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Nasci há muito tempo, em um lugar muito longe daqui, em uma época que não era a minha, e em um tempo que não era o meu. Nasci mulher, para minha bênção e minha maldição. Muitos homens me amaram, mas não eram "o homem" que eu queria, nem souberam me amar como eu gostaria. Quando jovem, fui bela, possuindo características aristocráticas. Fui agraciada ou amaldiçoada com uma inteligência acima da média, que se encarregou de afastar de mim os únicos homens a quem poderia amar. Durante cinqüenta anos, fui dócil, obediente, enfim, uma mulher exemplar, dentro dos padrões de feminilidade inculcados pelo "habitus", segundo Pierre Bourdieu.
Aos cinqüenta anos, nasci.
Vivi tanto tempo dentro de padrões preestabelecidos (que me violentaram continuamente, a ponto de quase perder minha identidade, aflorando esta em alguns rasgos de inteligência que transpareciam em pequenos gestos, palavras, ações e criações), que precisei de um esforço sobre-humano para me encontrar. Achei-me e me "des-velei", e deixei-me conhecer... E conheci... Entretanto, continuo despertando amores, mesmo sem conhecer o jogo da sedução. O homem que busquei, encontrei: mas tarde demais... Então, melancolicamente, tendo-me achado, perdi-me. Como último estertor da vida que ainda existe, comecei a criar... Recriar... Gravar em arte o que a vida me tirou. Por isto, estou aqui.