Quem merece?

No sempre mutante mar da linguagem, não demora e essa gíria do "ninguém merece!" irá embora. E já irá tarde, depois de ter sido usada até a exaustão, dela retirada toda a carga de insatisfação que sentimos com o mundo à nossa volta. E vejam como somos egocêntricos: achamos que há "um mundo em volta", quando o que parece é que corremos dando voltas atrás de diversos mundos sempre fugidios.

Bom, mas o que eu queria dizer é que dia desses, saída de sabe lá que microcosmos, uma nova gíria ou expressão ou bordão ganhará as ruas, os botecos, os pátios das escolas, as telenovelas, a serviço de uma ampla gama de propósitos idiossincráticos. Quer dizer, será pau pra toda obra de crítica, gozação, achincalhe. Não serei eu a criá-la, nem os nobres leitores deste site. Só a massa é capaz de certas coisas em sua combustão espontânea.

Voltando à gíria ainda vigente, "ninguém merece" essa crise, a injustiça social, a violência, a criminalidade, o cinismo, o Chiclete com Banana e Zezé di Camargo e Luciano. Diz o dito que "todo povo tem o governo que merece". Será? Acho isso uma injustiça com o sofrido povo brasileiro. No passado fui chamado de elitista ao afirmar que o problema do Brasil não seria resolvido pelo povo, mas pela elite. Achavam que eu estava desprezando as qualidades do povo, e depositando toda capacidade de realização nas classes privilegiadas. Engano! Nunca desmereci a inteligência, a criatividade e a capacidade de trabalho do povo deste país, assim como o charme, o veneno e a graça da mulher brasileira. O fato (ou a minha crença) é que se tivéssemos uma elite menos espoliadora (mesmo dentro de um modelo capitalista), tudo andaria bem melhor.

Sou um cara à antiga - até porque há muito tempo deixei a adolescência. Acho que em matéria de filhos e país (poderia ser pais e filhos), o bom e o ruim começam no exemplo. Ou pelo menos têm toda a possibilidade de começar. É de se perguntar: por que gastamos tanto com o social e o social continua tão ruim. A resposta é que o país que está embaixo não vê um bom exemplo no país de cima: operários, policiais, merendeiras, professores, monitores de programas sociais, todo esse pessoal não está animado por um maestro competente, de quem emanem orientações claras, sensatas, cheias de energia e livres de qualquer suspeita. Se fosse o contrário, a vontade de transformar esse país contagiaria a todos, e não haveria lugar pra tanta maracutaia e ineficiência.

P.S.: Esse artigo não serve de veículo para nenhuma propaganda subliminar desse ou daquele partido, desse ou daquele candidato. Não vejo entre os que governam, nem entre os que estão querendo governar, as qualidades exigidas de um bom governante. Daí que vamos ter de quebrar cabeça até outubro do ano que vem.

P.S. do P.S.: Quando utilizei a palavra "maestro", me referi ao papel do presidente da República, mesmo dentro do sistema parlamentarista, como emblema e força motivadora. Deve ficar claro, no entanto, que no parlamentarismo ou no presidencialismo, a tarefa de governar e administrar exige um ampla gama de atores bem preparados, atuantes e livres de suspeitas. Em tempo: sou parlamentarista desde criancinha.

Grande Abraço!

Nelson Oliveira
Enviado por Nelson Oliveira em 01/11/2005
Reeditado em 23/11/2005
Código do texto: T65983