Dança afro tem que ser tradicional, contemporânea, moderna ou tudo junto???

Salve majestades. Na humildade e com todo respeito, sou um ignorante em formação. A quem possa interessar.

No início dos anos 1980 assisti a dois espetáculos de dança afro, que de certo modo, me marcaram e para mim continuam emblemáticos e insuperáveis: 1) Ismael Ivo (afro-jazz-clássico), em Rito do Corpo em Lua e 2) Balé do Senegal (mitos, lendas, dia-a-dia tribais). Bem sei, estou falando de gigantes personalidades que levaram seus propósitos artísticos às últimas consequências. Vide na literatura a obra de Cruz e Souza e Machado de Assis, sem menosprezar a poética popular de Solano Trindade e a crônica social de Lima Barreto, apenas para citar. Somente me dei conta das suas grandezas décadas depois. De onde vim não tive formação cultural estruturante. Batalhava-se o almoço para garantir o jantar e ter um teto mínimo para encostar o esqueleto, afins de melhor enfrentar o dia seguinte.

Se chamarmos a mulherada pra essa roda de conversa, os novelos com recortes de gênero, racial e vivencial, a serem desfiados, com certeza serão imensuráveis. Mulher Negra Tem História. E muita! Tanto que a frase é nome de um grupo no Facebook. Em termos datados começa por Maria Firmina dos Reis, até às mais recentes. Se incluirmos aquilombações, levantes nas senzalas e revoltas nos tumbeiros, incluindo lideranças populares, haja espaço e telas para abrigar importantes personagens invisibilizadas em sua maioria. As “Escrevivências” de Conceição Evaristo que nos digam!

Voltando... De lá para cá, depois dos grupos BandaLá e Balé Folclórico da Bahia, comumente o que mais se vê são esquetes baseadas em danças de e para orixás; em movimentos de artes marciais, em especial a capoeira e o maculelê. Clichê viciado quase parecido tenho observado junto a blocos afros, a começar pelos de afoxé. Propostas diferentes presenciei nas apresentações do Balé Stagium (dança-teatro) e Balé da Cidade de São Paulo (clássicos e pesquisas), inclua-se também o Cisne Negro, apenas para citar. O Olodum inúmeras vezes estudou e cantou o Egito por óticas negras. A negrice cristal, suas variantes e vertentes ainda são nítidas e presentes nos temas desenvolvidos pelo Ilê Aiyê. O Muzenza chegou a versar sobre as lutas armadas pela independência, desencadeadas e enfrentadas pelos países africanos a partir da década de 1960. Atos estes que nos remetem aos enfrentamentos e estratégias quilombolas, desde o período colonial aos tempos atuais.

Neste e demais contextos, ainda não entendi as limitações que a maioria dos grupos de dança, sobretudo aqueles ligados aos Movimentos Negros, a partir de negros em movimento, se impõe e se restringem perante tanta diversidade, riqueza, herança cultural a ser garimpada, lapidada e mostrada. É falta de criatividade, referência, acomodação ao mais fácil e sonoramente aplaudível ou preguiça mental?

Andando e xeretando pelo interior paulistano, paulista e mineiro, com um espírito antropológico e arqueológico aceso e atento, misto de Mário de Andrade com Ousmane Sembene e Geraldo Filme, tomei contato com congados e moçambiques. O leque de opções, possibilidades e variações é bem mais amplo do que se imagina e tende a ser maior se adentrarmos nos fundões do Brasil. Diante de tanto pano para manga ou passo pra dança, aos quais podemos até nos dar ao luxo de escolher, em termos de história, cotidiano e cultura afro-brasileira, africana e diaspórica existentes. Seja real ou fantasiosa.

Que as mulheres pesquisadoras e produtoras culturais me deem um desconto por não citá-las nominalmente neste e demais parágrafos. Desconheço-as e aceito recomendações. Existir, mesmo nos subterrâneos ou ambientes domésticos, bem sei que existem. Ocorre que segundo o ditado popular: “Quem não é visto, não é lembrado.” Parei nas mestras Teresa Santos e Beatriz Nascimento. Careço de atualizações. Preferência vinda de fontes confiáveis ou a partir das atuantes que se apresentarem com seus respectivos portfólios e endereços eletrônicos para conferência e divulgação de conteúdos.

Nada contra as manifestações religiosas. O budismo, o cristianismo, o hinduísmo, o islamismo, o judaísmo, dentre outras correntes, seja enquanto arte ou corrente filosófica ou ideológica estão presentes nas artes e meios de comunicação de massa. Seja de forma explícita ou abstraída através da cosmogênese nos campos do meio e mensagem. Se eles podem, porque as africanidades devem estar ausentes ou serem amordaçadas por ortodoxas forças contrárias?

Não é o objetivo desses apontamentos tecer comparações depreciadoras. O sistema e seus asseclas já exercem esta cooptante tarefa e para tal são pagos e bem postos para implementar projetos implodidores. Frente ao primeiro parágrafo, eles surgiram a partir da pergunta aos meus botões: Afro é tradicional, contemporâneo, moderno ou tudo junto e misturado? Aliás, em termos afro conceituais, o que vem a ser: tradicional, contemporâneo, experimental, moderno? É possível relacioná-los com o Afrofuturismo e Revoluções Digitais?

O mal de se ter mais 50 anos é que em alguns casos, a sensação de que quase tudo se repete como há 30 anos passados. Nas regiões periféricas, por falta de continuidade, raríssimas vezes temos quarto, quinto, décimo. Geralmente é primeiro, segundo, no máximo terceiro. E talvez daqui mais 30 ou 40, se não houver crítica, autocrítica e renovação, estará a mesma coisa de 60 ou 70 transcorridos e com poucos avanços! Vidas e Vozes Negras Importam. Por não ser versado em Futurologia, procede ou há controvérsias???

“Ninguém é mais que ninguém, absolutamente, aqui quem fala é mais um sobrevivente!” Espero estar ajudando a pavimentar horizontes. Eu te ajudo a se ajudar, você me ajuda a me ajudar, nós nos ajudamos respeitosamente. Somos malungos interdependentes. Segundo mestre Ary da Paz: "Fala preto o que pensa, mas não traia a sua gente." Se cuidem, nos cuidemos, Riquezas. Voe! Click, Click, Click…

Oubi Inaê Kibuko = @oubifotografia*

*Escrevedor, Fotógrafo, Pesquisador Audiovisual, Editor do blog Cabeças Falantes, cursando licenciatura em Letras/Univesp.

Cidade Tiradentes para o mundo, março/2022.

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