Poema à boca fechada (José Saramago)

Publicado por: Ariadne Cavalcante
Data: 24/02/2018
Classificação de conteúdo: seguro

Créditos

Texto: Poema à boca fechada Autor: José Saramago Recitação: Ariadne Cavalcante Música:Missa Johunouchi Asian wind(piano)
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Poema à boca fechada

Poema à boca fechada

Não direi:

Que o silêncio me sufoca e amordaça.

Calado estou, calado ficarei,

Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,

Se represam, cisterna de águas mortas,

Ácidas mágoas em limos transformadas,

Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:

Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,

Palavras que não digam quanto sei

Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,

Nem só animais boiam, mortos, medos,

Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam

No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,

Crispadamente recolhido e mudo,

Que quem se cala quando me calei

Não poderá morrer sem dizer tudo.

José Saramago

José Saramago
Enviado por Ariadne Cavalcante em 24/02/2018
Código do texto: T6263010
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