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Luiz Miguel

_Eu, como todo ser humano tenho defeitos e qualidades, sendo que a segunda sobre sai a primeira.
Em eu sendo alguém sem vida própria, vivia em função da vida alheia, algo inconcebível mediante aos olhos atônitos, das pessoas. Tudo começa no ano de 1994, mais precisamente em 24 de dezembro, por volta das dezoito horas. Era o início do verão, estava prestes a descobrir o pior daquela estação.
Naquele dia em especial, me sentia desanimado, pouco à vontade. Sentindo-me sufocado, sem ânimo algum para participar de qualquer tipo de comemoração, o que era um grande motivo de preocupação, já que sempre fora um boêmio incorrigível e tinha uma vida social muito ativa. Isso quando saia para qualquer lugar onde encontrasse algumas doses de álcool! Meu passaporte para alegria! Meu Deus, quanta ingenuidade! O pior era que eu sabia disso e no entanto não fazia nada para mudar!
Mesmo desanimado não resisti àquele convite. Inocente, mais não despretensioso. Embora eu soubesse que aonde íamos com toda certeza encontraríamos bebidas alcoólicas! Não quis parecer estraga-prazeres por não aceitar aquele convite! Coisas do destino, pois eu nunca havia me importado com a opinião dos outros, porque sempre soube o que pensar e como agir diante de situações como aquela. Parecia mesmo que aquele era um dia para não ser esquecido, ao menos para mim, o que aconteceu comigo a seguir seria uma lembrança, uma marca eterna.

Eram por volta das cinco horas daquela tarde de verão. Com o relógio adiantado em uma hora, medida tomada por governantes já há vários anos aqui no Brasil, devido ao alto consumo de energia que era crescente. Algo que me levou a ter a péssima idéia de esperar uma hora a mais. Quando vi quantas horas eram não perdi tempo, então me pus a caminhar rumo a um laguinho artifícial, originado por águas da chuva que caíra alguns dias antes.

Depois do fato ocorrido, algo que me chamou a atenção foi o fato de aquele dia eu ter consumido uma ínfima quantia de bebida. A boa, porém traiçoeira cachaça! Digo ínfima quantia, porque quando me dispunha a beber, bebia até entornar, ou acabar o estoque, não havendo limites para tal.

Entrei na água e constatei o obvio, além de um pouco fria mesmo nós estando no verão, estava suja aquela água, devido à mesma chuva que formou aquele lago, e este também era raso, medindo meio metro de profundidade ou um pouco menos.

Segundos depois de me jogar naquele laguinho nem no maior de meus pesadelos poderia imaginar o quanto minha vida mudaria. Coragem, persistência, otimismo e esperança, foram essenciais para que eu pudesse enfrentar seis meses em um leito de hospital, após fraturar a quinta vértebra cervical.

Após os seis primeiros meses nenhuma alteração foi constatada no meu quadro clínico e físico, então recebia alta sem nenhuma perspectiva de vida, afinal me encontrava tetraplégico e totalmente dependente, mesmo depois de ter passado por um hospital de reabilitação. Naquele dia eu não sabia ao certo como alguém naquela situação sobreviveria neste mundo de preconceitos e discriminação. Não sabia de onde tiraria forças para enfrentar tantos obstáculos e desafios, mas o fato é que milagres existem e por isso hoje estou aqui escrevendo para vocês.

Após passar um curto período junto à minha família, onde fui incentivado por eles a reaprender alguns hábitos corriqueiros como, escovar os dentes, levar uma colher de comida à boca, e porque não lembrar daquela coceirinha chata na ponta do nariz ou na orelha onde não conseguia levar minha mão. Enfim coisas que parecem não ter importância, mas quando perdidas e reconquistadas, se tornam uma dádiva, um verdadeiro milagre! Sentia-me como uma criança após os primeiros passos, não cabendo em mim de tanta satisfação. Um sorriso puro e até infantil, tomava conta de minha face e emocionava minha mãe, que otimista sonhava com a forte possibilidade em ver-me andando novamente. O que eu já sabia ser improvável, pois apesar de ser um otimista incorrigível eu também mantinha os pés no chão, procurando ouvir atentamente cada diagnóstico, cada conselho, cada palavra dita pelos os médicos que me acompanharam naquela longa e desgastante caminhada. Mais não deixava de sorrir, de agradecer a cada movimento refeito com sucesso, ou como queiram chamar. A verdade é que eu ia me sentindo mais vivo a cada conquista! Em pouco mais de um mês em casa fui levado a um outro hospital de reabilitação, esse sim especializado no aparelho locomotor,"Associação das Pioneiras do Brasil, Sarah Kubitschek". Ali recuperei uns cinqüenta por cento dos movimentos dos meus braços o que foi excepcional, já que esse ganho e mais algumas adaptações, eu poderia até mesmo ter uma profissão. Recuperando minha alto-estima, dignidade e amor próprio. Sentimentos esses que após os perdermos dificilmente nossa sobrevivência permanece digna, por depender de segundos para nossa sobrevivência. Foi então que com o passar dos anos descobri que um homem é mais que pernas e braços. É seu caráter, sua postura, sua honestidade, entre outras qualidades ignoradas por muitos! Hoje após mais de uma década, me sinto pronto para o mundo e podendo contar com o apoio e generosidade de muitos que estão me ajudando a carregar esse fardo, já não se mostra tão pesado como no início da jornada!

Um dia eu espero e que esse não esteja longe, serei uma pessoa independente financeiramente, a custa do meu trabalho, então estarei realizando meus sonhos e alcançando meu objetivo.