A co-dependência

O rapaz já passava dos 20 anos mas vivia como criança. Forte, não trabalhava, a mãe costumava dizer que ele não precisava. Belo, não encontrava namorada, afinal, não lia, não estudava, portanto, não tinha conteúdo, mas a mãe, sempre a defender seu pupilo, costumava dizer que ele era muito novo para namorar. Levantava todos os dias muito tarde, tinha a mãe para levar café na cama. Nenhuma cobrança, nada de disciplina, a mãe costumava dizer que o filho não era militar pra ter disciplina.

Quando alguém lhe convidava para ir ao cinema, ele respondia: “Cinema? Para quê? Minha mãe traz todos os dias os filmes que eu mais gosto para que eu os assista em casa.

E a mãe fazia tudo com muito gosto, não estimulando-o a estudar, aprender e sequer fazer novas amizades. E ele, acomodado, deleitava-se com os cuidados da progenitora, julgando levar a melhor vida do mundo.

Mas nesse caso a ordem natural das coisas se inverteu. Certo dia, amanheceu febril, a mãe, preocupada com seu pupilo, chamou o médico em casa, afinal, o garoto não poderia sair naquele estado.

O rapaz faleceu, vítima de moléstia desconhecida, talvez mimo e acomodação em excesso.

A mãe enlouqueceu. Naturalmente que a dor pela partida de um filho é imensa, enorme provação que corrói o coração das mães que transitam por essa situação, mas aquela mãe enlouqueceu literalmente. Como dedicou a vida tão somente aos cuidados do filho, sequer percebeu que ele já era um adulto e podia fazer muitas coisas por si mesmo.

O caso acima nos traz à tona a triste realidade da co-dependência. São pessoas que se apegam em demasia à vida dos outros e esquecem de viver a sua. E quando falamos em viver nossa vida, não estamos pregando o individualismo, de forma alguma, estamos querendo apenas alertar quanto a alguns excessos que são cometidos e acabam por trazer dor, sofrimento e desolação.

O co-dependente se “apossa” da criatura viciada ou problemática considerando que é responsável pelas atitudes dela.

Não são raros os casos em que pessoas que dedicaram sua vida inteiramente ao cuidado de parentes viciados se desnorteiam quanto estas se recuperam. É que perderam sua bússola existencial que estava calcada em um problema do outro.

Pioneiro no tratamento da co-dependência no Brasil, o psicólogo Vicente Parizi explica que a co-dependência não estabelece vínculos de amor e amizade, seu principal objetivo é o poder e manter a outra pessoa sob controle, como no caso da história da mãe acima. Ela era permissiva ao extremo com o filho por medo de perdê-lo, em total dependência emocional.

Mesmo auxiliando precisamos ter nossos próprios objetivos, mesmos colaborando com os outros não podemos negligenciar os cuidados com nós mesmos.

Precisamos ter um objetivo, anotá-lo e por mais simples que seja empreender esforços por conquistá-lo, para que vivamos também a nossa realidade. Podemos eleger como objetivo trabalhar como voluntário, coibir uma má inclinação, praticar um esporte, escrever, enfim, não importa o que seja, o importante é um objetivo que nos enobreça.

Nossa relação com nossos entes queridos deve ser de respeito, amizade e amor, devemos compartilhar não dominar, devemos auxiliar, não assumir.

O auxílio que deve ser dado é aquele que cria caminhos para que nosso ente querido se encontre e saia do estado de acomodação, perturbação ou vício. Quando insistimos em fazer algo que alguém é capaz de fazer por si mesmo, subordinado esse alguém eternamente a nossos cuidados, em realidade prejudicamos o seu e o nosso desenvolvimento como seres humanos. Se assim agimos é hora de refletir, pois pode ser que estejamos adentrando o triste caminho da co-dependência.

Pensemos nisso.

Wellington Balbo
Enviado por Wellington Balbo em 21/07/2007
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