de controle da consciência individual (industria cultural).

Tradição e Memória, duas palavras que hoje estão dentro do círculo do pensamento ocidental, pensamento que oprime e castra o ser humano, em favor do trabalho, do capital, do lucro e do patrão.

Cultura e Juventude, algo que se deve ser construído sem relação direta com o passado e sem preceder o futuro, mas sob conjuntura atual. Principalmente a juventude que sempre cutuca as contradições, que sente as impossibilidade sociais, que ou morre ou se adapta às correntes do sistema.

*Estudante do Curso de Letras da Universidade Federal do Ceará - UFC

down
Enviado por down em 08/09/2005
Código do texto: T48871