Democracia e Utopia

Para ser livre, o ser humano precisa exercer o livre arbítrio, pensar com liberdade, desenvolver sua inteligência, da mesma forma que para ser ético necessita desenvolver moral, os sentimentos de humanidade e fraternidade, senão tudo é mera representação, mistificação.

Quem pensa não se deixa levar, ingenuamente, por qualquer predicador. Talvez seja por isso que as escolas não ensinem a pensar, senão repetir coisas, decorar fórmulas e tabelas, treinando a memória, mas fracassando a inteligência em suas principais funções, como as de entender, julgar e pensar, e vamo-nos aproximando de certos animais, como o papagaio que repete e o mico que imita, embora sejamos de outra natureza – potencialmente falando -, pois animal algum cometeria as crueldades que o ser humano comete.

A democracia seguirá sendo uma utopia até que as mentes humanas despertem deste sono milenar, que as submerge no pesadelo dos preconceitos, do materialismo, das guerras e da ignorância.

Ninguém poderá fazer pelo ser humano o que somente a ele incumbe, nem livrá-lo de seus erros e culpas, nem pensar por ele, pois tal hipoteca equivale à escravidão, e não há maior submissão do que a mental.

Um antigo general disse em tempos remotos que o preço da liberdade seria a eterna vigilância. Possivelmente tenha adaptado as palavras ouvidas ao acaso aos seus insanos sonhos de poder. Uma interpretação diferenciada poderia nos levar a concluir que para ser livre deveremos pensar e estar constantemente a vigiar os pensamentos, que em nossas ou em outras mentes possam estar atentando contra o que de mais sagrado temos: a nossa vida com suas possibilidades de desenvolver-se livremente.

Já se disse que os homens são livres, mas não o sabem, quer dizer, nascem livres e vão perdendo aquela liberdade, que lhes fazia sentir imortais, plenos, verdadeiros super-homens naquele formidável universo infantil. Este seria o tão bem-guardado segredo dos tiranos, dos déspotas, o fato de saber que os homens são, em princípio, livres, mas não o sabem.

A liberdade, como tudo o que recebemos ao chegar neste mundo, é um dom que, se não utilizado, pode desvanecer-se, da mesma forma que a inteligência e a sensibilidade humanas.

É comum ouvir-se dizer que o ser humano usa um quase nada de sua capacidade mental; uma mente preparada poderia realizar verdadeiros prodígios. Por que isso acontece? Por que a mente humana é subutilizada? Quais as causas desta deficiência? O que fazer para tornar a própria mente mais eficiente?

Essa falta de liberdade é como um cárcere mental cujos barrotes são o temor de pensar por própria conta, os preconceitos, a ignorância sobre si mesmo e as Leis que regem o Universo.

Todos querem a liberdade, trazem-na dentro de si como algo que não se realiza. Todos, no fundo, sabem que o ser humano não deve curvar-se perante poderes quaisquer.

Se o homem, como diziam os gregos, é a medida de todas as coisas, por que o ser humano vive tão esquecido de si mesmo? Por que tão ausente? Tão entretido com o que não é essencial por ser passageiro e efêmero?

A verdadeira liberdade é a de pensar. E assim como o ser humano, o espírito respira, pensando com liberdade, o mesmo que criar, ter um domínio sobre os pensamentos, que habitam a própria mente ou perambulam por aí fazendo os estragos que todos sabemos quais são.

Ser livre é usar com liberdade a inteligência, todas as suas faculdades, e não somente a memória e a imaginação, como nos têm pretendido impor aqueles que nos querem manter atados às rédeas da submissão, da imposição.

Os tiranos, os ditadores, os inimigos da liberdade não querem que o ser humano pense, porque tal grito de liberdade, tal oposição às imposições, é a ameaça ao onímodo poder, que as ânsias de domínio desenham em suas mentes doentias.

Pensar, observar, raciocinar, refletir, combinar e julgar são algumas faculdades da inteligência, que não têm sido muito exigidas ou desenvolvidas pelo ser humano que pode, num grito de liberdade, deixar de ser joguete ou escravo de pensamentos alheios, os quais nada têm a ver com a felicidade almejada pelos que sonham com a liberdade, fundamento de uma verdadeira democracia.

Nagib Anderaos Neto

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