Olhando o espelho – Refletindo sobre a intolerância

“O Homem mais tenebroso tem seus momentos iluminados: tal assassino toca tão corretamente a flauta; tal feitor, que dilacera a chicotadas o dorso dos escravos, é talvez um bom filho; tal idiota partilharia comigo seu último pedaço de pão. Existem poucos a quem não se possa ensinar convenientemente alguma coisa. Nosso grande erro é tentar encontrar em cada um, em particular, as virtudes que ele não tem, negligenciando o cultivo daquelas que ele possui”.

Marguerite Youcenar, in “Memórias de Adriano”

A leitura nos leva à reflexão. Certos “achados” são como tesouros que enriquecem nossa alma. essa passagem acima, em particular, espelha justamente nossos conceitos, critérios e percepção em relação àqueles que nos rodeiam.

Sartre afirmava “o inferno são os outros”. E não é esta a razão de toda nossa dificuldade de relacionamento? Nossa intolerância se agiganta quando tratamos de perceber os defeitos alheios, nossa língua é afiada e nossas observações ferinas. Esquecemos por um momento que todos somos humanos e passíveis de erros. Cobramos a perfeição alheia e raramente nos olhamos no espelho com a crítica necessária..

Acredito que se exercemos a difícil arte da clemência, da busca do que é bom e agradável nesta ou naquela pessoa que nos incomoda, seja em qualquer âmbito, cresceremos como indivíduos.

Não quero aqui dizer que devamos perder nosso senso crítico. Devemos sim, dosa-lo e sermos mais atentos ao que realmente interessa criticar. A crítica pela crítica, pela mesquinharia, pela inveja ou pela falta do que falar, em nada nos acrescenta. Se aprendermos a criticar construtivamente, estaremos mais próximos do crescimento e da solução dos problemas que os afligem.

Na política, a arte de coexistir, existe pólos divergentes, situações antagônicas e a saudável capacidade de fazer oposição. Não obstante, temos o péssimo hábito de sermos oposicionistas não por divergências ideológicas, mas por mesquinharia pura e simples, pela inveja do poder, por não podermos estar no lugar do mandatário.

Seria mais proveitoso exercer oposição com solução. A oposição como forma de fazer valer nossos direitos de cidadãos, lastreados no factível, no possível.

Até aos nossos “inimigos” devemos dar as mãos, objetivando o bem comum. Estar de lados opostos muitas vezes nos cega. Quando ocupamos as extremidades não olhamos para o que está no meio. Interessa-nos a ponta da corda que seguramos, a bandeira que levantamos.

E o que está no meio destes desencontros ideológicos? Uma pessoa, um povo, uma Nação, a história por fazer.

Houvesse mais tolerância em nossa política e seríamos mais fortes. Houvesse mais tolerância em nossa convivência com o próximo, com as divergências, seríamos mais humanos. Houvesse mais tolerância em tudo o que fazemos e seríamos menos cegos para um novo mundo que se descortina independentemente de nossa vontade.

Houvesse mais filósofos no lugar de soldados talvez ainda hoje existisse um Império Romano.