IGREJA TIPO EXPORTAÇÃO

Cada vez mais denominações brasileiras abrem templos no exterior, onde pregação da Palavra caminha lado a lado com a ação social e comunitária

Um produto de exportação brasileiro está fazendo muito sucesso no exterior. É a fé evangélica, que tem chegado aos quatro cantos do mundo por meio de igrejas surgidas no Brasil e que têm levado muito a sério a admoestação de Jesus – a de que o Evangelho deve ser pregado até os confins da Terra. Cada vez mais denominações tupiniquins abrem templos no exterior, seguindo os passos da Igreja Universal do Reino de Deus (Iurd), uma das pioneiras. A Iurd abriu um templo no Paraguai em 1985, e de lá para cá, não parou mais. Hoje, a igreja comandada pelo bispo Edir Macedo marca presença em nada menos que 100 países e, dos cinco continentes, só não chegou ainda à Oceania.

Para expandir seu ministério, a Igreja Universal segue à risca um procedimento padrão para este tipo de empreendimento: primeiro, escolhe a cidade e o país, levando em consideração o contingente de brasileiros que reside na região; em seguida, alguns pastores são deslocados do Brasil para lá, com a missão de alugar um espaço que possa servir para a celebração dos cultos. Além da Iurd, a Igreja Internacional da Graça de Deus e a Igreja Pentecostal Deus é Amor – todas de linha neopentecostal – são as denominações brasileiras com o maior número de fiéis no exterior.

Em sua absoluta maioria, as congregações do gênero realizam cultos em português, seguem a liturgia-padrão das matrizes e trabalham junto às colônias brasileiras. Não por outro motivo, os Estados Unidos, principal pólo de atração de imigrantes, são o país que mais concentram igrejas made in Brazil. Somente na região de Boston, no Estado americano de Massachusetts, onde se concentra um grande número de brasileiros, há mais de 15 igrejas evangélicas de origem nacional. Uma delas é a Brazilian Assembly of God, que fica na cidade de Hyannis e é presidida pelo pastor Israel Marcelino da Silva. Filho do falecido Joaquim Marcelino da Silva, pastor pioneiro das Assembléia de Deus no Brasil, experiência internacional é o que não lhe falta. A igreja surgiu em 1986 atendendo ao anseio de brasileiros, saudosos dos cultos realizados no Brasil e carentes por uma igreja ligada à Assembléia de Deus onde pudessem expressar a fé à sua maneira.

Desde então, diversos pastores já passaram por lá, contribuindo para o crescimento da obra. A princípio, as reuniões aconteciam na sede de uma igreja americana – a Faith Assembly of God –, mas, com o tempo, um novo salão foi alugado para comportar o número de membros que aumentava vertiginosamente, ao mesmo tempo em que a administração planejava a construção de uma sede própria, o que acabou se concretizando em 2001.

Expansão – Silair Almeida é pastor sênior da Primeira Igreja Brasileira Batista no Sul da Flórida, que fica em Pompano Beach. Em mais de 15 anos de atividades, a igreja oferece, além dos cultos e programações, total assistência à comunidade brasileira. São diversos ministérios, cada um com uma determinação específica – ação social, integração familiar, sociabilidade, artes, música, juventude e assistência jurídica, entre outros. A igreja também abre suas portas para práticas esportivas e apresentações de caráter cultural. Apesar da congregação se manter graças aos dízimos e ofertas dos fiéis, o que lhe rendeu um patrimônio bem respeitável, o pastor Silair faz questão de destacar que muitos membros não têm condições de colaborar. Pelo contrário – precisam é de ajuda. "Não faz sentido cobrar de quem não tem. Nesse caso, a igreja colabora com os mais pobres fornecendo roupas, alimentos, pagando aluguéis e até comprando passagens para o Brasil em casos de emergência", explica o religioso.

Nos últimos anos, a Primeira Igreja Batista no Sul da Flórida foi agraciada com dois prêmios: um, concedido pela revista OutReach Magazine que, após minuciosa pesquisa, apurou as 100 congregações de crescimento mais rápido no país; e outro, o de "Igreja Saudável de 2006", por implantar com êxito as idéias do célebre pastor e conferencista Rick Warren em suas pregações.

O teólogo e professor da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, João Décio Passos, defende a propagação desses cultos como resultado das mudanças vividas pela sociedade brasileira. "A Igreja acompanha a migração; religião e migração são temas que se aproximam, estão correlacionados", analisa. Para Passos, assim como as igrejas evangélicas no Brasil acompanharam o movimento de urbanização do país, crescendo a partir dos subúrbios das grandes cidades, elas também acompanham o crescimento das comunidades brasileiras no exterior.

Mentor dos pastores brasileiros nos Estados Unidos, José Carlos Pezini, diretor executivo do Ministério de Língua Portuguesa da Outreach Foundation – organização ligada à Igreja Presbiteriana dos Estados Unidos –, desenvolve um trabalho essencial para o aumento do contingente cristão composto por brasileiros no país. "Meu ministério consiste em dar consultorias às igrejas, presbitérios e outras instituições, além de treinar líderes entre as comunidades com a intenção de fortalecê-las", explica. Apesar das pesquisas, de acordo com dados da Outreach Foundation, apontarem que somente 5% da população de língua portuguesa freqüenta regularmente os cultos, o pastor Pezini demonstra otimismo diante dos resultados já alcançados. "Quando cheguei aqui, havia somente uma igreja de língua portuguesa; hoje, como resultado deste ministério, temos 28 templos espalhados por vários estados", orgulha-se.

Evangelismo e ação social – Membro da Igreja Evangélica Luterana do Brasil, outra congregação com filiais no exterior, o carioca João Kleber Teixeira da Silva afirma que essa "exportação" de pastores e fiéis tem não apenas explicações espirituais, mas também sociais: "Nossas igrejas são de diversas tendências e estão ganhando novos adeptos no exterior devido ao avanço do secularismo, da desagregação das famílias, do uso e abuso de drogas, do medo da violência nas grandes cidades e da carência de uma mensagem que dê segurança às pessoas, como é o Evangelho de Jesus", opina.

Além da propagação da fé cristã, as igrejas evangélicas brasileiras que atuam exterior também desempenham um papel eminentemente social. Consideradas como pontos de apoio para imigrantes que, legal ou ilegalmente, residem em outros países, elas descobriram nessa ação comunitária uma nova estratégia para atingir seu propósito principal, que é atrair um maior número de membros para seus templos. E como, quase sempre, as lideranças não fazem qualquer acepção na hora de apoiar os necessitados – sejam evangélicos ou não –, muitos acabam por se converter ao serem acolhidos.

“Em certa ocasião, uma família me ligou do México a caminho dos Estados Unidos e perguntou se eu teria um lugar para ficarem por alguns dias”, conta José Carlos Pezini. “Quando chegaram, descobri que tinham gastado tudo com os coiotes”, lembra, referindo-se aos agenciadores de imigração. “Então, eles acabaram se hospedando em minha casa por quatro meses.” A situação se repete em outros países. Em Zurique, na Suíça, há igrejas brasileiras que abrigam imigrantes desempregados, além de fornecerem alimentação e até ministrarem aulas de alemão – uma das três principais línguas do país. O pastor Jairo Monteiro chegou a Zurique em 2001, onde fundou a Comunidad Cristiana Latino-Americana, voltada para hispânicos. Pouco tempo depois, foi persuadido a criar uma comunidade para brasileiros, expandindo seu trabalho para outras localidades.

"Cerca de 90% dos membros dessas igrejas são imigrantes sem documentos, o que exige uma atenção especial na área social, além de orientação pastoral e psicológica", revela Monteiro. Com mais de 40 anos de ministério, o pastor já percorreu diversas nações. Atualmente, reside em Genebra, também na Suíça, atuando para um órgão missionário pertencente à Igreja Metodista Unida dos Estados Unidos voltado à comunidade latino-americana. "Somos uma igreja transcultural e composta de pessoas pertencentes às mais variadas denominações, o que exige uma ação pastoral muito cuidadosa para manter a unidade na diversidade", completa.

Rebanho globalizado – Devido às afinidades históricas e culturais entre Brasil e Portugal, é natural que muitas igrejas brasileiras aportem na terrinha em busca de almas para Cristo. Segundo Moisés do Espírito Santo, especialista em assuntos religiosos e professor da Universidade Nova de Lisboa, as igrejas evangélicas representam uma opção ao catolicismo, cada vez mais esvaziado devido a suas posturas conservadoras. "O avanço do evangelismo em Portugal reflete o resultado da renovação da fé cristã e da mensagem protestante, sobretudo nos centros urbanos", destaca. O sociólogo comenta ainda que, para evitar reações negativas dos católicos portugueses, os pastores brasileiros devem ter cuidado ao ministrarem seus cultos para a sociedade local.

Quem sentiu na pele essa dificuldade foi o pastor Ronaldo Didini. Bastante conhecido no Brasil por ter sido apresentador do extinto programa de TV 25ª Hora, Didini integrou as igrejas Universal e da Graça até decidir seguir sozinho, há cerca de cinco anos, para Portugal. Lá, implantou a Igreja do Caminho, que tem membros brasileiros e portugueses. “Nossa cultura e tradições são bem diferentes das portuguesas, e isso acaba se refletindo nas igrejas. O crente português é mais exigente no estudo da Palavra de Deus. Por isso, as igrejas em Portugal têm muito louvor e estudo bíblico”, comenta. Como em qualquer outro empreendimento, o começo não foi nada fácil para o pastor Didini. “Eu tive muitas dificuldades para estabelecer a Igreja do Caminho, já que não tinha nenhum grupo grande me dando estrutura. Contei com a ajuda de Deus e a colaboração de uns poucos amigos que me incentivaram”, lembra.

Na igreja do pastor Enoque Libório Pereira, líder da Comunidade Evangélica Pão da Vida, com sede em Lisboa, a imensa maioria dos membros é composta por brasileiros e africanos lusófonos. “Noventa e cinco por cento dos nossos fiéis são brasileiros, mas também temos angolanos, moçambicanos e portugueses”, conta. Fundada em Londres, Inglaterra, o trabalho da congregação tem frutificado – prova disso é que já foram inaugurados novos templos em países como a Bélgica, Holanda e a Dinamarca. De olho no rebanho cada vez mais globalizado, a Pão da Vida já ministra cultos em inglês também em Portugal.

Mas evangelizar no Velho Mundo é um desafio à Igreja brasileira. A prosperidade econômica tem feito com que as sociedades da Europa ocidental adotem o secularismo como meio de vida. Em diversos países, igrejas fecham as portas e templos têm sido até colocados à venda. Silas Tostes, diretor da Missão Antioquia – organização brasileira que mantém missionários em dezenas de países –, já residiu na Inglaterra por mais de cinco anos e afirma que o evangelismo no continente europeu é muito diferente do praticado no Brasil. "Em algumas cidades britânicas, por exemplo, pregar o nome de Jesus nas praças é pedir para ser ofendido", aponta. "O missionário deve estar preparado para uma recepção nada amistosa", alerta.

Identidade cultural – Se na Europa as igrejas brasileiras precisam enfrentar o pós-cristianismo e seus efeitos, no Oriente a situação é outra. Na ausência de qualquer tradição cristã, é preciso começar praticamente do zero. Desde a década de 1980, quando intensificou-se o fenômeno dekassegui – a migração maciça de brasileiros de ascendência nipônica em busca de trabalho e prosperidade no rico Japão –, centenas de igrejas brasileiras abriram templo na Terra do Sol Nascente. Quase todas concentradas no centro-sul do país, região que abriga cerca de 300 mil brasileiros e descendentes de japoneses, essas igrejas não se limitam ao proselitismo. Elas são verdadeiros centros sociais, onde os membros podem desenvolver atividades comunitárias e manter um pouco da identidade cultural.

Uma delas é a Igreja Missionária do Deus Vivo, fundada e dirigida pelo pastor Ricardo Kitaoka, um brasileiro de ascendência japonesa. Depois de um início difícil – ele pregava em fábricas e realizava cultos em seu apartamento de 12 metros quadrados –, o ministério cresceu e já até exportou templos para outros países. "Somos uma igreja que busca, acima de tudo, uma comunhão e harmonia com os princípios de Deus", descreve o dirigente. Mas não fica nisso – entre os vários projetos sociais desenvolvidas pela igreja, merece destaque o Reciclando com Amor. A iniciativa consiste no recolhimento de materiais recicláveis, com o auxílio da comunidade e de empresas, e o dinheiro arrecadado com sua venda é revertido para programas de reforço alimentar em benefício de menores carentes. "Esse também é nosso papel e nosso chamado", sentencia Kitaoka.

Considerados os primeiros evangélicos brasileiros a trabalhar na China, o casal Olinto Furtado de Oliveira e Dalziléia Oliveira implantou em Macau – então uma colônia ultramarina portuguesa – uma frente evangelística pioneira para alcançar os habitantes da região. "Em Macau, existem outras denominações, mas a nossa igreja é a única que desenvolve um projeto específico com os nativos de língua portuguesa", afirma o pastor da Assembléia de Deus. Atualmente, Macau está reincorporado à China, mas goza de relativa autonomia em relação ao governo central, comunista. "Macau é uma área onde existe liberdade controlada para pregar o Evangelho. Pode-se falar de Jesus, desde que haja autorização oficial", explica o pastor.

Hoje, a Igreja Evangélica de Língua Portuguesa de Macau é uma comunidade cristã transcultural com centenas de membros. "Ao pregarmos a Palavra de Deus, preocupamos-nos em mostrar que o Evangelho é algo puro, único e diferente de tudo", enfatiza Olinto. Afinal, seja em qual cultura for, a pregação da salvação em Cristo é a mais universal das mensagens.

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JDM

José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 27/09/2007
Reeditado em 04/10/2022
Código do texto: T670907
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