A Virgem de Itapiranga III

Alguns anos mais tarde, com o objetivo de informar os muitos Itapiranguenses sobre a cidade homônima no Amazonas, voltei para lá. A minha principal curiosidade era a respeito das aparições de Nossa Senhora. Não levei em conta que a maioria das coisas sobre o interior do Amazonas se coleta da Capital. Eu queria sentir, ter o feeling do local e a conversa olho a olho com as pessoas que presenciaram fatos tidos como milagrosos. Quanto a isso não me decepcionei.

A conversa com Padre Dixon

Conversando com diversas pessoas na cidade a respeito das aparições, todas me garantiram que havia um fundo de verdade em tudo o que se diz a respeito das visões. Disseram-me que o confidente da Virgem era um rapaz de nome Edson Glauber Coutinho, que morava em Manaus e tinha emprego na prefeitura de lá. Quando manifestei meu interesse em conversar com o vigário, as pessoas me desaconselharam a faze-lo, dizendo que o padre era contra as manifestações populares. Insisti, pedindo que alguém me indicasse onde poderia encontrar o pároco.

Levaram-me até a casa paroquial. Um homenzarrão, perto de 2 metros de altura e 150 quilos de peso, em torno de 60 anos me recebeu apresentando-se como Omar Dixon. Simpatizei com o sujeito, de imediato. Expliquei com detalhes o objetivo de minha visita, dizendo de onde eu era. Disse-me que teve entre os fiéis de sua igreja membros da família Flach, de Itapiranga –SC, de modo que era do conhecimento dele a existência dessa cidade. Pediu-me se conhecia Egídio Schwade, que se radicou em Presidente Figueiredo, no Amazonas. Disse-lhe que fiz parte do “rebanho” do Pe Albino, irmão dele. Que, por duas vezes, tinha procurado por Egídio em Figueiredo, mas não tivera sorte.

A casa paroquial de Itapiranga é muito modesta, espartana até. Menos confortável que muitas outras casas que vi na cidade. Foi nos fundos desta, em frente um pomar onde havia cajueiros, limoeiros, cupuzeiros, jambeiros, jaqueiras, aceroleiras e muitas outras é que gastamos três horas conversando sobre fé, religiões e sobre a Virgem de Itapiranga. Fiquei muito impressionado com este padre canadense, no Brasil há mais de 40 anos, por sua postura firme, com os pés no chão. Não me pareceu muito dado à demonstrações farisaicas de fé, nem à pirotecnia religiosa.

Ao contrário da interpretação que o povo dá à sua posição, Pe. Dixon não é adversário ao movimento pró Maria. Apenas trata com muitas reservas as manifestações populares. Nisso, afirma, está obedecendo a conduta da própria Igreja. Para corroborar, mostrou-me um texto do bispo Dom Walter Ivan de Azevedo, que recomenda cuidado com as manifestações e orientação às pessoas fragilizadas por problemas e doenças, vítimas fáceis de pessoas, às vezes bem intencionadas, mas propensas a visões e alucinações.

Contudo, ainda dentro da cartilha da Igreja, não nega e nem confirma as aparições da Santa. Argumento com ele de que Igreja prega o espiritual, o sobrenatural, os milagres. A Bíblia está cheia de manifestações divinas. Então por que o cuidado no caso presente? Politicamente, Pe. Dixon responde que pretende esperar o carimbo oficial da Igreja. Não quer que a Igreja endosse um show que promova turismo e não fortaleça a fé.

Deixou claro, mais uma vez, que não quer ser um empecilho para o reconhecimento oficial das aparições por parte da Igreja. Fez uma recomendação no final: “Felizes os que não viram e creram. Cristo continua sendo o centro de nossas vidas.

O Local das aparições

No pequeno hotel em que me hospedei (não há grandes hotéis) orientaram-me procurar a dona Rosa Vilaça Coutinho, uma espécie de zeladora do local, que no entanto tem sua residência próximo à prefeitura e que, entre outras coisas, tem a chave da capelinha que foi construída obedecendo instruções da própria Mãe de Jesus. Ela estava ocupada, por isso seu irmão Jesus do Socorro Coutinho, me acompanhou até o local.

Cabeça da Cobra

As aparições começaram em 1994 num local de fácil acesso. Uma faixa de terra alta que vai em direção ao paraná, no meio de um mato de árvores finas, sinal de derrubada em épocas anteriores. A faxia de terra estreita-se um pouco mais para alargar-se no fim. Esse estreitamento tem o formato do pescoço de uma cobra. Por isso o nome. Jesus do Socorro ia me mostrando o caminho: A capelinha com o Cristo Redentor; a imagem o Arcanjo Gabriel, que a própria Virgem mandou colocar e que foi roubada; a cruz, último marco antes de se chegar ao paraná; os bancos toscos onde o povo se acomoda para rezar ou, eventualmente assistir missa; o banco de alvenaria em frente à capela onde ele viu três crianças, vestidas como anjinhos, passarem de mãos dadas, cantando e desaparecendo em seguida; a fonte abençoada pela Virgem, que agora está submersa em conseqüência da cheia; restos do galpão onde chegou a funcionar uma pequena olaria, antes das aparições.

A Capela da Virgem

A capelinha, construída no meio do mato, atravessada numa estreita faixa de terra, é muito pequena. Mede em torno de 2 x 4 metros. O telhado no estilo chalé, hoje é coberto por telha de cimento amianto pintadas de vermelho. O traçado original foi definido pela própria virgem que determinou que fosse construída uma capela “igual as dos seringueiros”. Inicialmente foi feita com paredes e telhado de palha, mais tarde substituída por madeira e telhas. A porta está sempre trancada, caso não haja visitas. – “As ofertas deixadas pelos peregrinos dentro da capela são roubadas, se a gente não trancar” – explica Jesus.

Depois que ele destravou a porta, eu tirei os sapatos e entrei na minúscula capela. Piso de cimento queimado, sem tapetes, uma mesa, fazendo as vezes de altar, muitas flores artificiais de cores vivas e, é claro, a imagem de Nossa Senhora. Cabem dentro capela, talvez oito pessoas em pé. Não me ajoelhei, mas fiquei em atitude de respeito. Tentei fechar os olhos e sentir alguma vibração diferente. Não, estas coisas não funcionam comigo.

Lá fora perguntei ao Jesus se havia algum registro de batalhas ou de outras mortes naquele local. Ele responde que não. A versão dele, no entanto, é desmentida por seu irmão Daniel, que diz que lá pode ter havido embates, sim entre seringueiros e índios. No local em que foi construída a Capela do Cruzeiro, no momento da terraplenagem, foram encontrados objetos típicos de cemitérios indígenas. Além disso, o próprio terreno, por causa da localização, permite um alcance visual em muitos ângulos, coisa comum em aldeia indígena.

Luiz Lauschner
Enviado por Luiz Lauschner em 08/06/2007
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