Consciência Negra ou simplesmente Consciência

A uma amiga do Recanto das Letras que me perguntou sobre a necessidade de um Dia da Consciência Negra, digo que não há dúvida. Ao final deste artigo, segue matéria jornalística sobre as comemorações deste ano na região do Quilombo dos Palmares.

Os negros brasileiros ainda são vítimas de grandes injustiças - não só aquelas herdadas da escravidão e de um processo de libertação mal realizado, quanto injustiças decorrentes do preconceito que é real, embora muitas vezes disfarçado.

Por outro lado, a violência do sistema escravista e suas conseqüências no tempo incutiram nos negros uma forte carga de preconceitos contra a própria etnia. O Dia da Consciência Negra é uma data importante para lembrar a negros e brasileiros de outras etnias que a desigualdade e o preconceito têm de acabar.

Há, no entanto, considerações de ordem política, cultural e econômica acerca desse tema polêmico. Não podemos ficar apenas nos lemas ou nos apelos destinados a resgatar “os que tanto contribuíram para a formação do Brasil”.

A consciência em torno dos problemas dos negros deve ser de um tipo plural, embora os negros reclamem, com razão, a maior parte das injustiças. Isto porque o Brasil tem grande número de mestiços e uma comunidade indígena também bastante sacrificada. E se é verdade que um branco pobre, seja menos prejudicado que o negro, não pode ser esquecido nas políticas de cotas, já que elas serão realidade daqui para frente. Recentemente, e num gesto histórico, o Senado aprovou o estatuto da Igualdade Racial, que tem nas políticas compensatórias um de seus pontos fortes.

O ideal é que o Brasil trabalhe com um conceito de multi-cota, de modo que os mais prejudicados tenham a maior parte do que for repartido, mas evitando que o "preconceito positivo" sirva para gerar ainda mais injustiça.

A cultura negra é uma das mais belas que existem, e os negros trazem em si, além da inteligência, grande atributos corporais desenvolvidos nas jornadas da África e numa longa história de liberdade de movimentos. As provas estão aí: Milton Santos (o geógrafo), Pelé, Mohamed Ali, Daiane dos Santos, Luther King, Elza Soares, Milton Nascimento, Nelson Mandela, etc, etc.

O orgulho de ser negro é bastante pertinente, portanto. Mas deve servir à causa de um mundo mais justo. Do contrário, estaremos apenas invertendo polaridades, como se dá atualmente nas disputas entre homens e mulheres de um certo nível social.

Já houve no passado quem defendesse a miscigenação como uma forma de acabar com os preconceitos. Ora, a miscigenação parece uma realidade em marcha - ainda bem. Mas é preciso que ela seja também cultural e política, para que um dia possamos defender não a causa de uma etnia, mas a do ser humano, independentemente dos traços exteriores. Aí, sim, estaremos livres do preconceito.

A adaptação do Sítio do Pica-pau Amarelo para a TV tem como tema de abertura uma canção de Gilberto Gil, que aparentemente não se incomodou com os traços racistas de Monteiro Lobato. Esta foi uma demonstração de tolerância do nosso compositor, embora ali já se evidenciasse também o seu lado político.

Como se vê, não é fácil analisar essa questão. Um maestro famoso comentando embaraços em torno da música do racista Wagnerr, lembrou que os israelenses adoram andar de Mercedes Benz (!!!!). Não sei se eu próprio teria tanta tolerância. O que defendo, pelo menos para o Brasil, é a formação de uma consciência que reconheça o preconceito e busque superá-lo diariamente, por meio de mudanças culturais, e de políticas públicas coerentes. Os negros querem mais do que entrar na festa com o samba e sair com as migalhas. Mas é preciso lembrar que a valorização de um ser humano vai muito além de uma cota: nasce do reconhecimento de sua humanidade.

Na África do Sul, muitos negros têm-se tornado empresários, apoiados por iniciativas governamentais,e nem por isso assumem posturas distributivistas, segundo uma entrevista com dirigente sul-africano veiculada pelo canal a cabo Globo News.

Que raie o tempo em que não nos discriminemos pela cor, o tempo em que nos igualemos pelo gesto!

“Estadão Online, 21/11/2005:

União dos Palmares festeja Dia da Consciência Negra

União dos Palmares - Este domingo, 20 de novembro, foi de festa no município de União dos Palmares, na Zona da Mata alagoana, a 80 quilômetros de Maceió. A comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra uniu pessoas de todas as raças, crenças, tribos no mesmo espaço e pelo mesmo ideal: fortalecer a luta pela igualdade racial.

Centenas de pessoas - entre artistas, estudantes, políticos, jornalistas, representantes de sociedade civil em geral - subiram a Serra da Barriga, local do quartel general do Quilombo dos Palmares, que abrigou mais de 20 mil negros, abrangendo uma área de 350 quilômetros quadrados, que hoje faz parte de Alagoas e Pernambuco.

Organizados numa confederação de mocambos - agrupamentos de escravos fugidos - e liderados pelo líder Zumbi, a República Livre de Palmares resistiu a 66 expedições militares de holandeses e portugueses por mais de 100 anos, de 1596 até seus últimos combatentes serem derrotados em 1725. Eles viviam da caça, pesca e agricultura.

A luta épica da liberdade protagonizada por africanos escravizados buscando resgatar sua realeza é sempre lembrada como um dos grandes marcos da história universal. O primeiro grito por liberdade nas Américas ecoou no alto da Serra da Barriga, sede da República dos Palmares, onde os negros tinhas suas próprias leis e escolhiam seus governantes.

Realizada há cerca de 25 anos, pelo Movimento Negro do Estado, a festa em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Negra, foi organizada este ano pela Secretaria das Minorias, que trabalha a Igualdade de gêneros no Estado. Para a secretária Patrícia Mourão a festa significa um momento de essencial importância para Alagoas.

"Na realidade, o significado das comemorações do 20 de novembro é essencialmente simbólico e tem muita importância para Alagoas onde aconteceu a maior resistência à ordem instituída no mundo, no início da colonização européia das Américas, antes da deflagração da revolução francesa e da norte-americana", afirma Patrícia.

Programação - A festa foi dividida em dois momentos. Hoje pela manhã, ocorreram rituais e festejos com conotação histórica, cultural que se referem também aos povos quilombolas, na Serra da Barriga. À tarde, na cidade de União dos Palmares, ocorreram as cerimônias como o desfile cívico-militar e a entrega da Comenda Zumbi dos Palmares, que é a mais importante comenda de Alagoas e se equipara à Comenda Tiradentes, em Minas Gerais e, do ponto de vista nacional, à Ordem do Rio Branco.

O governador Ronaldo Lessa (PDT) recebeu convidados de vários Estados, como o ex-governador do Rio Grande do Sul, Alceu Colares. Para Lessa, o dia da consciência negra tem um significado especial em Alagoas, "pois foi daqui que ecoou o primeiro grito de liberdade das Américas".

Nelson Oliveira
Enviado por Nelson Oliveira em 21/11/2005
Reeditado em 24/11/2005
Código do texto: T74214