O aluno power point

Wilson Correia**

Recursos tecnológicos usados nas salas de aula, como power point, estão contribuindo para o não desenvolvimento cognitivo, intelectual e cultural dos acadêmicos do ensino superior e esse fenômeno precisa ser debatido.

O professor João Luís Almeida Machado* advertiu, e com propriedade, que o mau uso maciço de mídias e recursos tecnológicos de informação e comunicação estão acarretando problemas ao processo ensino-aprendizagem, com o conseqüente surgimento daquela figura que ficou conhecida como o “Professor Power Point”. Nesse artigo, falo do reverso da medalha: do “Aluno Power Point”

Pois bem, se o ditado nos garante que “Filho de peixe, peixinho é”, comumente o “Aluno Power Point” é o estudante que teve ou tem como professor aquele profissional da educação que aterrissa na sala de aula com um aparato tecnológico que inclui computador, datashow e o manjado sistema de apresentação de slides Office da Microsoft, recursos que deveriam ser utilizados para ilustrar o desenvolvimento de conteúdos, jamais ser empregados como únicos meios de disseminação de informações, conhecimentos e saberes em sala de aula como tem acontecido.

E o entendimento é o seguinte: se a aula é o coração do processo ensino-aprendizagem, esses recursos tecnológicos estão sendo tratados como o coração da aula. Eles estão dando as coordenadas sobre o modo de estudar e condicionando a um tipo de veiculação de informação que não contribui para a problematização dos saberes, trazem raquitismo às atividades voltadas para o saber pensar, delineiam o discurso em sala de aula e não contribuem nem para o ensinar, nem para o aprender.

Com uma centralidade nunca vista, esse tipo de recursos tecnológicos, como o Power Point, coloca em segundo plano outros instrumentos indispensáveis à boa condução do desenvolvimento cognitivo, intelectual e cultural dos acadêmicos, descartando, pois, as potencialidades dos trabalhos por meio de livros, jornais, revistas, trabalhos individuais e em grupo, debate, seminários, filmes, músicas, teatro, pesquisas bibliográficas e de campo.

Ao conviver com um professor que mobiliza os instrumentos teóricos e metodológicos utilizando esses recursos tecnológicos, o “Aluno Power Point” passa todo o curso vendo o mestre ler suas transparências, não aprende a interpretar o que lê, passa ao largo do debate de idéias, não se exercita na tarefa de problematizar a realidade vivida e representada pelos saberes que circulam em sala de aula.

Esse “Aluno Power Point” surge à nossa frente quando é solicitado a fazer apresentações de trabalhos em períodos de avaliação. Ele lê a tela e não sabe dizer o que leu, não decodifica o sentido de palavras, frases e orações que ele próprio escreveu. Extrair as idéias contidas naquilo que ele mesmo registrou nos slides torna-se uma tarefa impossível, para ele e seus colegas. E, se o professor deixar correr, a apresentação discente se resume a esse tipo de leitura, como se uma outra língua estivesse sendo falada diante de um grupo passivo e inerte.

Desse modo, esse estudante não vai além daquilo que faz um analfabeto funcional: ele “desenha” palavras, mas não sabe que idéias, conceitos, teorias e sistemas explicativos significam, expressam e propõem. Não debate idéias. Não problematiza os conteúdos. Não compreende a realidade. Trunca as próprias capacidades de analisar, sintetizar, julgar e empreender tomadas de decisão que possam orientar mais apropriadamente as ações dele requeridas no meio social a que pertence, como pessoa, profissional e cidadão.

Trata-se de uma realidade preocupante. Sabemos, nós que fazemos e sofremos a educação, que um bom programa formativo implica o desenvolvimento do domínio teórico, consistência no instrumental prático para a ação e profundo senso ético para calibrar o bem agir na vida, na profissão e na sociedade. Essas competências e habilidades, não podemos negar, começam a ser adquiridas na sala de aula. Contudo, o “Aluno Power Point”, pequenificado em suas potencialidades, não consegue articular essas três dimensões de sua formação. Ele se esquece de que, ao lado do professor, ele é o protagonista do processo de ensino-aprendizagem, com quem deve vivenciar a troca de experiências, o intercâmbio de saberes e a reciprocidade epistemológica indispensável a que faça o curso escolhido valer a pena.

Como não se vê no curso para fazer diferença, o “Aluno Power Point” não compreende que, como tudo na vida, a aula tem três momentos capitais: o antes, o durante e o depois. O “antes”, para se preparar para o estudo pessoal e grupal em sala de aula. O “durante”, para se envolver com as atividades propostas a título de realização de atos de aprendizagem em situações didáticas em sala. E, por fim, o “depois”, para revisar e consolidar as informações, conhecimentos e saberes que foram mobilizados na aula.

Do alto do valor da mensalidade que paga à instituição de ensino e do objetivo que alimenta de adquirir um certificado, o “Aluno Power Point” pergunta, com a maior naturalidade: “Para que me preparar para as aulas, participar das atividades em sala e consolidar os conteúdos da disciplina, se o professor lê seus slids, nos quais resume o conteúdo da matéria, e os coloca à minha disposição em forma de cópias xerográficas para eu ler, decorar e, depois, devolver a ele nas provas objetivas que ele me aplica?” Ele faz esse tipo de pergunta e evidencia que o jogo do “Eu finjo que ensino, você finge que aprende” está muito bem acordado e funciona como passaporte para o canudo de terceiro grau.

O “Aluno Power Point” precisa se dar conta de que essa é uma escolha pelo aparentemente mais fácil, mas que poderá lhe trazer problemas a médio e longo prazos. Ele precisa ser alertado para o fato de que certificação não garante formação, e que essa requer envolvimento com os conteúdos estudados nas disciplinas do curso que escolheu, de modo a deixar que as informações, conhecimentos e saberes nela envolvidos possam transformá-lo, fazê-lo do avesso, provocar nele a própria reinvenção.

Além disso, o “Aluno Power Point” merece compreender que optar pelas frouxidão que o uso dos recursos tecnológicos pode acarretar é optar pela menoridade, por aquele estilo existencial em que a pessoa não pensa por ser pensada, não decide por ser decidida e nem age por ser levada de roldão e a reboque dos processos comandados por quem tem imenso interesse em vê-lo como massa de manobra, cordeirinho dos senhores do mundo e serviçal obediente dos aproveitadores de plantão. Ele precisa entender que conhecer e saber só fazem sentido se nos ajudam a ser mais, finalidade para a qual o uso empobrecido do Power Point não pode contribuir.

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*MACHADO, J. L. A. O fenômeno do professor Power Point. Jornal do Commercio. Área de Livre Acesso, 14.08.2007. Disponível em: <http://www.jcam.com.br/noticiasLivre.asp?IdNot=565>. Acesso em: 15.08.2007.

**Wilson Correia é filósofo, psicopedagogo e doutor em Educação pela Unicamp e Adjunto em Filosofia da Educação na Universidade Federal do Tocantins. É autor de ‘TCC não é um bicho-de-sete-cabeças’. Rio de Janeiro: Ciência Moderna: 2009. Endereço eletrônico: wilfc2002@yahoo.com.br