TESTEMUNHAS DO FATO NA ÁGORA CONDOMINIAL OU NA ARENA JURÍDICA

As assembleias do povo, nas antigas cidades gregas, realizavam-se em locais específicos decorados com pórticos e estátuas conhecidos por ágoras. Ali, Sócrates, o pai do racionalismo moderno, prestando homenagens aos problemas morais que permearam toda a civilização ocidental ensinava filosofia. Em seus ensinamentos deixava claro ser a calúnia meia verdade que na tradução de Péricles constituía afirmação falsa, desonrosa e desconexa a respeito de alguém ou algo. Consistia em atribuir o falso a alguém, como modernamente tipifica o Código Penal de 1940.

Transladando a norma moral para o rol de regras jurídicas, caluniar seria imputar um fato que é crime, previsto em lei, a alguém, na presença de terceiros ou para terceiros. Chamar alguém de ladrão, caso ele seja honesto, é calúnia, com sanção prevista de detenção de seis meses a dois anos, e multa.

No âmbito dos condomínios, a ágora moderna são as dependências dos salões de festas dos edifícios onde o mais das vezes se realizam as assembleias gerais. Sem Sócrates, sem discípulos, às vezes, as ágoras transformam-se em verdadeiras arenas onde medem forças quais os gladiadores de antanho, síndicos, presidentes de mesa e condôminos. Com reputações atiradas aos leões das fofocas e acusações o dedo indicados da plateia move-se no sentido de conter os ânimos com apreciação pelo judiciário.

A calúnia é um dos crimes mais comuns ocorridos nas assembleias condominiais. Igual a injuria e a difamação, é crime contra a honra, previsto em lei. Se o fato imputado não for crime, mas que ofende a reputação na presença de terceiros ou que chegue ao conhecimento de terceiros, é difamação. Afirmar em público que alguém recebe visitas fora de hora para complementar renda é difamação, já que a prostituição não é crime. A injúria consiste em xingamento dirigido diretamente à pessoa.

Como nos casos anteriores, o agente que a pratica, pode sofrer condenação ou ter que pagar multa. Chamar alguém de louco, ter os parafusos soltos, ou ser ridículo são alguns exemplos de injúria. Em linhas gerais, a injúria abrange três espécies: injúria simples (caput do art. 140); injúria real (§ 2º do art. 140); injúria preconceituosa (§3º do art. 140), cabendo ainda, a depender do caso a inclusão no art. 96 do Estatuto do Idoso.

A ninguém é permitido a prática de crimes por desconhecimento da lei. Pela ignorância da lei muitos condôminos arriscam a reputação, o patrimônio e até a vida em processos cíveis e criminais decorrentes de comportamentos pouco prudentes em assembleia, ou até em conversas nas áreas comuns.

Cuidado! Muito cuidado deve ser tomado com gestos e palavras proferidas em assembleias. Em brigas, reclamações devido a barulho excessivo, desentendimento com funcionários do condomínio, ocupação de vaga de garagem os ânimos se exaltam e é possível que escape algum comentário indesejável catalogado como calúnia, injúria e difamação. “Cabeça quente” estala a razão que vai padecer durante muito tempo com as consequentes ações por crimes contra a honra, isto porque estas vem acompanhas de “danos morais”. Controle o fígado nas assembleias para que o órgão mais sensível do corpo que é o bolso não saia de lá bastante lesionado. É o que se recomenda.

A pessoa de maus bofes em assembleias coloca em risco não apenas a sua liberdade e patrimônio como também danos irreversíveis a terceiros. É o caso de os que presenciaram o fato serem intimados com testemunhas e perante a autoridade policial e ao juiz falsear a verdade movidos pela amizade ou pela desconsideração dada a uma das partes.

A prova testemunhal é um dos meios de prova mais comumente utilizados por quem se sente atacado em assembleias condominiais. Em juízo o magistrado inquire pessoas estranhas ao processo a respeito dos fatos relevantes para o julgamento, dando à prova testemunhal o valor que merecer, da mesma forma que dará aos demais elementos de convicção, observado o livre convencimento motivado. É possível que, ouvidas várias testemunhas, o juiz se baseie no depoimento de nenhuma, ou apenas de uma delas, que lhe pareceram mais verossímeis e em harmonia com os demais elementos de convicção.

A testemunha deve depor sobre os fatos sem externar opiniões ou emitir juízos valorativos. As formas de testemunhar são informal que ocorre quando uma das partes pede para alguém testemunhar e este concorda e formal, quando a pessoa é intimada para prestar declarações e deve obrigatoriamente comparecer.

Muitas pessoas ficam com receio e se recusam, quando são convidadas para serem testemunhas em um processo. Ser testemunha é prestar serviço público gerando sérias consequências para quem não comparecer. As testemunhas convocadas ou notificadas nos termos da lei devem prestar o depoimento, salvo os casos especiais estabelecidos na lei. Ninguém pode se recusar a depor, pois todas as pessoas tem obrigação de ajudar as autoridades competentes à descoberta dos fatos criminosos, combate à criminalidade e defesa da estabilidade social.

Caso haja desobediência à intimação,sendo a audiência adiada por culpa do faltoso, recairão sobre este os custo, podendo o juiz mandar a polícia dirigir-se à residência do intimado para conduzi-lo coercitivamente à audiência (Art. 412, CPC).

Ressalve-se que o compromisso é de dizer a verdade, mas a pessoa tem o direito de permanecer em silêncio quanto aos fatos que possam trazer grave dano a ela, ao cônjuge, aos filhos e outras pessoas ligadas por parentesco em linha reta ou colateral. (Art. 406, I, CPC). O direito permite ainda o silêncio em casos de sigilo profissional ou religioso (Art. 406, I, CPC). Tirando a situação do dano grave contra si e a família ou o sigilo profissional/religioso, a testemunha deve falar a verdade sob pena de responder a um processo criminal pelo crime de Falso Testemunho (Art. 342, CP) e ainda levar uma multa (Art. 14, CPC).

Tirante essas situações, a única coisa a impedir o comparecimento de testemunhas formais é a urbanidade coletiva. Presenciado fato supostamente criminoso na ágora ou arena condominial, este deve ser testificado, porque a lei não exclui ninguém do dever de colaborar com o Poder Judiciário no descobrimento da verdade (art. 339, CPC).

Verdade ensinada por Sócrates a ter validade em qualquer lugar, (assembleia geral ou nos corredores, unidades, delegacias e fóruns); em qualquer tempo (durante assembleias e no curso da convivência comum e das audiências judiciais) e para qualquer indivíduo (síndico, condôminos, idosos, adolescentes,entre outros).

Do livro "Anarcocondomínio: um jogo de soma zero", em preparação