LENNON (O Lado B)

Para Marguerite

Volto a John Lennon. Nos últimos dias choveram notícias sobre os 25 anos sem o autor de Imagine e a NET (canal Multishow) está passando um ótimo documentário sobre o tema. Mas não volto exclusivamente por isso. É que “releituras” do mito despertaram uma série de questionamentos que não posso pôr de parte, como diria Caymmi, outro grande ídolo.

Tanto as matérias quanto o documentário trouxeram, além das homenagens, o “lado B” de Lennon: o desprezo à primeira mulher e ao primeiro filho; o chauvinismo revelado pelo segundo filho; a contradição entre as mensagens pró justiça social e o apego a dinheiro e bens (os casacos de pele ficariam guardados num closet climatizado!!!).

Ora, ora...Então o nosso herói não passaria de um artista talentoso, mas com uma personalidade oculta cheia de senões? Teria atrás de si uma sombra capaz de toldar o brilho e a riqueza humanística de suas letras?

Não acredito que qualquer desses defeitos – reais ou inventados – vá um dia mudar substancialmente a idéia que as pessoas fazem da poesia de Lennon e de suas lutas. Até porque chega um momento em que a mensagem criada pelo artista ganha autonomia. Do artista, ele mesmo, resta a imagem, que apóia a mensagem. E a vida segue em frente. Afinal, a humanidade precisa de símbolos e simbologias.

Não quero tirar a graça dos que vão assistir o documentário, mas Yoko revela que já recebeu vários pedidos de igrejas pedindo para tocar Imagine sem o pedacinho que prega a não-religião. O ser humano funciona assim: quer adaptar a obra de arte à sua circunstância ou interesse. Daí que a maioria está se lixando para o que John fez em sua vida privada. Sem contar que todos têm seu lado B. Já disseram que ninguém resistiria a uma CPI. Será?

Deixar de lado o "lado B" seria então somente “humano, demasiadamente humano”, na expressão de Nietzsche. O contrário disso – uma empreitada impossível, porque reservada a Deus - seria tentar medir tudo pela régua de tudo e pesar a todos na balança de todos.

Nem Lennon provavelmente entendia suas contradições.

Ponho-me a pensar em humanistas mundialmente menos notórios, como D. Paulo Evaristo Arns, agora arcebispo-emérito de São Paulo, que vendeu o Palácio Episcopal para construir centros comunitários. Foi morar numa casa humilde da periferia. D. Hélder Câmara, falecido arcebispo de Olinda e Recife, dormia num quartinho atrás da sacristia. Quantos bispos fariam o mesmo? Nada veio à tona ainda sobre o lado B desses que, até prova em contrário, aproximaram-se da santidade. Vou mostrar-me “humano demasiadamente humano”, e dizer que torço para que minha fantasia seja real. Não gostaria de ser confrontado com defeitos graves dos dois padres, embora esteja cada vez mais avesso à instituição do padre, uma usina de lados bês, como mostram as denúncias de pedofilia.

Além do lado B de ditador, Getúlio Vargas teria tido o hábito de traçar umas profissionais do sexo dentro do gabinete presidencial. É o que corre entre alguns que privaram da amizade de funcionários do Palácio do Catete. (E sendo essas histórias verdadeiras, o nome do palácio deveria mudar ligeiramente de grafia, não acham?).

A despeito dos excessos de ditador, Getúlio foi, em minha opinião, o maior presidente que este país já teve: tangeu o Brasil rumo à industrialização; instituiu direitos trabalhistas, introduzindo os integrantes da massa na categoria de cidadãos; passou a perna na Alemanha e nos Estados Unidos, obtendo vantagens, como a construção da Companhia Siderúrgica Nacional, num mundo em guerra. Hoje falam em desmontar a Era Vargas, como se o cara tivesse cometido os maiores equívocos, como se pudéssemos chamar isto aqui de país sem o seu legado. Que a realidade econômica e política do mundo é outra, não se questiona. Mas teremos sempre que louvar a “Era Vargas”, como uma das bases fundadoras do país.

Bom, mas e as supostas moças de Vargas? Coitadas...tinham muito pouco a negociar. Diante daquele homem poderosíssimo, e até de alguns bem pior situados, só podiam ceder seus corpos. Talvez não lhes ocorresse nenhum pensamento. Talvez apenas se sentissem compelidas a fazer o que lhes era pedido ou sugerido por gestos. Há quem defenda que, para bem governar em benefício de muitos, um homem público pode e deve-se valer da erotização que lhe provoque uma mulher contratada especialmente para isso. Infelizmente há ainda muitas mulheres que cumprem essa tarefa. Outras, atraídas pelo poder, fornecem a energia de seus corpos para alguns que, de líderes populares, transformam-se dentro de poucos anos em traidores do povo. Tudo às expensas emocionais das esposas. Mas alguém já viu uma dessas consortes (ou com azar) enganadas recusarem depois as honras dos títulos ou dos cargos?

Ah! Meus amigos! E posso eu continuar execrando aqui o lado sombrio de tanta gente conhecida e desconhecida, sem revelar eu próprio obscuridades que pudessem melhor orientar o julgamento de vocês sobre este escritor e a validade de suas críticas?

Talvez, por dever de honestidade, eu devesse contar passagens que trouxessem pelo menos algum desdouro à minha imagem. Ocorre, porém, que não sou merecedor de qualquer idolatria e minha relevância social e política não é nada diante dessas mega estrelas. Além do mais, como todos têm um lado obscuro, em troca de minhas confissões também revelariam vocês as suas mazelas? Não pedirei que o façam. Em troca, terão de contentar-se somente com minha confissão de que tenho um lado B com várias faixas, algumas delas insinuadas nos poemas publicados por este Recanto. Reclamações, no guichê em frente, em quatro vias, com firma reconhecida.

Vale mais à pena voltar a Lennon para derrubarmos outras dessas bobagens que andam falando em torno do impacto de sua mensagem idealista sobre a realidade sistêmica: no curto e no médio prazo, esse impacto é zero ou próximo de zero. Notem bem, Lennon foi assassinado no início dos anos 80, década em que o projeto neo-liberal decolou de fato. Na segunda metade dos anos 70, a nova onda capitalista estava apenas “taxeando”. Ele pôs a cabeça dentro da boca do leão: foi viver nos States e pregar contra o sistema. Só podia dar no que deu, morando num país cheio de psicopatas armados (leiam a matéria abaixo publicada na Globo Online).

No curto prazo, John Lennon e a idolatria em torno de sua imagem estão dando ganhos grandes ao sistema. A longo prazo, sua mensagem comporá um caldo cultural que certamente levará a transformações – quais, é impossível prever. Lennon seria mais coerente se, falando de amor ao próximo, doasse seu dinheiro para centros comunitários da periferia de Manhattan ou Nova Dheli e fosse morar numa casinha humilde. Mas lembrem-se que ele negou Cristo, Krishna e todos os gurus, dizendo que só acreditava em si mesmo. Querem algo mais capitalista?

Ainda assim, ninguém precisa ficar com medo de se contradizer ao idolatrar Lennon e ter imóveis ou dinheiro no banco. Os sistemas não mudam porque a gente doa dinheiro. Já as revoluções costumam durar um certo tempo, antes que a velha ordem, seguindo um dinamismo tipicamente universal, retome boa parte de seu poder. Algumas pessoas mudam de vida, alguns grupos dentro de determinados contextos mudam de posição, mas a norma geral muda muito lentamente.

Quem sabe o que será das propriedades de hoje daqui a 1.200 anos? Talvez não valham nada ou não se lhes atribua o valor que hoje têm. Herdeiros podem torrar o que uma ou mais gerações construíram ou pouparam com sacrifício, inclusive o de uma vida mais autêntica, menos assoberbada por compromissos com ganhar e entesourar dinheiro.

Lennon, além de ter sido pobre na infância (não miserável), temia não poder jogar todas aquelas coisas na cara dos poderosos se não tivesse uma boa fortuna a lhe respaldar. Não estava totalmente errado, mas depois de ganhar muito dinheiro gostou da grana. Só que esta, ao final não lhe protegeu das balas de Chapman.

Sua riqueza, por outro lado, foi fruto de uma pioneira estratégia comercial, abrindo o que hoje conhecemos como mega espetáculo. Os Beatles deram ao mercado a sua parte e, dentro da lógica capitalista, era justo que ficassem com uma fatia dos lucros. Para os homens espertos do mercado, a propaganda política de Lennon, só estimulava mais o consumo. O mesmo não pensavam os jagunços do sistema (CIA, milicos norte-americanos, etc). Fizeram de tudo para expulsá-lo. O serviço sujo acabou sendo feito por um maluco que, se não foi orientado por alguém poderoso, cometeu o crime como resultado das psicopatias produzidas pela própria ordem então vigente. Morto Lennon, o culto gerou outra montanha de dólares para a indústria do entretenimento.

A conclusão a que se chega é que as contradições de Lennon são as contradições da vida humana. Se fôssemos mais esclarecidos, mais donos de nós mesmos, mais autônomos politicamente, dependeríamos de um indivíduo para nos guiar pelas sendas escuras deste mundo? Olhando aquela época de vencida, é bem mais fácil criticar o nosso comportamento de ovelhas à busca de um pastor. Ah! Como nos emocionamos e embalamos nossos sonhos com suas canções! Talvez até por nos faltar energia e habilidade política para empreendermos mudanças profundas no curto espaço de tempo da nossa juventude. Mas não nos critiquemos com tanta dureza! O que sabíamos nós disso tudo? O que sabíamos nós de nós mesmos? Foram necessários 25 anos sem Lennon para apontarmos com sarcasmo seu Lado B e começarmos a questioná-lo, num tímido arremedo iconoclasta. Quem garante que usaremos essas iluminações em projetos mais arrojados? Lennon arriscou muito mais que a maioria: primeiramente em seu ousado projeto artístico; depois em sua festiva participação política. É criticável que tenha tratado mal alguns à sua volta, mas em sua dimensão sócio-cultural continua muito importante. Se todos passarmos a fazer as mudanças (pequenas ou grandes) que são necessárias, poderemos deixá-lo descansar para sempre.

“07/12/2005 - 23h31m

Há 25 anos, John Lennon morreu com quatro tiros quando se reconciliava com a carreira

Jamari França - Globo Online

RIO - Há 25 anos hoje, John Lennon morria no saguão do prédio onde morava em Nova York. O fim brusco do período mais feliz da vida do ex-Beatle, iniciado em 9 de outubro de 1975, quando sua mulher, a artista plástica japonesa Yoko Ono, deu à luz Sean Ono Lennon, o filho que ela e John tanto desejavam. Diante do berço, ele decidiu criar Sean com todo o amor que ele mesmo não recebera, abandonado pelo pai, Fred, e pela mãe, Julia. E com a dedicação que negara ao filho de seu primeiro casamento, quando os Beatles o exigiam em tempo integral, negando-lhe a convivência com a mulher, Cynthia e o pequeno Julian, nascido em abril de 1963.

Nos cinco anos seguintes, ele se dedicou exclusivamente a Sean. Uma noite, em 1980, numa discoteca das ilhas Bermudas, ouviu "Rock lobster", do grupo new wave B-52's, que achou parecida com as músicas da Yoko. Ela fazia um som de vanguarda que todo mundo odiava, magoando John.

"É hora de pegar a velha guitarra e acordar a mulher", contou ele à revista "Rolling Stone". Em novembro de 1980, o casal lançou "Double fantasy", nome de uma flor que John vira no jardim botânico das Bermudas. A excelente repercussão do disco animou os dois, que começaram a trabalhar no disco seguinte, "Milk and Honey". E era o que faziam naquele começo de dezembro, enquanto um jovem perturbado, Mark David Chapman, transformava uma antiga antipatia por Lennon na decisão de acabar com sua vida.

Chapman se queixava de maus tratos dos pais e sua primeira revolta com Lennon foi quando soube, no grupo religioso que freqüentava em Decatur, Geórgia, que John dissera em 1966 que os Beatles eram mais populares do que Jesus Cristo. Daí ele e os amigos cantavam a letra de "Imagine "como "Imagine John Lennon is dead".

Mark usava drogas, fez tratamento psiquiátrico, teve vários empregos e não se deu bem em nenhum deles, viajou pela Ásia e Europa de mochileiro, casou com uma menina que conheceu no Havaí, transformando a vida dela num inferno. Mark lia muito, desenvolveu uma obsessão por "O apanhador do campo de centeio", de J.D.Salinger, sobre um jovem, Holden Caulfield, que enfrenta a dura realidade do mundo adulto, considerado um dos livros mais importantes do século passado.

Quando soube que John Lennon tinha voltado à vida artística, leu muito sobre ele, revoltando-se por ser ele um cara que pregava a paz e a igualdade e era um milionário, um hipócrita que se achava mais importante do que Jesus Cristo. Decidiu que iria a Nova York dar-lhe uma lição.

O livro "Mark David Chapman, o homem que matou John Lennon", de Fred McGunagle, detalha suas ações nos dias 6, 7 e 8 de dezembro de 1980, quando atingiu Lennon com quatro dos cinco tiros disparados contra o ex-Beatle.

Chapman chegou a Nova York vindo de Honolulu, Havaí, no dia seis, um sábado, hospedando-se num albergue da Associação Cristã de Moços na Rua 63, perto de Central Park West. Ele deixou as coisas no quarto e andou até o prédio Dakota, onde Lennon e Yoko tinham cinco apartamentos, a algumas quadras dali, na Rua 72. Na calçada ele conheceu duas mulheres da vizinhança, Jude Stein e Jerry Moll, que lhe disseram que Lennon as conhecia e, às vezes, trocava algumas palavras com elas.

Ele não viu seu alvo naquele sábado. No dia seguinte, sete de dezembro, o dia do ataque japonês a Pearl Harbor em 1941, ele ficou três horas na porta do Dakota e se mandou para o hotel. Numa livraria comprou um exemplar de "O apanhador do campo de centeio", porque esquecera o seu no Havaí. Comprou também uma revista ''Playboy'' que trazia a primeira entrevista de John e Yoko em cinco anos. “

Nelson Oliveira
Enviado por Nelson Oliveira em 09/12/2005
Reeditado em 12/12/2005
Código do texto: T82776