Olha lá, já vai o Dotô para a escola!

Após completar 50 primaveras colocou na cabeça que precisava voltar a estudar.

Aos 53 anos terminou com muito custo o ensino médio e decidiu que iria além. Os amigos de boteco, enciumados com sua decisão de largar a bendita cervejinha para se dedicar aos estudos, começaram a desdenhar:

- Olha lá, já vai o Dotô para a escola. Onde já se viu, depois de velho quer voltar a ser garoto e estudar – exclamavam os colegas indignados com sua decisão.

Ele, porém, não dava bolas e prosseguia. Após concluir o ensino médio passou a freqüentar o cursinho gratuito que era ministrado por alguns voluntários da comunidade em que morava.

Não parava por ai, se antes a leitura do Jornal era dedicada somente à página de esportes, agora lia todos os cadernos: economia, cultura, atualidades...

Vez ou outra aparecia no boteco para matar a saudade dos colegas e colocar a prosa em dia, contudo, os assuntos ali discutidos não mais faziam parte de sua realidade.

Não se interessava mais tanto por futebol, as curiosidades aventadas sobre a vida das celebridades também não lhe causavam mais simpatia. Naquele ambiente sentia-se um peixe fora d’agua, com isso as visitas foram escasseando, escasseando, até se extinguirem.

Os amigos, indignados com sua ausência, o chamavam de orgulhoso, pretensioso, diziam que ele havia esquecido os colegas, abandonado as origens.

Mas o que ele podia fazer? Não tinha mais afinidade com eles, seu mundo agora era outro. Porém, fazia questão de dizer que se precisassem dele, para qualquer eventualidade, poderiam contar com seu concurso.

E prosseguiu rumo ao aprendizado.

Prestou vestibular para Física – exatas sempre foi seu forte – foi aprovado.

Formou-se em Física, fez mestrado em Engenharia do Petróleo e doutorou-se em Química.

Após 15 anos de ter largado o boteco, os colegas e aquela vida sem grandes proveitos existenciais, é professor conceituado em sua cidade, faz pesquisas, escreve artigos científicos e ainda arruma tempo para colaborar como voluntário na entidade assistencial onde ministra cursinhos para alunos de baixa renda.

Os amigos? Ah sim, os amigos ainda continuam com aquela mesma vida, tomando suas doses costumeiras de caninha no boteco da esquina, esperando ele passar para caçoar:

- Olha lá, já vai o Dotô para a escola.

Fala-se muito em não romper com suas origens, não abandonar os amigos, contudo, há um ponto a considerar:

A natureza humana se liga às afinidades. Procuramos aqueles que compartilham de pontos de vista semelhante, que vibram na mesma sintonia que nós.

Aquele que gosta de esportes certamente terá amigos na roda de esportes.

Quem se compraz com o vício procurará amigos com essa mesma tendência.

Aquele que aprecia o trabalho voluntário se ligará à pessoas que também apreciam o voluntariado.

É a Lei da afinidade que trabalha em perfeita sintonia.

Talvez você, amigo leitor, também já tenha deixado de lado algumas companhias pelo motivo da mudança de suas disposições íntimas.

Talvez alguns amigos não compreendam sua mudança e o taxem de pretensioso, contudo, cedo ou tarde compreenderão que as mudanças são imperativos da evolução, e também seguirão os destinos do progresso.

Quando ultrapassamos determinada etapa de nossa existência, novas almas nos esperam para comungar conosco as belezas da fase que iniciamos.

Se alguns amigos nos acompanham no compasso evolutivo, fatalmente os teremos perto de nós, se não nos acompanham, inevitavelmente procuraremos criaturas que mais se afinizem com nossa nova maneira de enxergar a vida.

O Espiritismo aborda essa questão de forma ímpar. Em “O Livro dos Espíritos”, “Relação de Simpatia e Antipatia entre os Espíritos”, na questão de nº 303 a - , Kardec vai direto ao assunto e questiona os Espíritos amigos:

P - 303 a - Dois Espíritos simpáticos podem deixar de sê-lo?

R - Certamente, se um deles for preguiçoso.

O assunto é interessante, por isso convidamos o leitor a mergulhar nas páginas de “O Livro dos Espíritos” para melhor compreensão do tema.

Todos os Espíritos, sem exceção, atingirão a admirável condição de estar em harmonia com o universo, integrando-se ao amor que unem as criaturas, porém, conquistar essa condição demanda algum tempo de trabalho íntimo.

Enquanto não ocorre essa promoção espiritual, que saliente-se, é promovida por nós mesmos, vamos nos ligando por opção própria aos Espíritos que mais afinidades conosco possuem. Mas o destino de todos os Espíritos é a conquista do amor sem limites, pois como nos informam os Sábios da Espiritualidade: da concórdia resulta a felicidade completa.

Wellington Balbo
Enviado por Wellington Balbo em 17/06/2007
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