CONFLITOS DE AMOR E DE PANDEMIA

Demétrio Sena - Magé

Eu não via meus irmãos havia quase um ano. Sendo que, de alguns anos para cá, nós criamos o hábito de nos vermos sempre. Os nove ou quase todos, pelo menos uma vez por semana. Então veio a pandemia, uns não se prenderam nem acreditaram muito, já outros absorveram mais medo, cuidado e observação, sendo eu do segundo grupo... eles respeitam isso e nunca fizeram nenhuma pressão... mas depois de uma declaração de saudade, alguns disseram que desta vez viriam à minha casa no mato. Aí acabaram minhas resistências, e como tenho quintal bem amplo, arborizado e sem muro, pus bancos e cadeiras nas sombras, para recebê-los adequada e confortavelmente.

Tenho com os meus irmãos e a nossa saudosa mãe Maria, uma história intensa de vida... nossa infância e adolescência foram de muitas dificuldades, doenças e quase fome... algumas vezes, quase morte. Gostamos de nos reunir para relembrarmos mais a superação do que as desventuras. Nossa mãe é sempre o assunto predileto, mas falamos de tudo e até rimos do passado. Em alguns momentos, rimos de chorar, de muitas situações em que de fato choramos. A vida nos fez muito explosivos nos aborrecimentos e, no caso dos homens, todos têm vozes graves, o que literalmente agrava nossas explosões... mas tirando isto, somos todos bem humorados; de bem com a vida... confesso que os meus irmãos, mais do que eu.

A nossa superação é verdadeira... não culpamos incessantemente o mundo nem as pessoas mais vividas que ainda nos cercam ou se foram, pelas sequelas que trazemos. Nem mastigamos infinitamente um passado amargo. Amadurecemos de fato e lidamos muito bem com os traumas. Por isso nossos encontros são tão especiais, leves, de risos fáceis, afetuosos e de muita gozação mútua dentro dos limites do bom senso e do respeito aos que são mais suscetíveis... então, nem preciso falar da felicidade que senti por estar novamente com os meus irmãos, depois de quase um ano.

Com todos os cuidados que me pautam (não vou a bares, não frequento festas e outros eventos, não comemoro nada coletivamente etc), existem os riscos inevitáveis, em razão de prioridades... sou arte-educador e voltarei a trabalhar... também sou fotógrafo ensaísta e preciso da clientela, pela renda extra... divido residência entre Fragoso e a casinha de roça em Santa Dalila. Não tenho carro e preciso pegar ônibus cujos passageiros e motoristas nem sempre usam máscara e não tenho como brigar com todo o mundo.

Além do mais, vou a padarias, supermercados, farmácias e postos de saúde... quase sempre não tenho como fugir dos atendentes engraçadinhos que às vezes me recebem com a máscara no queixo, e nessas ocasiões, nem do chofer da UBER, que resolve tirá-la no trajeto, alegando falta de ar. Sim, manterei os cuidados que já tenho, de uso da máscara, do álcool e das mãos lavadas... da não aglomeração em bares, festas, cultos, missas e outros eventos... mas, avaliados os benefícios da felicidade pelos meus irmãos por perto e, com os devidos cuidados mesmo entre eles, doravante assumirei os custos de incluí-los em minhas prioridades pelo menos pontuais. Mais um ano sem tê-los também é morte.

Demétrio Sena
Enviado por Demétrio Sena em 22/02/2021
Código do texto: T7190405
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2021. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.