Iracema, Mãe do Brasil

Iracema, mãe do Brasil

Oscar Araripe

Há exatos 140 anos, José de Alencar publicava Iracema, lenda do Ceará, o mais lido, belo e triste romance da literatura brasileira. Com ou sem lágrimas, não há quem não se comova com a trágica história de amor da linda índia sedutora, seduzida e abandonada por Martim, o conquistador português dos primeiros tempos do Ceará.

Vestal das matas, guardiã dos segredos da jurema, dona dos sonhos fronteiriços, virgem sem grande vocação, em tudo natural e mais até que a natureza, Iracema faz nascer de seu túmulo o Ceará, e mesmo o Brasil, pois com sua morte inaugura nossa brasilidade, ao parir Moacir, nosso primeiro caboclo e genuíno brasileiro.

Já doente do peito, deputado enfadado na corte de Pedro II, às vésperas de ser nomeado Ministro da Justiça, Alencar escreveu Iracema cônscio de estar criando uma “literatura brasileira”, tal sua originalidade estilística, seu conteúdo nacionalista, seu indianismo inaugural.

Com Iracema, Alencar provou sua tese que uma literatura genuinamente brasileira teria que ter forma e conteúdo novo, vencendo assim a opinião do próprio imperador, patrono e defensor do poema épico A Confederação dos Tamoios, de Gonçalves de Magalhães, escrito nos moldes clássicos. Tal vitória, espetacular, lhe valeu a perda de uma cadeira no Senado, mas o afirmou definitivamente nas letras nacionais.Dele disse Machado de Assis, seu amigo e maior admirador: “Nenhum escritor teve em mais alto grau a alma brasileira”.

Desprezada pela esquerda festiva dos anos 60, antes atacada pelos modernistas de Oswaldo de Andrade, foi contudo imitada em Macunaíma e a tudo sobreviveu. Vetusta jovem mais que centenária, arquéptica e esfíngica, lendária e verdadeira, Iracema detém uma atualidade notável. E não só atualidade, pois nela tudo é passado e futuro.Passado que nos dá sentido e história, futuro a modelar para sempre nossa bela feminilidade.

Iracema e Bárbara de Alencar, as duas grandes mulheres do Ceará, curiosamente, ambas de Alencar. “Tudo (nada) passa sobre a terra”.

Oscar Araripe

Pintor e escritor

Oscar Araripe
Enviado por Oscar Araripe em 25/10/2005
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