O Pano Azul

Sobre a mesa, aquela mesinha marcada pelo tempo, repousa insueto, sob aquele olhar inspeto de dona Luíza, um pano de seda azul com bolinhas brancas. Suas hábeis mãos de costureira, dão forma ao tecido que lhe apraz.

Dona Luíza era uma senhora taciturna, de semblante zetético, todos queriam fugir de suas vistas, e seus olhos mais pareciam um aparelho de Raio X. Seu vestido longo, era um jardim florido, de pano-de-chita, com grandes bolsos, onde ela guardava, entre outras coisas, o tabaco que fumava.

Seus cabelos crespos já quase todos braços, presos por um fitilho, enastrando em forma de caracol, me fazia lembrar dona benta, do sitio do pica-pau amarelo, memórias de minha infância. Mas, ela nunca via aquele pano, o desprezo lhe era por fado.

Então lhe indaguei... Dona Luíza...houve silêncio...Ei, Dona Luíza...não tive resposta. Achei que Dona Luíza não me havia escutado. De repente, minha inquieta expectação é quebrada, por aquele temperar de garganta, eu gelei. Nada mais era de se dizer, perguntar seria uma blasfêmia, eu havia entrado no mundo silencioso de sua criatividade, como se estivesse interpelado o padre na missa de domingo. Mas eu queria saber daquele pano...

Cabeça que não pensa, dizia minha mãe, o corpo padece; mas, conquanto avisado, resolvi perguntar. Dona Luíza, me responda uma coisa; falei olhando assustado para aqueles olhos zetético, que me espreitavam. Ela olhou-me sem nada dizer, como se dissesse vá cuidar de sua vida, agora, e depois me disse: venha cá, venha... o que você quer? Eu, meio engasgado disse, porque a senhora não usa aquele pano azul de bolinhas brancas?

Ela respondeu, pegando o pano.... Esse pano é... é um retalho, restante de um corte que ficou de um vestido que eu fiz, ainda não é tempo de usá-lo para isso. Mas, quando chegar a hora me servirá muito bem ao seu propósito. Falou dona Luíza, carinhosamente acariciando o tecido, com olhar de saudade, de alegria suplantada, coisa de um amor que se foi para nunca mais, mas que deixou saudades agudas, e eu que nunca pensei que ela soubesse amar.

Esse retalho de seda azul, meu filho, fez parte do tecido que me foi vestido no dia do meu casamento com Janaro, homem simples, de poucas palavras, mas que me fez tão feliz como nunca fui, e agora só a saudade e a esperança de um dia vê-lo no jardim do Criador.

A Saudade é uma dor que não dorme cedo, dizia dona Luíza, com os olhos rasos d'água.