Prece da Serenidade

Rezar é um hábito tão pessoal e particular quanto ficar nu... Embora ninguém se reúna em um templo para ficar nu, como fazemos numa igreja para rezar.

A fé move montanhas, inclusive banheiros públicos, principalmente de rodoviárias.

Que atire a primeira pedra, pode e deve atirar, até um bloco de concreto quem nunca precisou de um banheiro público.

É universal que é uma situação bastante penosa, pois sempre é inesperada esta situação, nunca sabemos como encontraremos o local, e por mais que humilde, nada como o banheiro do seu próprio lar.

É um assunto temeroso, quase infame, e obviamente porco! Assim como milhares de coisas da vida que insistimos não admitir, ou contornar de maneira errônea.

No ranking de piores banheiros do mundo estão os “WC” de terminais rodoviários. Além do lado “pessoal”, de serem usados por gente que você nunca viu na vida e nunca mais vai ver, é sempre uma surpresa antes de entrar, porque dependente do local, pode ser limpo, ou muito sujo, e depois de entrar... Você tem de encarar!

Dizem que desgraça pouca é bobagem, e estas palavras são realmente comprovadas quando se entra num imundo banheiro: o chão há décadas não vê nenhuma água além das gotas que caem da pia. As portas das cabines além de descascadas, não trancam mais porque alguém já arrancou as travas. As privadas não têm mais tampa, a descarga não gasta mais que dois litros de água por vez, o papel higiênico quando existe, ou se encontra completamente desenrolado pelo box afora, tentando realizar alguma decoração, ou está ensopado pela água da privada. É então fechando a porta que na verdade mau fecha, que você vê a maior característica de todos os banheiros públicos. As porcas escrituras. Sempre, no lado de dentro da porta, com todo tipo de caneta (embora a maioria seja de bic), em qualquer cor, com qualquer esquema de fonte e tamanho. Há sempre muitas coisas escritas, nenhuma decente. Mais uma vez desafio a atirar a primeira pedra quem nunca as viu! São números de telefone para contratos de serviços sexuais, xingamentos a pessoas que nem se tem certeza que existe, desenhos pornográficos, puras palavras chulas, recados de quem por ali passou, e o mais precioso dos registros: a prece da serenidade, muitos não a conhecem por este nome, entretanto já leu, ali sentado fazendo suas necessidades, lendo a grafia de um ser criativo que pede ás forças divinas para que se tenha uma boa “produção” do indesejado artefato.

Particularmente a conheci há bastante tempo, no tenpo de colegial, rindo com uma amiga de classe, ela me falou da prece da serenidade que a atormentava em todos os banheiros públicos, inclusive no feminino do colégio. Fui então, aturdido de curiosidade pelo fato, pressionado mentalmente a ler a "obra", entrei no banheiro feminino escondido e li, comprovei a falta do que fazer de muitos, a expressão de tantos ocupados.

É um momento único, de anti-inspiração, dramático se não fosse cômico.

Não bastasse ser totalmente incômodo ter de realizar estas fisiologias fora de casa, e ter de conviver com o “resto” dos outros, ainda tem de se agüentar os pensamentos dos que ali estiveram.

É este só mais um retrato da nossa jamais entendível sociedade, de representantes, que como nós, dizem ser seres humanos, sérios e sem tempo a perder.

A verdade é que não há nada, mesmo sem luxo, ausente de nobreza e artifícios de garbo, como o banheiro do nosso próprio lar. Pode ter aquele azulejo faltando, a pia com vazamento, o chuveiro revestido de fita isolante e o assento da privada desconfortável... É ali seu ambiente, e jamais haverá local tão ideal quanto aquele. Ainda que seja para se fazer o ‘proibido’, para jogar fora, para purificar, ou de certa forma... Rezar!

Douglas Tedesco – 01/2008

Douglas Tedesco
Enviado por Douglas Tedesco em 18/01/2008
Reeditado em 18/01/2008
Código do texto: T822306