FIEL ÀS ORIGENS - 67 ANOS DA CASA DA BÍBLIA

Fundada há 67 anos, a Casa da Bíblia ainda mantém a missão de difundir a Palavra de Deus

O ano de 1938, para os brasileiros, foi bastante agitado. Em pleno Estado Novo, o país experimentava o governo mão-de-ferro do presidente Getúlio Vargas. Grupos radicais, como a Ação Integralista, articulavam-se nos porões, em reuniões que se iniciavam com o curioso brado “anauê!”. O mundo, conturbado, encaminhava-se para a tragédia da Segunda Guerra Mundial. Uma das poucas notícias amenas daqueles dias foi o sucesso da seleção brasileira de futebol, que pela primeira vez conseguia uma boa participação na Copa do Mundo – ficou em terceiro lugar, no campeonato disputado na França. E ainda teve o artilheiro da competição, o fenomenal Leônidas da Silva. Mas os torcedores tinham que se contentar em acompanhar os resultados pelo rádio.

Enquanto isso, em São Paulo, a iniciativa de um grupo de protestantes estrangeiros lançou as bases de uma das mais tradicionais livrarias evangélicas do país, a Casa da Bíblia, que em 2005 comemorou 67 anos. Foi na Rua Dom José de Barros, centro velho da capital paulista, que o casal de suíços Jacques e Catarina Eisenhut abriu as portas da loja pela primeira vez. Antes disso eles usavam o próprio apartamento como depósito de bíblias. Tudo era movido pela dedicação e improvisação, mas eles acreditavam estar cumprindo uma determinação divina: trazer para a América do Sul um trabalho que já florescia na Europa.

O tempo mostrou que o propósito era mesmo acertado. Atualmente, além de São Paulo, a cidade de Bauru, interior paulista, também dispõe de uma loja. Juntas, empregam 11 funcionários e vendem mais de 15 mil bíblias por ano. Pode parecer pouquinho se levados em conta os números de alguns gigantes do setor, mas o diferencial da Casa da Bíblia é, justamente, o zelo em manter o caráter eminentemente missionário trazido pelos pioneiros: “Fazemos questão de manter o ministério”, garante Aldeir Santos, gerente da Casa da Bíblia de Bauru.

Pioneirismo – A Casa da Bíblia nasceu ligada à Ação Bíblica, igreja que começou na Suíça como movimento de evangelização no início do século 20, e atua ainda hoje, inclusive no Brasil. A denominação surgiu a partir da conversão ao Evangelho do escocês Hugh Edward Alexander (1884-1957). Desde a adolescência, ele fez a escolha de dedicar a vida à pregação do Evangelho. Alexander iniciou seus estudos bíblicos no Instituto Bíblico de Glasgow, na Escócia. Disposto a espalhar as Boas Novas do Evangelho por todos os meios disponíveis, ele, radicado na Suíça, fundou a Casa da Bíblia de Genebra em 1914, com o nome de Depósito das Escrituras Sagradas e Escritório de Publicações da Aliança Bíblica.

Em pouco tempo, as Casas da Bíblia espalharam-se por outros países europeus como a França e a Itália, tendo como atividade primordial vender bíblias e dar continuidade ao processo de evangelização. Atualmente, são 13 lojas na Europa, uma no Canadá e outra em Abidjan, na Costa do Marfim, África.

Contudo, o pioneirismo custou a Alexander o seu quinhão de perseguição. Devido a intrigas, o evangelista quase foi expulso do território suíço. Mas sua inocência foi comprovada e a obra missionária mantida.

O passo seguinte foi o estabelecimento de uma Escola Bíblica, iniciativa que só teve sucesso graças à participação da comunidade. Uma arrecadação de donativos entre os crentes possibilitou a compra do terreno e o início da construção. Em menos de dois anos, as obras foram finalizadas e a escola recebeu o nome de Instituto Bíblico de Genebra. Além da realização de cultos, o objetivo da escola era preparar voluntários para missões.

De porta em porta – No Brasil, as primeiras vendas da Casa da Bíblia eram realizadas por meio da colportagem, que possibilitava, além do estabelecimento de um contato mais íntimo com os clientes, a pregação do Evangelho. Processo de vendas artesanal, a colportagem consiste no trabalho de vendedores itinerantes, que vão de casa em casa oferecendo sua mercadoria. Em 1951, a Casa da Bíblia paulistana mudou sua sede, transferindo-se para a Rua Senador Feijó, onde se mantém até hoje. Mas os negócios prosperaram. Em 1954, durante as comemorações do 4º Centenário da cidade de São Paulo, foi organizada um grande exposição debaixo da marquise do centro de convenções Ibirapuera. Entre os expositores, lá estavam os crentes da Casa da Bíblia. Na ocasião, foram vendidos milhares de exemplares, fato altamente significativo, levando-se em conta que a cidade tinha menos de um quinto da população atual e a quantidade de evangélicos era apenas um traço estatístico.

Fredy Andre Gisinger, 74 anos, suíço residente no Brasil desde 1957, foi gerente durante muitos anos da Casa da Bíblia. Ele acompanhou o desenvolvimento da instituição ao longo das décadas e lembra dos tempos difíceis. “Quando cheguei aqui, São Paulo tinha cerca de 2 milhões de habitantes. O país era dominado pela Igreja Católica e os padres queimavam as bíblias, proibindo o povo de ter acesso à Palavra.” Mas ele se confessa saudoso daquela época: “A fundação da Casa da Bíblia no Brasil, e a minha vinda para cá foram, sem dúvida nenhuma, chamados de Deus”.

Ao raiar do século 21, as técnicas de vendas, claro, mudaram muito – hoje, os pioneiros ficariam espantados em saber que é possível comprar bíblias sem sair de casa, pela Internet. Mas a Casa da Bíblia, de olho na tradição e nos bons resultados da colportagem, tem um projeto de retomar o trabalho dos vendedores itinerantes. Para isso, está criando a Casa do Colportor, organismo que dará todo o suporte necessário para quem quiser realizar essa atividade que, durante muito tempo, foi a fórmula básica do crescimento da entidade e de seu propósito. Além disso, a empresa planeja a publicação de alguns livros antigos pertencentes ao acervo da Casa da Bíblia, justamente com o intuito de resgatar a importância histórica da Ação Bíblica e permitir o acesso dos crentes brasileiros a esse material.

Carolina de Souza Martins, 58 anos, é gerente da Casa da Bíblia de São Paulo há nove anos e confessa que nem sempre é fácil levar adiante a obra missionária que era realizada no passado. “Mas fazemos questão de oferecer sempre produtos de qualidade”. A loja oferece, além das bíblias, livros, material de estudo bíblico e variados produtos de orientação cristã. Ela conta ainda que, depois que a Casa da Bíblia transferiu-se para a Rua Senador Feijó, muitas livrarias católicas também se instalaram por lá. “As pessoas confundem e pensam que a Casa da Bíblia é uma livraria que vende de tudo. Mas eu vejo isso com bons olhos, pois muitas vezes elas acabam comprando nossos produtos”.

Mas o velho Fredy, já aposentado, não admite que se esqueça que a gênese de todo o trabalho foi eminentemente missionária. “Espero que a loja continue tendo o seu ministério, que não se resume apenas em vender a Bíblia, mas também em testemunhar Jesus”. Ele gosta de lembrar de Gertrudes Sarbach, uma das primeiras gerentes que passou pela Casa da Bíblia. Ela tinha uma maneira peculiar de dirigir-se a quem entrava na loja. Ao invés de oferecer os modelos disponíveis e tentar fechar logo a compra, preferia encarar o cliente e perguntar pela sua alma: “O senhor já nasceu de novo?" Assim, mesmo que Gertrudes não tenha conseguido vender lá tantas bíblias, com certeza ajudou a povoar o céu.

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JDM

José Donizetti Morbidelli
Enviado por José Donizetti Morbidelli em 16/01/2006
Reeditado em 04/10/2022
Código do texto: T99406
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