O conhecimento como teoria da percepção dos sentidos

“O balsamo que cicatriza a ferida do tempo se chama religião; o saber que nos leva a conviver com a nossa ferida se chama filosofia”. (Octávio Paz)

Por muito tempo o conhecimento foi concebido, incontestavelmente, como uma forma de revelação extrínseca ao indivíduo. O que de fato ainda hoje é postulado por doutrinas que defendem este pensamento.

Ao escrever o “Mito da Caverna” Platão ensejou este tipo de concepção ao preconizar pela busca de um conhecimento absoluto, isto é, a essência do ser. O discípulo de Sócrates acreditava existir um mundo das idéias perfeitas que seria a fonte de toda a verdade. Baseadas nestas idéias várias religiões ocidentais pautaram seus dogmas, dando assim ao conhecimento um status de revelação, sacralizado em escrituras divinas.

Contestar o conhecimento escrito nas escrituras foi um ato que rendeu a fogueira à inúmeros pensadores, ou pelo menos uma severa perseguição. Já no longínquo Xenofontes encontra-se uma idéia de oposição a esta revelação do conhecimento, dizia ele:

“Os etíopes dizem que os seus deuses têm nariz chato e são negros, enquanto que os trácios dizem que os seus têm olhos azuis e cabelos ruivos. Ora, se os bois, cavalos ou leões tivessem mãos e pudessem desenhar, pudessem esculpir como homens, então os cavalos desenhariam os seus deuses como cavalos e os bois como bois, e cada um moldaria corpos de deuses à semelhança, cada gênero do seu próprio”.

Dentro desta perspectiva o indivíduo ganha autonomia para pensar, sendo ele a medida de todas as coisas, como professara Protágoras de Abdera. Esta perspectiva de uma autonomia do homem para pensar o mundo encontra forte embasamento na obra “Ensaios” do cético Michel de Montaigne; nas palavras do autor:

“O homem sabe não ser possível escapar de si mesmo e não pode fugir da vida. Sabe não ter existência fora da fronteira onde está cercado. Sabe não ser mais do que um indivíduo que vive e morre, passando alternadamente pela dor e pela alegria. Diante de si a morte, distante ou próxima, mas sempre presente e com ressonâncias percebidas a todo o instante. É somente para si mesmo que o homem pode se dirigir para se conhecer. Ele é o ponto de partida e o ponto de chegada”.

Esta concepção preparou o terreno intelectual para que o filósofo Emmanuel Kant, na obra “Crítica da Razão Pura”, concatenasse que o entendimento não pode perceber e os sentidos não podem pensar coisa alguma, diz ele que somente quando ambos se unem é que pode haver o conhecimento. Kant protagonizou na filosofia uma profunda mudança da concepção do conhecimento.

Conhecer o que podemos conhecer de algo se tornou um premissa importante na assimilação da realidade, ou melhor, na assimilação de como a realidade se apresenta aos sentidos, sentidos que podem conter engano, distorções...

Todavia não é por este fato que irá acontecer um esmorecimento científico, pois sendo o conhecimento algo que está em constante manutenção, as teorias tendem a substituir outras, ou permanecer no caso de aproximação com o real.

Charles Sanders Peirce considerado um ícone da semiótica, prodigaliza sua tese afirmando que a ciência é a constante superação do erro. Esta idéia quebra de vez com a forma estática como era concebido o saber. Tornando a dúvida, com efeito, um gentil hóspede que senta à mesa da humanidade e que convive com ela sem lhe causar desconforto.