Retrospectiva 2015

Para fazê-la completamente teria sido preciso registrar cada segundo vivido até aqui, mas obviamente não tive tempo e disciplina suficiente para decidir andar com o celular tirando fotos de todos eles e usar o gravador do dispositivo para guardar os ditos que, meus ou de muitos outros, momento a momento escreveram o Capítulo 2015 da “história cristã” nesse lado do mundo.

Como certamente não vou fazer em 2016. Porque nenhuma máquina de memória será eficiente para guardar tanto – embora tantos considerem pouco. Mesmo “nossa” mente não rememora tudo. Talvez num nível inconsciente, no amontoado do “Porão das Almas”, como creem esperançosos; nas memórias armazenadas à prestação de nossas contas no “Juízo Final”, quando se avaliarão pontos, vírgulas, reticências, exclamações e – mais atentamente – interrogações que acrescentamos ao texto do “Livro da Vida” a mudar seu “Sentido” original (e, por tabela, o nosso), muitas vezes na pretensão de torná-lo de difícil entendimento para outros – como dizem ter feito Jesus Cristo a quem ele não queira ver salvo – tornando tudo cada vez menos compreensível, também, para nós mesmos.

Mas deixo de devaneios reminiscentes e vou ao foco. Não ao foco do mosquito que promove a Dengue e o vírus “Zika”, entre outros invisíveis servos da Morte, que passaram de uma questão natural para uma questão cultural (embora saibamos que a presença das doenças no mundo nem sempre teve origem exclusivamente natural). Sei que sou responsável essencial pelos cuidados a evitar o nascimento do mosquito, como de outros males que podem me afligir, ou a outras pessoas, mas não posso relatar as atuações nos campos das batalhas que uns travam diretamente contra esse “pequeno mal”, muitas vezes sem colaboração daqueles que não ligam pra ele, para si mesmos nem para sua comunidade.

Da mesma forma, não posso relatar cotidiano dos que lutam à promoção de melhorias das informações ao desenvolvimento de nossa “Educação” ou à “Saúde” geral da nação – seja lá o que os termos signifiquem ou tenham vindo a significar.

Não sou policial. Não posso relatar quantos roubos, assaltos, sequestros ou homicídios ocorreram no ano passado; quantos e quais policiais são bandidos disfarçados ou qual a condição funcional de minha “máquina de matar” – já que, como agente da Segurança, teria respaldo jurídico para tirar vidas que, como demonstram, nunca deveriam ter nascido, entre outros instrumentos legais e equipamentos que, a despeito dos esforços de nosso atual governador ao melhoramento das condições de trabalho dos agentes policiais paraibanos, ainda me faltariam ao eficiente imediato cumprimento das leis.

Como o jurista que não sou não sei nada sobre detalhes dos trâmites dos infinitos processos que circulam entre os corredores da burocracia do Judiciário, quer para pôr alguém num inferno ou restituir-lhe o direito à liberdade conquistas e expressão – hoje um tanto mais eficientemente vigiada do céu; e mesmo que Deus não exista.

Dessa forma, nada sei sobre embargos e as atuações de desembargadores, pois, não sendo um deles, não tenho permissão para julgar, condenar ou perdoar quem quer que seja – embora talvez, estando de acordo com o “plano divino” cristão, com a permissão do apóstolo Paulo eu não só possa como deva julgar os outros. Mas não sem antes, amando completamente, primeiro fazer o que devo: julgar rigorosamente a mim mesmo antes de julgar os outros, pois numa imitação tosca do Cristo me percebo refém de minha ignorância remanescente e de certa submissão ao que me aponta dever sentir, pensar e fazer à Sabedoria, me percebendo ao mesmo tempo inevitavelmente vítima e algoz de mim mesmo.

Além disso, posso ser considerado “criminoso” por não cumprir certas leis estabelecidas pelo Direito que, não atuando direito, quando bem avaliadas eu descubro terem sido inequivocamente alicerçadas em injustiças, sem que, de fato, deva a Justiça legislá-las ou endossá-las.

Dessa forma, deixo por conta dos que lidam com essas outras dimensões das lutas contra a desumanidade os relatórios sobre suas atuações nos combates contra os males que causa; sobre suas conquistas e, mais, suas frustrações, concentrando-me à tarefa de procurar contar somente o ocorrido nos momentos e ambientes nos quais estive voluntária e involuntariamente metido e, segundo minhas limitações de poder-fazer, dizer como foram minhas relações familiares, amigas e profissionais em 2015.

Mas não o farei aqui.

Como disse no princípio, é impossível rememorar tudo o que me ocorreu no ano que termina e, segundo minha “interpretação dos fatos” (como se contra fatos houvesse argumentos), o que se passou com outros sobreviventes. Precisaria ter espaço nesse jornal para a publicação de milhões de bilhões de palavras a pretender o esclarecimento de “tudo”, correndo o risco de executar um trabalho inútil – já que, pelo que tem parecido, estamos em terra de maus entendedores, ao esclarecimento dos quais nenhum bilhão de páginas bastará.

Não. Não publicarei aqui meu relatório sobre o que posso me lembrar dos meus bem feitos e maus feitos em 2015; nem os dos outros.

Porque, entre o que precisamos lembrar a melhorar, muito há que será melhor esquecer à pretensão de construir um ano completamente novo e, talvez, feliz.