https://youtu.be/5oM_bhcH8dM?feature=shared
Do Homem que Buscava Felicidade nas Páginas da Dor e Do costume matinal
Acordei de sono restaurador e me achando um sujeito grato, de riso engomado,
coçando as ideias com olhos de esperança,
na mesa, um pão de milho, café já passado pela Musa,
no peito, aquela sensação de segurança e conforto, porém, como todo poeta, sinto dever de compartilhar alguma análise, como moeda sem dono.
Folheio jornais como quem reza salmos,
procurando na letra um fiapo de alento,
mas só acho colunistas, gritos, calmos
anúncios de cremes, dívidas e lamento.
"Cadê", eu brado, "a tal felicidade?"
Será que escorreu pra seção de esportes?
Ou fugiu pros horóscopos da espiritualidade?
Ou caiu nos classificados, entre cortes?
Da seção de política
Primeiro, topo com os deputados
aos tapas, aos trocos, aos cochichos.
Promessas podres, egos inflados,
comendo os pobres entre os pastiches.
Na pauta, uma CPI tardia e murcha,
com fraude no INSS e velhas carniças.
Leem a ata com cara de bruxa,
e aumentam o IOF em noites subversas.
“Feliz serei quando a lei for decente!”
Mas lembro: já roubaram até aposentado!
E o Congresso, de tão conivente,
parece um bordel disfarçado de Senado.
Toda vez que me pego a ler as pautas políticas, digo valha-me Deus, que algum se salve e salve o mundo, mas jogo dez anos de estudos ecumênicos fora por não ter a prática de não sentir raiva pelas injustiças deste reino.
Do horóscopo e dos conselhos celestes
Lá vêm os astros, em tom cauteloso,
dizendo que é dia de crise e tropeço:
Áries, que cale o impulso furioso,
Touro, que aguente seu próprio começo.
Gêmeos, que esconda as ideias tortas,
Câncer, que aprenda a dizer adeus.
Leão, que escreva e depois aborte,
Virgem, que traduza seus “eus” pra os seus.
Libra, recolha-se entre seus espelhos,
Escorpião, não reaja com tanta paixão.
Sagitário, poupe-se de conselhos,
Capricórnio, largue o sermão do patrão.
Aquário, que escute mais que arrote,
Peixes, que não gaste se não entender.
Ou seja: a sexta é de evitar o chicote...
Mas o chicote, ah!, virá sem você querer.
Do caderno da saúde moderna
Abro a revista com título em caixa:
“O novo mapa da dor”, — que graça!
Milhões de dores, lombares, mentais,
uns choram no sofá, outros nos hospitais.
Fibromialgia, herpes, zóster, joelho
em crise por causa do beach tennis
o corpo é um campo em constante conselho,
e a alma — um silêncio de muitos remixes.
Ora-pro-nóbis virou panaceia de cápsula,
a comida de verdade? Só no pensamento!
E quem cozinha ainda sem ajuda digital
só pode ser monge, do templo de algum convento.
Do frio molhado que dói mais que a dor
Chegou o inverno antecipadamente, disseram aqui Sul,
com chuvas e perdas nos vilarejos e cercanias, quem mais sofreu foi o interior.
Mais de noventa cidades em luto azul,
e a Defesa Civil medindo os lampejos.
Enquanto isso, os microplásticos no sangue,
o colírio que cega antes de curar,
e o Nobel da gastrite que hoje é pangaré
frente à inflação que começa a nos operar.
Este cronista, então, pensa em silêncio mortal:
"Talvez a felicidade esteja no arroz integral...
Ou no chá de camomila com eritridol,
ou nas pílulas milagrosas do capital."
Das manchetes fatais e farsescas
Se a guerra nuclear começar no agora,
em 72 minutos vira-se pó e memória.
A manchete é clara, sem demora:
"Prepare-se para o fim — sem escapatória!"
Mas antes que o mundo desabe, enfim,
vem a Veja e diz: “floresça em seis pilares”.
Caráter, propósito, saúde, amor sem fim —
e conta os países que sorriram... em lares.
O Brasil, que de tanta esperança cambaleia,
ficou no meio da lista, com dor e cachaça.
Israel, Indonésia, México em centelha,
e o resto, entre fármacos e a desgraça.
Do epílogo (ou o desfecho do caos matinal)
E o nosso leitor, já tonto de presságio,
encerra as revistas com um suspiro fundo:
“Nem Buda, nem Freud, nem Maomé, nem Moisés, talvez Jesus (igual São Tomé, estou só por Ele) nem oráculo selvagem,
resolve o destino torpe deste mundo!”
Pensa então: “Se é pra sofrer tanto assim,
e os céus só me mandam silêncio e trapaça,
melhor fazer o almoço e lavar a louça,
do que apostar na sorte lá fora.” Há quem pense que cozinha é para fracassados, mas dividir o pão é o que nos resta neste momento árido.
Conclusão moral
Quem busca nos jornais a redenção,
encontra é boletim de desilusão.
Mas rir do caos é quase oração,
e o riso, sim, ainda salva o cidadão.
Que seja feita a vontade do Criador, cada um colherá de acordo com suas obras. O Divino foi mesmo meticuloso, ou do contrário, a vida é mesmo uma grande ficção. Que tenhamos sempre o beneplácito da dúvida e da esperança amorosa e fraterna, sem dicotomias fúteis e oposições que nos prendem aos ciclos de desespero ou resgates doloridos.
Decimar da Silveira Biagini
Na Cruz Alta-RS, aos 20 de junho de 2025.