Wiliam César Alves Machado, escritor brasileiro, pesquisador da qualidade de vida e saúde das pessoas com deficiência e professor universitário, nasceu no dia 28 de dezembro de 1951 em Três Rios, Estado do Rio de Janeiro. Filho de Euclides Alves Machado e Maria de Lourdes Neves Machado, terceiro da progênie de sete, precisou assumir o papel de primogênito devido à mudança prematura do plano existencial dos irmãos mais velhos. Nesse papel, pautou-se no cultivo da imagem impecável e exemplar dos pais para nortear pensamentos, palavras e atitudes dos demais membros da família. Em 1994 voltou a morar com a mãe, fiel escudeira, que a cada novo dia se revela presença incansável do amor materno e extremo vínculo transcendental que não se esgota com a linguagem humana.

Durante mais de dezesseis anos dedicou-se à prática assistencial de enfermagem em alguns hospitais da cidade do Rio de Janeiro, especialmente no Hospital de Ipanema, do Ministério da Saúde, instituição hospitalar da rede pública federal. Concomitante à prática clínica e assistencial, exercia função docente no Departamento de Enfermagem Fundamental da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto [EEAP], da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro [UNIRIO], por acreditar essencial ao pertinente desempenho docente, a aproximação e o efetivo vínculo com a realidade dos contextos da prática em saúde. Profissional responsável, verdadeiramente comprometido com a árdua, mas sublime tarefa de cuidar do ser humano nos momentos mais vulneráveis da vida, sempre pautou a sua ação profissional na empatia como princípio salutar da interação enfermeiro-cliente: “O bom enfermeiro não deve ser uma pessoa de quem se supõe deter apenas conhecimento científico, mas de quem se espera que saiba se colocar no lugar de seus clientes”.

Enfermeiro ávido pela assimilação de conhecimentos que subsidiassem a sua práxis e professor universitário da Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, instituição pioneira na formação profissional de enfermagem e uma das mais tradicionais escolas de ensino superior de enfermagem do Brasil, Wiliam Machado não poupou esforços para progredir em sua carreira acadêmica, obtendo importantes titulações profissionais: Especialização em Administração Hospitalar, pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (1978); Residência em Administração Hospitalar pela UERJ (1982); Mestrado em Enfermagem de Saúde Pública, pela Escola de Enfermagem Alfredo Pinto, UNI-RIO (1988) e Doutorado em Ciências da Enfermagem, pela Escola de Enfermagem Anna Nery, UFRJ (1996).

Inúmeras vezes, ao longo das veredas existenciais, encontramo-nos à mercê das adversidades. Assim, na noite do dia 30 de outubro de 1994, ao chegar à sua casa após extenso dia de atividades acadêmicas no programa de doutoramento da UFRJ, Wiliam Machado foi assaltado por um psicopata que o agrediu com uma tesoura, deferindo-lhe possantes golpes na cabeça. Vítima da bestialidade humana teve o curso de sua vida significativamente alterado, iniciando um longo calvário mesclado pela angústia inerente à nova condição vital e pelo choque diante das ações profissionais desumanas praticadas por muitos profissionais de saúde em suas relações com os pacientes, principalmente os com necessidades especiais.

Chegou à ABBR cinquenta dias após a monstruosa violência sofrida, período no qual foi submetido a duas craneotomias, apresentando diagnóstico médico de tetraplegia espástica e um cético prognóstico de longo prazo, reservado à inexpressiva possibilidade de reconquista funcional dos braços, mãos e demais partes do corpo, além da dificuldade em conseguir reajustar o equilíbrio e alinhamento do tronco. Quadro clínico e funcional de Tetraplegia que se tornou reversível, graças a muito esforço pessoal despendido e a contínua prática introspectiva rumo aos domínios das camadas mais profundas do seu Eu Superior.

No artigo intitulado: Dor e transcendência na casa de provação; A prática e a representação de um enfermeiro “(d) eficiente” físico. (Cadernos de Pesquisa – Cuidado é Fundamental do DEF – EEAP – UNIRIO – VII – Nº. 2 – Julho/Setembro/97, pp. 86-103.), Wiliam Machado faz um emocionante relato autobiográfico dos momentos mais críticos vividos no setor de hemiplegia e na enfermaria 101 do SUS-ABBR, durante os 353 dias que ficou internado nessa instituição especializada em reabilitação, na cidade do Rio de Janeiro, como simples e anônimo “paciente” do SUS (Sistema Único de Saúde). O trabalho registra, critica e denuncia o comportamento antiético e as ações desumanas de muitos profissionais de enfermagem e membros da equipe de reabilitação do turno matutino, quando interagiam com os clientes para desenvolverem seus procedimentos terapêuticos de rotina. “Na enfermaria, a condição de tetraplégico requeria ajuda da enfermagem até para uma mínima mudança ou ajuste de posição na cadeira (como medida de conforto para aliviar a ardência nas nádegas, devido ao longo período sentado numa cadeira de rodas e a consequente compressão dos tecidos), além de higiene corporal, inclusive escovação dos dentes, alimentação na boca, vestir, calçar, dentre outras. Situações que, ao invés de sensibilizar os membros da equipe a intervir com gentileza, amor, fraternidade, altruísmo, frequentemente, levava-os a atender com arrogância, rispidez, indisposição, nojo, desprezo e todo tipo de reação adversa aos princípios éticos e humanitários que permeiam um saber e um fazer pressupostamente altruístas e sagrados. O mesmo acontecia no Setor de Hemiplegia (espaço reservado para atuação dos fisioterapeutas no atendimento dos clientes portadores de sequelas por lesões cerebrais), local onde, não raro, presenciávamos cenas de autoritarismo e abuso de poder para com os clientes.

Por outro lado, “Os auxiliares de enfermagem esfregavam o corpo da gente, durante o banho, como se estivessem limpando o chão de suas casas, um balcão ou um objeto inanimado qualquer... eles não levavam em consideração que a pele é repleta de terminações nervosas... também, os enfermeiros não faziam supervisão do cuidado de enfermagem... pareciam estar mais dedicados aos aspectos burocráticos institucionais... os fisioterapeutas, por sua vez, restringiam seus compromissos para com os clientes aos 30 minutos de sessão na Hemiplegia... quantas vezes presenciei um e outro jovem cliente passar por situações de extremo constrangimento ao ser devolvido para as enfermarias evacuados e/ou urinados, para que a enfermagem os limpasse... os paraplégicos evitavam ingerir as dietas para evitar "pagar mico", enquanto a equipe multiprofissional nem se dava conta dos problemas enfrentados pelos clientes.

E mais, “Ser abandonado no leito com o corpo nu após o banho e com a porta aberta; esperar a boa vontade para ser atendido quando se está sentindo imenso desconforto postural; sofrer advertências por tocar a campainha para solicitar alguma ajuda; servir de "chacota" em situações humanamente impossíveis de se controlar.

 “No início, ainda tetraplégico, tudo era muito mais difícil, principalmente acostumar com as compressas de gelo e os pesados exercícios de fisioterapia... estava consciente que se tratava de uma dor necessária... antes de começar a sessão, elevava o pensamento a Deus e fazia uma prece pedindo por forças para suportar as dores físicas... o mais difícil era suportar o descaso, as humilhações e agressões sofridas na enfermaria do SUS... sem outra opção, procurava controlar as minhas intervenções quando presenciava algum procedimento técnico de enfermagem sendo desenvolvido de maneira errônea... quantas vezes fiquei esperando a boa vontade de ser atendido pela enfermagem... eles faziam um tipo de boicote como forma de intimidar as minhas observações quanto aos erros grosseiros que cometiam.

“Muitas vezes, procurava interceder a favor de um e outro cliente, na tentativa de sensibilizar os profissionais com sugestões do exercício da empatia. Na maioria delas recebia represálias do tipo: Você aqui é um simples paciente ou essas coisas só funcionam na teoria, professor.” Comportamentos e ações profissionais reprováveis, completamente adversos ao que se apregoam nos cursos que fizeram, inclusive contradizendo tudo que ele ensinava e desenvolvia na prática clínica.

Inconformado com o que presenciara e vivera durante esse marcante período de sua vida, decidiu integrar-se ao grupo dos que lutam em prol de um propósito maior, abraçando a causa inclusiva dos 14,5% da população brasileira formado por pessoas com diferentes deficiências.

Na luta pela inclusão, Wiliam Machado é uma das mais aguerridas vozes nacionais que ecoam em uníssono, determinadas a romper barreiras sociais, ideológicas, culturais e políticas que segregam expressiva parcela do contingente populacional brasileiro. Através dos seus livros (Minha prisão sem grades – Uma abordagem semiótica de reabilitação em enfermagem; Tempo, espaço e movimento: O “ (d) eficiente” físico, a reabilitação e o desafio de sobreviver com o corpo partido; Reabilitação: Um desafio para pessoas, famílias e sociedade.) e vários artigos publicados em periódicos e veículos afins, ele desmascara a realidade excludente, propõe ações inclusivas simples, perfeitamente viáveis e traz à tona questões dialógico-reflexivas relacionadas aos direitos já assegurados às pessoas com deficiências pelo Decreto Lei 5.296, de 4 de dezembro de 2004; pela Lei 7.853/89 que dispõe sobre a criação da CORDE (Coordenadoria Nacional de Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), garantindo tratamento igualitário e plenos direitos de cidadania; pela ABTN (Associação Brasileira de Normas Técnicas) que baixou a NBR 9050/94, determinando parâmetros oficiais de acessibilidade para os ambientes sociais, estabelecendo, inclusive, medidas padrão para larguras das portas das enfermarias, quartos, as respectivas adequações das instalações dos banheiros, materiais, equipamentos e outras providências; pela portaria 1884/GM – 1995, do Ministério da Saúde que respalda estas leis e normas. Direitos estes, assegurados, mas infelizmente não observados pela maioria das instituições públicas e privadas deste imenso país; por inúmeros cidadãos brasileiros enquadrados nos padrões “normais”, porém deficientes de alma. Alma desprovida dos mais nobres sentimentos humanitários como a solidariedade, a fraternidade e o amor incondicional.

Fundador e Presidente do Conselho Municipal para a Política de Integração da Pessoa com Deficiência de Três Rios – RJ (gestão 2003/2006), Coordenador do Projeto de Pesquisa, financiado pelo convênio entre a Universidade Presidente Antônio Carlos [UNIPAC] e a Fundação Nacional de Desenvolvimento do Ensino Superior Particular [FUNADESP], que visa à promoção da qualidade de vida e saúde das pessoas com deficiência de uma comunidade carente de Juiz de Fora – MG, Wiliam Machado é, sem dúvida, um extraordinário ativista pró-inclusão das pessoas com necessidades especiais no contexto da sociedade brasileira, especificamente no que tange aos direitos de acesso aos Serviços de Saúde. Como educador e cidadão consciente, atua sistematicamente em defesa dos direitos de inclusão e cidadania dos portadores de deficiência no âmbito do ensino, pesquisa e extensão universitários, além de convergir esforços e estimular a emersão da consciência cidadã dos familiares e demais envolvidos no contexto e na vida cotidiana desses seres humanos tão especiais, porém duramente rotulados por uma sociedade consumista e excludente que prioriza o ter em detrimento do ser.

Wiliam Machado não permite que os limites impostos pela paraplegia dominem o seu espírito guerreiro e altruísta, sendo, inclusive, profundamente grato à oportunidade outorgada pela Sabedoria Única de experienciar a condição de pessoa com deficiência, até porque a mesma representa contingência favorável à abertura e ampliação de sua consciência interior, rumo aos domínios subjetivos, suprafísicos e intuitivos de valor inestimável; caminho esse, de difícil acesso àqueles que vivem acomodados com a performance física padrão. Logo, sua militância a favor de causa humanitária, em especial, ao segmento de pessoas com deficiência, advém do compromisso existencial que transcende à dimensão da consciência humana material. Ou seja, segue o fluxo anímico do caminhar em sintonia com o que seu mundo interno sinaliza, determina, mostra, desvela. O que não o impede de servir-se dos instrumentos legais para se fazer cumprir elementos da realidade concreta, quando estritamente necessário.

Wiliam César Alves Machado - insigne exemplo de fé, persistência, coragem e determinação diante das adversidades existenciais - é prova personificada da luta guiada por um significativo propósito humanitário voltado para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e inclusiva.

Maria Aparecida Giacomini Dóro
Enviado por Maria Aparecida Giacomini Dóro em 13/08/2008
Reeditado em 15/05/2022
Código do texto: T1127031
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