A MÃO QUE ACENA

A MÃO QUE ACENA

Toma essa mão que acena adeus

que desentrava toda a tristeza do mundo.

U'a mão pálida

um olhar soturno. E toda a tristeza do mundo.

Mergulho meu dia na luz malsã do mercúrio

passando o dia todo com todos os dias

passando por mim,

pensando que passo no mundo.

Não! Não farei como os poetas abnegados

que deixaram nomes encravados em placas

largaram obras belíssimas aos olhos do mundo.

Passarei em claro, deitarei em escuro e terá sido tudo.

E será tudo passar assim pelo mundo ?

Se olho, não vejo; se vejo,não escuto.

Se amo não odeio; se quero, discuto.

Discuto comigo nas serras da minha cabeça

procurando caminho na aurora

aurorescendo que esse caminho aconteça.

Que aconteça de repente, feito nascimento

para que todos os caminhos desapareçam

só restando um caminho

e eu seja criança que se alimenta

de um caminho que a abasteça

que me faça dono do mundo,

senhor das coisas e da razão.

Criança vestida de homem

posando para retrato no jardim

enquanto espoucam as luzes dos dias na sala.

II

AH, toma essa mão que acena adeus.

Repousa todas as mãos e restará essa

que desentranha toda a tristeza do mundo.

Em casa, escutando sons familiares

louças que entretinem, água que jorra

parentes que falam...Essa é toda a vida.

Mas terá vida essa vida de família pelos ares ?

Será vida acalentar neste quarto o sonho da vida ?

Será vida amassar mil papéis da vida ?

Escrever mil linhas e chamá-las vida ?

O que será viver se passo em branco

todos os meus dias? Não altero nada

não provoco nada, não amo nada

sinceramente. Desejo mil coisas

e passo por elas, tão perto,

que meu desejo fica contente

e ri meu desejo em minha boca

e presto atenção no gato do hotel

na senhora que lava o rosto na pia na área

na menina que grita mãe!

nas danças de rua nas portas dos bares

Atencionado em tudo, estaciono

paro, mole e parvo, à beira de tudo

e não mudo nada, nada mudo

Por isso,

toma essa mão que acena adeus

pergunta a ela

se é viver passar ao largo do mundo.

Mas pergunta ríspido e forte

que essa mão tonta

às vezes faz-se de surda

para passar sem resposta

a tantas perguntas absurdas.

III

Toma essa mão que acena adeus

Reconforta-a no desenho do teu seio

aqueça-a com o calor do teu corpo.

Não tenha medo do homem atrás da mão !

O homem é uma coisa de pó

finíssimo, que toma a forma de jarro

onde derrama-se uma gota de poesia.

Forma-se o miraculoso barro

d'onde surge essa mão

que levanta-se do pó para tornar-se mão

para acenar adeus à própria vida

ou a vida do próprio irmão.

Quantas vezes o homem detrás da mão

bem oculto pelas falanges aneladas

esteve louco de tanto olhar

e não ver outra mão?

Eram jarros sem pingo de poesia

que marchavam lá fora

rolavam, chocando-se com tanta força

que rompiam espalhando o pó

Pó tão espesso, tão pesado

que logo tomou a cidade

cobriu o céu até não se ver estrela.

O pó alevantado não assentava

Tranquei-me em livros, armadilhas de amar,

em corpos frios de copos vazios

cofres antigos de segredos perdidos

Mas o pó achou-me

A poeira pesou meus ombros

Eu a respirei

Quando abria a janela, não pasmei:

estava infecto, imundo, não ventilado

Aquele pó era o mundo

e o mundo não cabia no vaso.

Toma, urgente, essa mão que acena

Beija-a, abraça essa mão que não repousa

que insiste acenando adeus

coberta de um pó que não se afugenta.

IV

Oiço tantos sons familiares

o relógio, a buzina, o assobio desafinado

os passos da menina, o grito do soldado

Nessa janela, abismado

confirmo com meus olhos

que minha família está pelos ares

Durmo preocupado

sonhando com o pó envenenado.

V

Vamos, toma logo essa mão

não a deixa ao acaso

tentando erguer-se da mesa

estando o corpo anestesiado.

Não te apavores, amada, não te apavores!!

Hás de ver tantas mãos acanhadas

que hás de implorar pela minha mão que te acode

empurrando teus passos pela estrada.

Minha mão, no silencio da chuva que desaba

está fria, morta, quieta

lutando contra o vício que a descarna.

Minha mão não quer ser poeta

não quer o formol das estantes

não anseia taças

póstumas pousadas na sua palma sem semblante.

A mão quer a paz dos arvoredos

quer o canto das aves trinadoras

o vôo da rapina mais absoluta

a envergadura de asas perfeitas

Minha mão quer dormir um sono tranqüilo

sabendo que a poesia pulou o muro

saiu do quintal esquisito

e veio cá fora respirar ar mais puro.

Minha mão quer liberdade

quer justiça.

Uma justiça sem mãos

sem crinas

Minha mão que acena adeus

não quer abrigar sonhos em sua morada

Não quer estalar patíbulos

não escalar horas marcadas

Minha mão quer ser amada !

Quer que tu a toques

com cada dedo da tua alma

Minha mão que acena adeus

acena a Deus

que do longe, das estrelas,

acena duas mãos perfeitas

à minha mão deformada.