Álvares de Azevedo

Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em 1831 em São Paulo, e faleceu no Rio de Janeiro em 1852. Acometido pela tuberculose, morre antes de completar 21 anos. Sua obra não foi publicada em vida. É considerado o melhor poeta desta geração, e maior representante da poesia byroniana. Seus poemas expressam uma concepção de amor que ora idealiza a mulher, identificando-a como um anjo, ora representa-a envolvida por um grande erotismo e sensualidade. Cultivou também o tema da morte e do escapismo, quase sempre expressos num tom triste e amargurado. As poesias de Álvares de Azevedo constituem o melhor exemplo do Ultra Romantismo brasileiro.

Manuel Antônio Álvares de Azevedo

Poeta brasileiro. Expoente do movimento romântico no Brasil.

Romantismo

Impregnado de literatura européia, que dominou com grande precocidade, e da melancolia e morbidez associadas ao ultra-romantismo, Álvares de Azevedo foi o mais típico poeta brasileiro da escola byroniana que se constituiu em São Paulo em meados do século XIX.

Manuel Antônio Álvares de Azevedo nasceu em São Paulo SP em 12 de setembro de 1831. Após concluir, em 1847, o curso secundário no Colégio Pedro II, no Rio de Janeiro, matriculou-se em 1848 na Faculdade de Direito de São Paulo. Aluno muito aplicado, fez parte da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano e tornou-se amigo íntimo de Bernardo Guimarães e Aureliano Lessa, com os quais formou um trio dos mais famosos por seus excessos românticos.

Deixaram marcas profundas no poeta os desencantos românticos, a exaltação dos sentidos, a crítica à vida social conformista e, desde cedo, a obsessão da morte. Muito admirado por seus contemporâneos, embora quase nada tenha publicado em vida, sobressaiu-se sobretudo pelo feitio íntimo de seu lirismo, que exerceu notável e prolongada influência nos poetas brasileiros que lhe sucederam.

Suas obras completas, como as conhecemos hoje, após a publicação póstuma dos versos e textos em prosa, compreendem Lira dos vinte anos; Poesias diversas; Poema do frade e O conde de Lopo, poemas narrativos; Macário, "tentativa dramática"; Noite na taverna, episódios romanescos; a terceira parte do romance Livro de Fra-Gondicário; os estudos críticos sobre Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla; alguns artigos, discursos e 69 cartas.

Submetidas a constantes reedições, algumas dessas obras, como Macário e Noite na taverna, foram muito populares até meados do século XX. Em numerosos poemas que também ficaram célebres, os desencantos do autor são tingidos por uma terna ironia adolescente. É o caso de "Lembrança de morrer", onde ele diz: "Descansem o meu leito solitário / Na floresta dos homens esquecida, / À sombra de uma cruz, e escrevam nela: / -- Foi poeta, sonhou e amou na vida".

Em "O poeta moribundo", o mesmo tema lhe permitiu fundir com mais clareza os dois lados, o humorístico e o sentimental, de sua lira: "Eu morro qual nas mãos da cozinheira / O marreco piando na agonia... / Como o cisne de outrora... que gemendo / Entre os hinos de amor se enternecia."

Atacado pela tuberculose, Álvares de Azevedo morreu em São Paulo, aos vinte anos, em 25 de abril de 1852. Pouco depois, com as primeiras edições das Poesias (1853 e 1855), sua obra imatura mas transbordante de talento consagrou-o de vez como um dos nomes mais representativos de toda a saga romântica.

Álvares de Azevedo, poeta, contista e ensaísta, nasceu em São Paulo em 12 de setembro de 1831, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 25 de abril de 1852. Patrono da Cadeira n. 2 da Academia Brasileira de Letras, por escolha de Coelho Neto. Era filho do então estudante de Direito Inácio Manuel Álvares de Azevedo e de Maria Luísa Mota Azevedo, ambos de famílias ilustres.

Em 1848 matriculou-se na Faculdade de Direito de São Paulo, onde foi estudante aplicadíssimo e de cuja intensa vida literária participou ativamente, fundando, inclusive, a Revista Mensal da Sociedade Ensaio Filosófico Paulistano. Entre seus contemporâneos, encontravam-se José Bonifácio (o Moço), Aureliano Lessa e Bernardo Guimarães, estes dois últimos suas maiores amizades em São Paulo, com os quais constituiu uma república de estudantes na Chácara dos Ingleses. O meio literário paulistano, impregnado de afetação byroniana, teria favorecido em Álvares de Azevedo componentes de melancolia, sobretudo a previsão da morte, que parece tê-lo acompanhado como demônio familiar.

Imitador da escola de Byron, Musset e Heine, tinha sempre à sua cabeceira os poemas desse trio de românticos por excelência, e ainda de Shakespeare, Dante e Goethe. Nas férias de 1851-52 manifestou-se a tuberculose pulmonar, agravada por tumor na fossa ilíaca, ocasionado por uma queda de cavalo, um mês antes. A dolorosa operação a que se submeteu não fez efeito. Faleceu às 17 horas do dia 25 de abril de 1852, domingo da Ressurreição. Como quem anunciasse a própria morte, no mês anterior escrevera a última poesia sob o título "Se eu morresse amanhã", que foi lida, no dia do seu enterro, por Joaquim Manuel de Macedo (autor do livro "A Moreninha").

Entre 1848 e 1851, publicou alguns poemas, artigos e discursos. Depois da sua morte surgiram as Poesias (1853 e 1855), a cujas edições sucessivas se foram juntando outros escritos, alguns dos quais publicados antes em separado. As obras completas, como as conhecemos hoje, compreendem: Lira dos vinte anos, Poesias diversas, O poema do frade e O conde Lopo, poemas narrativos; Macário, "tentativa dramática"; A noite na taverna, contos fantásticos; a terceira parte do romance O livro de Fra Gondicário; os estudos críticos sobre Literatura e civilização em Portugal, Lucano, George Sand, Jacques Rolla, além de artigos, discursos e 69 cartas.

A característica intrigante de sua obra reside na articulação consciente de um projeto literário baseado na contradição, talvez a contradição que ele próprio sentisse, na condição de adolescente.

Perfeitamente enquadrada nos dualismos que caracterizam a linguagem romântica, essa contradição é visível nas partes que formam sua obra principal, Lira dos Vinte Anos. A primeira e a terceira partes da obra mostram um Álvares adolescente, casto, sentimental e ingênuo. Já a segunda parte apresenta uma face irreverente, irônica, macabra e por vezes orgíaca e degradada de um moço-velho, isto é, um jovem em conflito com a realidade, tragado pelos vícios e amadurecido precocemente."

Resta lembrar que a obra de Álvares de Azevedo apresenta linguagem inconfundível, em cujo vocabulário são constantes as palavras que expressam seus estados de espírito, a fuga do poeta da realidade, sua busca incessante pelo amor, a procura pela vida boêmia, o vício, a morte, a palidez, a noite, a mulher... Em "Lembrança de morrer", está o melhor retrato dos sentimentos que envolvem sua vida, tão próxima de sua obra poética:

"Descansem o meu leito solitário/ Na floresta dos homens esquecida,/ À sombra de uma cruz e escrevam nela:/ - Foi poeta, sonhou e amou na vida."

"Sinto no meu coração uma

necessidade de amar, de dar a

uma criatura este amor que me bate no

peito. Mas ainda não encontrei uma

mulher - uma só - por quem eu pudesse

bater de amores."

Cronologia

1831, 12 de setembro - Nascimento em São Paulo, na esquina da R. da feira com a R. Cruz Preta, atuais Senador Feijó e Quintino Bocaiúva.

1831 - Transfere-se para o Rio de Janeiro

1835 - Morre a 26 de Junho seu irmão mais novo, Inácio Manuel, em Niterói, deixando o futuro poeta profundamente abalado.

1840 - É matriculado no Colégio Stoll, em Botafogo. Seu desempenho rende elogios do proprietário do colégio, o Dr. Stoll: "Ele reúne, o que é muito raro, a maior inocência de costumes à mais vasta capacidade intelectual que já encontrei na América num menino da sua idade".

1844 - Transfere-se para São Paulo, após estudos de francês, inglês e latim volta para o Rio no fim do ano.

1845 - Matricula-se no 5º ano do internato do Imperial Colégio Pedro II, no Rio, onde muito sofreu, devido ao gênio folgazão, que o levava a caricaturar colegas e professores.

1846 - Cursa a 6ª ano no mesmo colégio, tendo como professor Domingos josé Gonçalves de Magalhães.

1847 - Recebe, a 5 de dezembro, o grau de Bacharel em Letras.

1848 - Ingresso, a 1º de março na Academia de Direito de São Paulo, onde conhece, entre outros, José de Alencar e Bernardo Guimarães.

1849 - Matricula-se no segundo ano. Pronuncia um discurso a 11 de agosto, na sessão comemorativa do aniversário da criação dos cursos jurídicos no Brasil. Passa as férias no Rio, com constantes pensamentos de morte.

1850 - Escreve "um romance de 200 e tantas páginas, dois poemas, um em 5 e outro em 2 cantos, ensaios, fragmento de poema em linguagem muito antiga" (hoje perdido). A 9/05, profere o discurso inaugural da sociedade Ensaio Filosófico. De volta a S. Paulo, matricula-se no terceiro ano. Em setembro, suicida-se, por amor, o quintanista Feliciano Coelho Duarte, o poeta faz, a 12 do mesmo mês, o discurso de adeus.

1851 - Cursa o quarto ano. Em 15 de setembro, morre João Batista da Silva Pereira. Passa as férias em Itaboraí, na fazenda do avô. Pressente a morte e diz que não vai voltar à S. Paulo.

1852, 25 de abril - Após complicações advindas de uma queda de cavalo, falece, às 17h no Rio de Janeiro. É enterrado no dia seguinte. Hoje, está enterrado no cemitério São João Batista, jazigo 12A.

Obra

1853 Poesias de Manuel António Álvares de Azevedo, Lira dos Vinte Anos (única obra preparada para publicação pelo autor) e Poesias diversas;

1855 Obras de Manuel António Álvares de Azevedo, primeira publicação da sua prosa (Noite na Taverna);

1862 Obras de Manuel António Álvares de Azevedo, 2ª e 3ª edições, primeira aparição do Poema do Frade e 3ª parte da Lira.

1866 O Conde Lopo, poema inédito.

Merece um Destaque Especial a "Lira dos Vinte Anos", composta de diversos poemas. A Lira é dividida em três partes, sendo a 1ª e a 3ª da Face Ariel e a 2ª da Face Caliban. A Face Ariel mostra um Álvares de Azevedo ingênuo, casto e inocente. Já a Face Caliban apresenta poemas irônicos e sarcásticos.

Crítica Acadêmica

Atualmente tem sucitado alguns estudos acadêmicos, dos quais sublinham-se "O Belo e o Disforme", de Cilaine Alves Cunha (Ed. USP, 2000), e "Entusiasmo indianista e ironia byroniana" (Tese de Doutorado, USP, 2000); "O poeta leitor. Um estudo das epígrafes ugoanas em Álvares de Azevedo", de Maria C. R. Alves (Disertação de Mestrado, USP, 1999).

Suas principais influências são: Lord Byron, Chateaubriand, mas principalmente Alfred de Musset.

Um aspecto característico de sua obra e que tem estimulado mais discussão, diz respeito a sua poética, que ele mesmo definiu como uma "binomia", que consiste em aproximar extremos, numa atitude tipicamente romântica. É importante salientar o prefácio à segunda parte da Lira dos Vinte Anos, um dos pontos críticos de sua obra e na qual define toda a sua poética.

É o primeiro a incorporar o cotidiano na poesia no Brasil, com o poemas "Idéias íntimas", da segunda parte da Lira. Figura na antologia do cancioneiro nacional. E foi muito lido até as duas primeiras décadas do século XX, com constantes reedições de sua poesia e antologias. As últimas encenações de seu drama "Macário", foram em 1994 e 2001.

POESIAS:

A Lagartixa

A lagartixa ao sol ardente vive,

E fazendo verão o corpo espicha:

O clarão dos teus olhos me dá vida,

Tu és o sol e eu sol a lagartixa.

Amo-te como o vinho e como o sono,

Tu és meu copo e amoroso leito...

Mas teu néctar de amor jamais se esgota,

Travesseiro não há como teu peito.

Posso agora viver: para coroas

Não preciso no prado colher flores;

Engrinaldo melhor a minha fronte

Nas rosas mais gentis de teus amores.

Vale todo um harém a minha bela,

Em fazer-me ditoso ela capricha;

Vivo ao sol de seus olhos namorados,

Como ao sol de verão a lagart

À T...

Amoroso palor meu rosto inunda,

Mórbida languidez me banha os olhos,

Ardem sem sono as pálpebras doridas,

Convulsivo tremor meu corpo vibra:

Quanto sofro por ti! Nas lonfas noites

Adoeço de amor e de desejos

E nos meus olhos desmaiando passa

A imagem voluptuosa da ventura...

Eu sinto-a de paixão encher a brisa,

Embalsamar a noite e o céu sem nuvens,

E ela mesma suave descorando

Os alvacentos véus soltar do colo,

Cheirosas flores desparzir sorrindo

Da mágica cintura.

Sinto na fronte pétalas de flores,

Sinto-as nos lábios e de amor suspiro.

Ma flores e perfumes embriagam,

E no fogo da febre, e em meu delírio

Embebem na minh'alma enamorada

Delicioso veneno

Estrela de mistério! Em tua fronte

Os céus vevela, e mostra-me na terra,

Como um anjo que dorme, a tua imagem

E teus encantos onde amor estende

Nessa morena tez a cor de rosa

Meu amor, minha vida, eu sofro tanto!

O fogo de teus olhos me fascina,

O langor de teus olhos me enlaguesce,

Cada suspiro que te abala o seio

Vem no meu peito enlouquecer minh'alma!

Ah! vem, pálida virgem, se tens pena

De quem morre por ti, e morre amando,

Dá vida em teu alento à minha vida,

Une nos lábios meus minh'alma à tua!

Eu quero ao pé de ti sentir o mundo

Na tua alma infantil; na tua fronte

Beijar a luz de Deus; nos teus suspiros

Sentir as vibrações do paraíso;

E a teus pés, de joelhos, crer ainda

Que não mente o amor que um anjo inspira,

Que eu posso na tu'alma ser ditoso,

Beijar-te nos cabelos soluçando

E no teu seio ser feliz morrendo!

Adeus, Meus Sonhos!

Adeus, meus sonhos, eu pranteio e morro!

Não levo da existência uma saudade!

E tanta vida que meu peito enchia

Morreu na minha triste mocidade!

Misérrimo! Votei meus pobres dias

À sina doida de um amor sem fruto,

E minh'alma na treva agora dorme

Como um olhar que a morte envolve em luto.

Que me resta, meu Deus?

Morra comigo

A estrela de meus cândidos amores,

Já não vejo no meu peito morto

Um punhado sequer de murchas flores!

Ai, Jesus!

Ai, Jesus! Não vês que gemo,

Que desmaio de paixão

Pelos teus olhos azuis?

Que empalideço, que tremo,

Que me expira o coração?

Ai, Jesus! Que por um olhar, donzela,

Eu poderia morrer

Dos teus olhos pela luz?

Que morte! Que morte bela!

Antes seria viver!

Ai, Jesus! Que por um beijo perdido

Eu de gozo morreria

Em teus níveos seios nus?

Que no oceano dum gemido

Minh'alma se afogaria? Ai, Jesus!

Amor

Amemos! Quero de amor

Viver no teu coração!

Sofrer e amar essa dor

Que desmaia de paixão!

Na tu'alma, em teus encantos

E na tua palidez

E nos teus ardentes prantos

Suspirar de languidez!

Quero em teus lábio beber

Os teus amores do céu,

Quero em teu seio morrer

No enlevo do seio teu!

Quero viver d'esperança,

Quero tremer e sentir!

Na tua cheirosa trança

Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,

Minha'alma, meu coração!

Que noite, que noite bela!

Como é doce a viração!

E entre os suspiros do vento

Da noite ao mole frescor,

Quero viver um momento,

Morrer contigo de amor!

Anjos do Céu

As ondas são anjos que dormem no mar,

Que tremem, palpitam, banhados de luz...

São anjos que dormem, a rir e sonhar

E em leito d'escuma revolvem-se nus!

E quando de noite vem pálida a lua

Seus raios incertos tremer, pratear,

E a trança luzente da nuvem flutua,

As ondas são anjos que dormem no mar!

Que dormem, que sonham- e o vento dos céus

Vem tépido à noite nos seios beijar!

São meigos anjinhos, são filhos de Deus,

Que ao fresco se embalam do seio do mar!

E quando nas águas os ventos suspiram,

São puros fervores de ventos e mar:

São beijos que queimam... e as noites deliram,

E os pobres anjinhos estão a chorar!

Ai! quando tu sentes dos mares na flor

Os ventos e vagas gemer, palpitar,

Por que não consentes, num beijo de amor

Que eu diga-te os sonhos dos anjos do mar?

Cismar

Fala-me, anjo de luz! és glorioso

À minha vista na janela à noite,

Como divino alado mensageiro

Ao ebrioso olhar dos froixos olhos

Do homem que se ajoelha para vê-lo,

Quando resvala em preguiçosas nuvens

Ou navega no seio do ar da noite.

Romeu Ai! Quando de noite, sozinha à janela,

Co'a face na mão te vejo ao luar,

Por que, suspirando, tu sonhas donzela?

A noite vai bela,

E a vista desmaia

Ao longe na praia

Do mar!

Por quem essa lágrima orvalha-te os dedos,

Como água da chuva cheiroso jasmim?

Na cisma que anjinho te conta segredos?

Que pálidos medos?

Suave morena,

Acaso tens pena

De mim?

Donzela sombria, na brisa não sentes

A dor que um suspiro em meus lábios tremeu?

E a noite, que inspira no seio dos entes

Os sonhos ardentes,

Não diz-te que a voz

Que fala-te a sós

Sou eu?

Acorda! Não durmas da cisma no véu!

Amemos, vivamos, que amor é sonhar!

Um beijo, donzela! Não ouves?

No céu A brisa gemeu...

As vagas murmuram...

As folhas sussurram: Amar!

Dinheiro

Sem ele não há cova- quem enterra

Assim grátis, a Deo? O batizado

Também custa dinheiro. Quem namora

Sem pagar as pratinhas ao Mercúrio?

Demais, as Dânaes também o adoram...

Quem imprime seus versos, quem passeia,

Quem sobe a Deputado, até Ministro,

Quem é mesmo Eleitor, embora sábio,

Embora gênio, talentosa fronte,

Alma Romana, se não tem dinheiro?

Fora a canalha de vazios bolsos!

O mundo é para todos... Certamente

Assim o disse Deus mas esse texto

Explica-se melhor e doutro modo...

Houve um erro de imprensa no Evangelho:

O mundo é um festim, concordo nisso,

Mas não entra ninguém sem ter as louras.

É Ela! É Ela! É Ela! É Ela!

É ela! É ela! - murmurei tremendo,

E o eco ao longe murmurou - é ela!

Eu a vi... minha fada aérea e pura -

A minha lavadeira na janela!

Dessas águas-furtadas onde eu moro

Eu a vejo estendendo no telhado

Os vestidos de chita, as saias brancas;

Eu a vejo e suspiro enamorado!

Esta noite eu ousei mais atrevido

Nas telhas que estalavam nos meus passos

Ir espiar seu venturoso sono,

Vê-la mais bela de Morfeu nos braços!

Como dormia! Que profundo sono!...

Tinha na mão o ferro do engomado...

Como roncava maviosa e pura!...

Quase caí na rua desmaiado!

Afastei a janela, entrei medroso...

Palpitava-lhe o seio adormecido...

Fui beijá-la... roubei do seio dela

Um bilhete que estava ali metido...

Oh! de certo... (pensei) é doce página

Onde a alma derramou gentis amores;

São versos dela... que amanhã de certo

Ela me enviará cheios de flores...

Tremi de febre!

Venturosa folha!

Quem pousasse contigo neste seio!

Como Otelo beijando a sua esposa,

Eu beijei-a a tremer de devaneio...

É ela! É ela! - repeti tremendo;

Mas cantou nesse instante uma coruja...

Abri cioso a página secreta...

Oh! Meu Deus! Era um rol de roupa suja!

Mas se Werther morreu por ver Carlota

Dando pão com manteiga às criancinhas

Se achou-a assim mais bela - eu mais te adoro

Sonhando-te a lavar as camizinhas!

É ela! É ela! meu amor, minh'alma,

A Laura, a Beatriz que o céu revela...

É ela! É ela! - murmurei tremendo,

E o eco ao longe suspirou - é ela!

Fragmento de um canto em cordas de bronze

Deixai que o pranto esse palor me queime,

Deixai que as fibras que estalaram dores

Desse maldito coração me vibrem

A canção dos meus últimos amores!

Da delirante embriaguez de bardo

Sonhos em que afoguei o ardor da vida,

Ardente orvalhos de febris pranteios,

Que lucro à alma descrida?

Deixai que chore pois. - Nem loucas venham

Consolações a importunar-me as dores:

Quero a sós murmurá-la à noite escura

A canção dos meus últimos amores!

Da ventania às rápidas lufadas

A vida maldirei em meu tormento -

Que é falsa, como em prostitutos lábios

Um ósculo visguento. Escárnio!

Para essa muitas virgens

Como flores - românticas e belas -

Mas que no seio o coração tem árido,

Insensível e estúpido como elas!

Que agreste vibrar, ruja-me as cordas

Mais selvagens desta harpa - quero acentos

De áspero som como o ranger dos mastros

Na orquestra dos ventos!

Corre feio o trovão nos céus bramindo;

Vão torvos do relâmpago os livores:

Quero às rajadas do tufão gemê-la,

A canção dos meus últimos amores!

Vem, pois, meu fulvo cão! ergue-te, asinha,

Meu derradeiro e solitário amigo! -

Quero me ir embrenhar pelos desvios

Da serra - ao desabrigo...

Lágrimas de Sangue

Ao pé das aras no clarão dos círios

Eu te devera consagrar meus dias;

Perdão, meu Deus! perdão

Se neguei meu Senhor nos meus delírios

E um canto de enganosas melodias

Levou meu coração!

Só tu, só tu podias o meu peito

Fartar de imenso amor e luz infinda

E uma Saudade calma;

Ao sol de tua fé doirar meu leito

E de fulgores inundar ainda

A aurora na minh'alma.

Pela treva do espírito lancei-me,

Das esperanças suicidei-me rindo...

Sufoquei-as sem dó.

No vale dos cadáveres sentei-me

E minhas flores semeei sorrindo

Dos túmulos no pó.

Indolente Vestal, deixei no templo

A pira se apagar - na noite escura

O meu gênio descreu.

Voltei-me para a vida... só contemplo

A cinza da ilusão que ali murmura:

Morre! - tudo morreu!

Cinzas, cinzas...

Meu Deus! só tu podias

À alma que se perdeu bradar de novo:

Ressurge-te ao amor!

Malicento, da minhas agonias

Eu deixaria as multidões do povo

Para amar o Senhor!

Do leito aonde o vício acalentou-me

O meu primeiro amor fugiu chorando.

Pobre virgem de Deus!

Um vendaval sem norte arrebatou-me,

Acordei-me na treva... profanando

Os puros sonhos meus!

Oh! se eu pudesse amar!... - É impossível!

Mão fatal escreveu na minha vida;

A dor me envelheceu.

O desespero pálido, impassível

Agoirou minha aurora entristecida,

De meu astro descreu.

Oh! se eu pudesse amar!

Mas não: agora

Que a dor emurcheceu meus breves dias,

Quero na cruz sangrenta

Derramá-los na lágrima que implora,

Que mendiga perdão pela agonia

Da noite lutulenta!

Quero na solidão - nas ermas grutas

A tua sombra procurar chorando

Com meu olhar incerto:

As pálpebras doridas nunca enxutas

Queimarei... teus fantasmas invocando

No vento do deserto.

De meus dias a lâmpada se apaga:

Roeram meu viver mortais venenos;

Curvo-me ao vento forte.

Teu fúnebre clarão que a noite alaga,

Como a estrela oriental me guie ao menos

Té o vale da morte!

No mar dos vivos o cadáver bóia -

A lua é descorada como um crânio,

Este sol não reluz:

Quando na morte a pálpebra se engóia,

O anjo se acorda em nós - e subitâneo

Voa ao mundo da luz!

Do val de Josafá pelas gargantas

Uiva na treva o temporal sem norte

E os fantasmas murmuram...

Irei deitar-me nessas trevas santas,

Banhar-me na frieza lustral da morte

Onde as almas se apuram!

Mordendo as clinas do corcel da sombra,

Sufocando, arquejante passarei

Na noite do infinito.

Ouvirei essa voz que a treva assombra,

Dos lábios de minh'alma entornarei

O meu cântico aflito!

Flores cheias de aroma e de alegria,

Por que na primavera abrir cheirosas

E orvalhar-vos abrindo?

As torrentes da morte vêm sombrias,

Hão de amanhã nas águas tenebrosas

Vos rebentar bramindo.

Morrer! morrer!

É voz das sepulturas!

Como a lua nas salas festivais

A morte em nós se estampa!

E os pobres sonhadores de venturas

Roxeiam amanhã nos funerais

E vão rolar na campa!

Que vale a glória, a saudação que enleva

Dos hinos triunfais na ardente nota,

E as turbas devaneia?

Tudo isso é vão, e cala-se na treva -

Tudo é vão, como em lábios de idiota

Cantiga sem idéia.

Que importa? quando a morte se descarna,

A esperança do céu flutua e brilha

Do túmulo no leito:

O sepulcro é o ventre onde se encama

Um verbo divinal que Deus perfilha

E abisma no seu peito!

Não chorem! que essa lágrima profunda

Ao cadáver sem luz não dá conforto...

Não o acorda um momento!

Quando a treva medonha o peito inunda,

Derrama-se nas pálpebras do morto

Luar de esquecimento!

Caminha no deserto a caravana,

Numa noite sem lua arqueja e chora...

O termo... é um sigilo!

O meu peito cansou da vida insana;

Da cruz à sombra, junto aos meus, agora

Eu dormirei tranqüilo!

Dorme ali muito amor... muitas amantes,

Donzelas puras que eu sonhei chorando

E vi adormecer.

Ouço da terra cânticos errantes,

E as almas saudosas suspirando,

Que falam em morrer...

Aqui dormem sagradas esperanças,

Almas sublimes que o amor erguia...

E gelaram tão cedo!

Meu pobre sonhador! aí descansas,

Coração que a existência consumia

E roeu um segredo! ...

Quando o trovão romper as sepulturas,

Os crânios confundidos acordando

No lodo tremerão.

No lodo pelas tênebras impuras

Os ossos estalados tiritando

Dos vales surgirão!

Como rugindo a chama encarcerada

Dos negros flancos do vulcão rebenta

Gotejando nos céus,

Entre nuvem ardente e trovejada

Minh'alma se erguerá, fria, sangrenta,

Ao trono de meu Deus...

Perdoa, meu Senhor!

O errante crente

Nos desesperos em que a mente abrasas

Não o arrojes p'lo crime!

Se eu fui um anjo que descreu demente

E no oceano do mal rompeu as asas,

Perdão! arrependi-me!

Lembrança de Morrer

Quando em meu peito rebentar-se a fibra,

Que o espírito enlaça à dor vivente,

Não derramem por mim nenhuma lágrima

Em pálpebra demente.

E nem desfolhem na matéria impura

A flor do vale que adormece ao vento:

Não quero que uma nota de alegria

Se cale por meu triste passamento.

Eu deixo a vida como deixa o tédio

Do deserto, o poento caminheiro, -

Como as horas de um longo pesadelo

Que se desfaz ao dobre de um sineiro;

Como o desterro de minh'alma errante,

Onde fogo insensato a consumia:

Só levo uma saudade - é desses tempos

Que amorosa ilusão embelecia.

Só levo uma saudade - é dessas sombras

Que eu sentia velar nas noites minhas...

De ti, ó minha mãe, pobre coitada,

Que por minha tristeza te definhas!

De meu pai... de meus únicos amigos,

Pouco - bem poucos - e que não zombavam

Quando, em noites de febre endoudecido,

Minhas pálidas crenças duvidavam.

Se uma lágrima as pálpebras me inunda,

Se um suspiro nos seios treme ainda,

É pela virgem que sonhei... que nunca

Aos lábios me encostou a face linda!

Só tu à mocidade sonhadora

Do pálido poeta deste flores...

Se viveu, foi por ti! e de esperança

De na vida gozar de teus amores.

Beijarei a verdade santa e nua,

Verei cristalizar-se o sonho amigo...

Ó minha virgem dos errantes sonhos,

Filha do céu, eu vou amar contigo!

Descansem o meu leito solitário

Na floresta dos homens esquecida,

À sombra de uma cruz, e escrevam nela:

Foi poeta - sonhou - e amou na vida.

Sombras do vale, noites da montanha

Que minha alma cantou e amava tanto,

Protegei o meu corpo abandonado,

E no silêncio derramai-lhe canto!

Mas quando preludia ave d'aurora

E quando à meia-noite o céu repousa,

Arvoredos do bosque, abri os ramos...

Deixai a lua pratear-me a lousa!

Meu Desejo

Meu desejo? Era ser a luva branca

Que essa tua gentil mãozinha aperta;

A camélia que murcha no teu seio,

O anjo que por te ver do céu deserta...

Meu desejo? Era ser o sapatinho

Que teu mimoso pé no baile encerra...

A esperança que sonhas no futuro,

As saudades que tens aqui na terra...

Meu desejo? Era ser o cortinado

Que não conta os mistérios de teu leito;

Era de teu colar de negra seda

Ser a cruz com que dormes sobre o peito.

Meu desejo? Era ser o teu espelho

Que mais bela te vê quando deslaças

Do baile as roupas de escomilha e flores

E mira-te amoroso as nuas graças!

Meu desejo? Era ser desse teu leito

De cambraia o lençol, o travesseiro

Com que velas o seio, onde repousas,

Solto o cabelo, o rosto feiticeiro...

Meu desejo? Era ser a voz da terra

Que da estrela do céu ouvisse amor!

Ser o amante que sonhas, que desejas

Nas cismas encantadas de langor!

Meu Sonho

Eu Cavaleiro das armas escuras,

Onde vais pelas trevas impuras

Com a espada sangüenta na mão?

Por que brilham teus olhos ardentes

E gemidos nos lábios frementes

Vertem fogo do teu coração?

Cavaleiro, quem és? o remorso?

Do corcel te debruças no dorso...

E galopas do vale através...

Oh! da estrada acordando as poeiras

Não escutas gritar as caveiras

E morder-te o fantasma nos pés?

Onde vais pelas trevas impuras,

Cavaleiro das armas escuras,

Macilento qual morto na tumba?...

Tu escutas...

Na longa montanha

Um tropel teu galope acompanha?

E um clamor de vingança retumba?

Cavaleiro, quem és? - que mistério,

Quem te força da morte no império

Pela noite assombrada a vagar?

O Fantasma

Sou o sonho da tua esperança,

Tua febre que nunca descansa,

O delírio que te há de matar!...

Minha Desgraça

Minha desgraça não é ser poeta,

Nem na terra de amor não ter um eco,

E meu anjo de Deus, o meu planeta

Tratar-me como trata-se um boneco...

Não é andar de cotovelos rotos,

Ter duro como pedra o travesseiro...

Eu sei... O mundo é um lodaçal perdido

Cujo sol (quem me dera!) é o dinheiro...

Minha desgraça, ó cândida donzela,

O que faz que o meu peito blasfema,

É ter para escrever todo um poema

E não ter um vintém para uma vela

Na Minha Terra

Laisse-toi donc aimer!

Oh! l'amour c'est Ia vie

C'est tout ce qu'on regeste et tout ce quon envie,

Quand on voit sa jeunesse au couchant décliner.

La beauté cest le front, l'amour cest Ia couronne,

Laisse-toi couronner!

Victor Hugo

I

Amo o vento da noite sussurrante

A tremer nos pinheiros

E a cantiga do pobre caminhante

No rancho dos tropeiros;

E os monótonos sons de uma viola

No tardio verão,

E a estrada que além se desenrola

No véu da escuridão;

A restinga d'areia onde rebenta

O oceano a bramir,

Onde a lua na praia macilenta

Vem pálida luzir;

E a névoa e flores e o doce ar cheiroso

Do amanhecer na serra,

E o céu azul e o manto nebuloso

Do céu de minha terra;

E o longo vale de florinhas cheio

E a névoa que desceu,

Como véu de donzela em branco seio,

Às estrelas do céu.

II

Não é mais bela, não, a argêntea praia

Que beija o mar do sul,

Onde eterno perfume a flor desmaia

E o céu é sempre azul;

Onde os serros fantásticos roxeiam

Nas tardes de verão

E os suspiros nos lábios incendeiam

E pulsa o coração!

Sonho da vida que doirou e azula

A fala dos amores,

Onde a mangueira ao vento que tremula

Sacode as brancas flores,

E é saudoso viver nessa dormência

Do lânguido sentir,

Nos enganos suaves da existência

Sentindo-se dormir;

Mais formoso não é: não doire embora

O verão tropical

Com seus rubores e alvacenta aurora

Na montanha natal,

Nem tão doirada se levante a lua

Pela noite do céu,

Mas venha triste, pensativa - e nua

Do prateado véu -

Que me importa? se as tardes purpurinas

E as auroras dali

Não deram luz às diáfamas cortinas

Do leito onde eu nasci?

Se adormeço tranqüilo no teu seio

E perfuma-se a flor

Que Deus abriu no peito do Poeta,

Gotejante de amor?

Minha terra sombria, és sempre bela,

Inda pálida a vida

Como o sono inocente da donzela

No deserto dormida!

No italiano céu nem mais suaves

São as noites os amores,

Não tem mais fogo o cântigo das aves

Nem o vale mais flores!

III

Quando o gênio da noite vaporosa

Pela encosta bravia

Na laranjeira em flor toda orvalhosa

De aroma se inebria,

No luar junto à sombra recendente

De um arvoredo em flor,

Que Saudades e amor que influi na mente

Da montanha o frescor!

E quando à noite no luar saudoso

Minha pálida amante

Ergue seus olhos úmidos de gozo,

E o lábio palpitante...

Cheia de argêntea luz do firmamento

Orando por seu Deus,

Então... eu curvo a fronte ao sentimento

Sobre os joelhos seus...

E quando sua voz entre harmonias

Sufoca-se de amor,

E dobra a fronte bela de magias

Como pálida flor,

E a arma pura nos seus olhos brilha

Em desmaiado véu,

Como de um anjo na cheirosa trilha

Respiro o amor do céu!

Melhor a viração uma por uma

Vem as folhas tremer,

E a floresta saudosa se perfuma

Da noite no morrer,

E eu amo as flores e o doce ar mimoso

Do amanhecer da serra

E o céu azul e o manto nebuloso

Do céu de minha terra!

Namoro a Cavalo

Eu moro em Catumbi. Mas a desgraça

Que rege minha vida malfadada,

Pôs lá no fim da rua do Catete

A minha Dulcinéia namorada.

Alugo (três mil-réis) por uma tarde

Um cavalo de trote (que esparrela!)

Só para erguer meus olhos suspirando

À minha namorada na janela...

Todo o meu ordenado vai-se em flores

E em lindas folhas de papel bordado,

Onde eu escrevo trêmulo, amoroso,

Algum verso bonito... mas furtado...

Morro pela menina, junto dela

Nem ouso suspirar de acanhamento...

Se ela quisesse eu acabava a história

Como toda a Comédia- em casamento...

Ontem tinha chovido... Que desgraça!

Eu ia a trote inglês ardendo em chama,

Mas lá vai senão quando uma carroça

Minhas roupas tafues encheu de lama...

Eu não desanimei! Se Dom Quixote

No Rossinante erguendo a larga espada

Nunca voltou de medo, eu, mais valente,

Fui mesmo sujo ver a namorada...

Mas eis que no passar pelo sobrado,

Onde habita nas lojas minha bela,

Por ver-me tão lodoso ela irritada

Bateu-me sobre as ventas a janela...

O cavalo ignorante de namoros

Entre dentes, tomou a bofetada,

Arrepia-se, pula, e dá-me um tombo

Com pernas para o ar, sobre a calçada...

Dei ao diabo os namoros. Escovado

Meu chapéu que sofrera no pagode,

Dei de pernas corrido e cabisbaixo

E berrando de raiva como um bode.

Circunstância agravante. A calça inglesa

Rasgou-se no cair, de meio a meio,

O sangue pelas ventas me corria

Em paga do amoroso devaneio!...

Oh! Páginas da Vida que Eu Amava

Oh! Páginas da vida que eu amava,

Rompei-vos! nunca mais! tão desgraçado!

... Ardei, lembranças doces do passado!

Quero rir-me de tudo que eu amava!

E que doudo que eu fui! como eu pensava

Em mãe, amor de irmã! em sossegado

Adormecer na vida acalentado

Pelos lábios que eu tímido beijava!

Embora - é meu destino.

Em treva densa

Dentro do peito a existência finda

Pressinto a morte na fatal doença!

A mim a solidão da noite infinda!

Possa dormir o trovador sem crença

Perdoa minha mãe - eu te amo ainda!

Pálida à Luz

Pálida à luz da lâmpada sombria,

Sobre o leito de flores reclinada,

Como a lua por noite embalsamada,

Entre as nuvens do amor ela dormia!

Era a virgem do mar, na escuma fria

Pela maré das águas embalada!

Era um anjo entre nuvens d'alvorada

Que em sonhos se banhava e se esquecia!

Era mais bela! o seio palpitando

Negros olhos as pálpebras abrindo

Formas nuas no leito resvalando

Não te rias de mim, meu anjo lindo!

Por ti - as noites eu velei chorando,

Por ti - nos sonhos morrerei sorrindo!

Pálida Inocência

Por que, pálida inocência,

Os olhos teus em dormência

A medo lanças em mim?

No aperto de minha mão

Que sonho do coração

Tremeu-te os seios assim?

E tuas falas divinas

Em que amor lânguida afinas

Em que lânguido sonhar?

E dormindo sem receio

Por que geme no teu seio

Ansioso suspirar? Inocência!

Quem dissera

De tua azul primavera

As tuas brisas de amor!

Oh! Quem teus lábios sentira

E que trêmulo te abrira

Dos sonhos a tua flor!

Quem te dera a esperança

De tua alma de criança,

Que perfuma teu dormir!

Quem dos sonhos te acordasse,

Que num beijo t'embalasse

Desmaiada no sentir!

Quem te amasse! E um momento

Respirando o teu alento

Recendesse os lábios seus!

Quem lera, divina e bela,

Teu romance de donzela

Cheio de amor e de Deus!

Perdoa-me, Visão dos meus Amores

Perdoa-me, visão dos meus amores,

Se a ti ergui meus olhos suspirando! ...

Se eu pensava num beijo desmaiando

Gozar contigo uma estação de flôres!

De minhas faces os mortais palores,

Minha febre noturna delirando,

Meus ais, meus tristes ais vão revelando

Que peno e morro de amorosas dores...

Morro, morro por ti! na minha aurora

A dor do coração, a dor mais forte,

A dor de um desengano me devora...

Sem que última esperança me conforte,

Eu - que outrora vivia! - eu sinto agora

Morte no coração, nos olhos morte!

Por Que Mentias?

Por que mentias leviana e bela?

Se minha face pálida sentias

Queimada pela febre, e minha vida

Tu vias desmaiar, por que mentias?

Acordei da ilusão, a sós morrendo

Sinto na mocidade as agonias.

Por tua causa desespero e morro...

Leviana sem dó, por que mentias?

Sabe Deus se te amei! Sabem as noites

Essa dor que alentei, que tu nutrias!

Sabe esse pobre coração que treme

Que a esperança perdeu por que mentias!

Vê minha palidez- a febre lenta

Esse fogo das pálpebras sombrias...

Pousa a mão no meu peito!

Eu morro! Eu morro!

Leviana sem dó, por que mentias?

Se Eu Morresse Amanhã!

Se eu morresse amanhã, viria ao menos

Fechar meus olhos minha triste irmã;

Minha mãe de saudades morreria

Se eu morresse amanhã!

Quanta glória pressinto em meu futuro!

Que aurora de porvir e que manhã!

Eu perdera chorando essas coroas

Se eu morresse amanhã!

Que sol! que céu azul! que dove n'alva

Acorda a natureza mais loucã!

Não me batera tanto amor no peito

Se eu morresse amanhã!

Mas essa dor da vida que devora

A ânsia de glória, o dolorido afã...

A dor no peito emudecera ao menos

Se eu morresse amanhã!

Soneto

Passei ontem a noite junto dela.

Do camarote a divisão se erguia

Apenas entre nós - e eu vivia

No doce alento dessa virgem bela...

Tanto amor, tanto fogo se revela

Naqueles olhos negros! Só a via!

Música mais do céu, mais harmonia

Aspirando nessa alma de donzela!

Como era doce aquele seio arfando!

Nos lábios que sorriso feiticeiro!

Daquelas horas lembro-me chorando!

Mas o que é triste e dói ao mundo inteiro

É sentir todo o seio palpitando...

Cheio de amores! E dormir solteiro!

Tarde de Outono

Un souvenir heureux est peut-être sur terre

Plus vrai que le bonheur.

Alfred de Musset

O Poeta:

Oh! Musa, por que vieste,

E contigo me trouxeste

A vagar na solidão?

Tu não sabes que a lembrança

De meus anos de esperança

Aqui fala ao coração?

A Saudade:

De um puro amor a lânguida Saudade

É doce como a lágrima perdida

Que banha no cismar um rosto virgem,

Volta o rosto ao passado, e chora a vida.

O Poeta:

Não sabe o quanto dói

Uma lembrança que rói

A fibra que adormeceu?...

Foi neste vale que amei,

Que a primavera sonhei,

Aqui minha alma viveu.

A Saudade:

Pálidos sonhos no passado morto

É dove reviver mesmo chorando.

A alma refez-se pura.

Um vento aéreo

Parece que de amor nos vai roubando.

O Poeta:

Eu vejo ainda a janela

Onde à tarde junto dela

Eu lia versos de amor...

Como eu vivia d'enleio

No bater daquele seio,

Naquele aroma de flor!

Creio vê-la inda formosa,

Nos cabelos uma rosa,

De leve a janela abrir...

Tão bela, meu Deus, tão bela!

Por que amei tanto, donzela,

Se devias me trair ?

A Saudade:

A casa está deserta. A parasita

Das paredes estala a negra cor.

Os aposentos o ervaçal povoa.

A porta é franca...

Entremos, trovador!

O Poeta:

Derramai-vos, prantos meus!

Dai-me prantos, ó meu Deus!

Eu quero chorar aqui!

Em que sonhos de ebriedade

No arrebol da mocidade

Eu nesta sombra dormi!

Passado, por que murchaste?

Ventura, por que passaste

Degenerando em Saudade?

Do estio secou-se a fonte,

Só ficou na minha fronte

A febre da mocidade.

A Saudade:

Sonha, Poeta, sonha!

Ali sentado

No tosco assento da janela antiga,

Apóia sobre a mão a face pálida,

Sorrindo - dos amores à cantiga.

O Poeta: Minha alma triste se enluta,

Quando a voz interna escuta

Que blasfema da esperança,

Aqui tudo se perdeu,

Minha pureza morreu

Com o enlevo de criança!

Ali amante ditoso,

Delirante, suspiroso,

Eflúvios dela sorvi.

No seu colo eu me deitava...

E ela tão doce cantava!

De amor e canto vivi!

Na sombra deste arvoredo

Oh! quantas vezes a medo

Nossos lábios se tocaram!

E os seios onde gemia

Uma voz que amor dizia,

Desmaiando me apertaram!

Foi doce nos braços teus,

Meu anjo belo de Deus,

Um instante do viver!

Tão doce, que em mim sentia

Que minh'alma se esvaía

E eu pensava ali morrer!

A Saudade: É berço de mistério e d'harmonia

Seio mimoso de adorada amante.

A alma bebe nos sons que amor suspira

A voz, a doce voz de uma alma errante.

Tingem-se os olhos de amorosa sombra,

Os lábios convulsivos estremecem,

E a vida foge ao peito ... apenas tinge

As faces que de amor empalidecem.

Parece então que o agitar do gozo

Nossos lábios atrai a um bem divino:

Da amante o beijo é puro como as flores

E a voz dela é um hino.

Dizei-o vós, dizei, ternos amantes,

Almas ardentes que a paixão palpita,

Dizei essa emoção que o peito gela

E os frios nervos num espasmo agita.

Vinte anos! como tens doirados sonhos!

E como a névoa de falaz ventura

Que se estende nos olhos do Poeta

Doira a amante de nova formosura!

O Poeta: Que gemer! não me enganava?

Era o anjo que velava

Minha casta solidão?

São minhas noites gozadas,

As venturas tão choradas

Que vibram meu coração?

É tarde, amores, é tarde;

Uma centelha não arde

Na cinza dos seios meus...

Terza Rima

É belo dentre a cinza ver ardendo

Nas mãos do fumador um bom cigarro,

Sentir o fumo em névoas recendendo,

Do cachimbo alemão no louro barro

Ver a chama vermelha estremecendo

E até... perdoem... respirar-lhe o sarro!

Porém o que há mais doce nesta vida,

O que das mágoas desvanece o luto

E dá som a uma alma empobrecida,

Palavra d'honra, és tu, ó meu charuto!

Trindade

A vida é uma planta misteriosa

Cheia d'espinhos, negra de amarguras

Onde só abrem duas flores puras - Poesia e amor...

E a mulher... é a nota suspirosa

Que treme d'alma a corda estremecida,

É fada que nos leva além da vida

Pálidos de langor!

A poesia é a luz da mocidade,

O amor é o poema dos sentidos,

A febre dos momentos não dormidos

E o sonhar da ventura...

Voltai, sonhos de amor e de saudade!

Quero ainda sentir arder-me o sangue,

Os olhos turvos, o meu peito langue,

E morrer de ternura!

Último Soneto

Já da noite o palor me cobre o rosto,

Nos lábios meus o alento desfalece,

Surda agonia o coração fenece,

E devora meu ser mortal desgosto!

Do leito, embalde num macio encosto,

Tento o sono reter!... Já esmorece

O corpo exausto que o repouso esquece...

Eis o estado em que a mágoa me tem posto!

O adeus, o teu adeus, minha saudade,

Fazem que insano do viver me prive

E tenha os olhos meus na escuridade.

Dá-me a esperança com que o ser mantive!

Volve ao amante os olhos, por piedade,

Olhos por quem viveu quem já não vive!

Vagabundo

Eu durmo e vivo ao sol como um cigano,

Fumando meu cigarro vaporoso;

Nas noites de verão adoro estrelas;

Sou pobre, sou mendigo e sou ditoso!

Ando roto, sem bolsos nem dinheiro;

Mas tenho na viola uma riqueza:

Canto à lua de noite serenatas,

E quem vive de amor não tem pobreza.

Não invejo ninguém, nem ouço a raiva

Nas cavernas do peito, sufocante,

Quando à noite na treva em mim se entornam

Os reflexos do baile fascinante.

Namoro e sou feliz nos meus amores;

Sou garboso e rapaz...Uma criada

Abrasada de amor por um soneto

Já um beijo me deu subindo a escada...

Oito dias lá vão que ando cismando

Na donzela que ali defronte mora.

Ela ao ver-me sorri tão docemente!

Desconfio que a moça me namora...

Tenho por meu palácio as longas ruas;

Passeio a gosto e durmo sem temores;

Quando bebo, sou rei como um poeta,

E o vinho faz sonhar com os amores.

O degrau das igrejas é meu trono,

Minha pátria é o vento que respiro,

Minha mãe é a lua macilenta,

E a preguiça a mulher por quem suspiro.

Escrevo na parede as minhas rimas,

De painéis a carvão adorno a rua;

Como as aves do céu e as flores puras

Abro meu peito ao sol e durmo à lua.

Sinto-me um coração de lazzaroni;

Sou filho do calor, odeio o frio,

Não creio no diabo nem nos santos...

Rezo à nossa senhora e sou vadio!

Ora, se por aí alguma bela

Bem doirada e amante da preguiça

Quiser a nívea mão unir à minha,

Há de achar-me na Sé, domingo, à missa.

NO MAR

Era de noite dormias,

De sonho nas melodias,

Ao fresco da viração;

Embalada na falua,

Ao frio clarão da lua;

Aos ais do meu coração!

Ah! que véu de palidez

Da langue face na tez!

Como teus seios revoltos

Te palpitavam sonhando!

Como eu cismava beijando

Teus negros cabelos soltos!

Sonhavas? eu não dormia;

A minh'alma se embebia

Em tua alma pensativa!

E tremias, bela amante,

A meus beijos, semelhante

Às folhas da sensitiva!

E que noite! que luar!

E que ardentias no mar!

E que perfumes no vento!

Que vida que se bebia

Na noite que parecia

Suspirar de sentimento!

Minha rola, ó minha flor,

Ó madressilva de amor,

Como eras saudosa então!

Como pálida sorrias

E no meu peito dormias

Aos ais do meu coração.

E que noite! que luar!

Como a brisa a soluçar

Se desmaiava de amor!

Como toda evaporava

Perfumes que respirava

Nas laranjeiras em flor!

Suspiravas? que suspiro!

Ai que ainda me deliro

Sonhando a imagem tua

Ao fresco da viração,

Aos ais do meu coração,

Embalada na falua!

Como virgem que desmaia,

Dormia a onda na praia!

Tua alma de sonhos cheia

Era tão pura, dormente,

Como a vaga transparente

Sobre seu leito de areia!

Era de noite dormias,

Do sonho nas melodias,

Ao fresco da viração;

Embalada na falua,

Ao frio clarão da lua,

Aos ais do meu coração.

NO TÚMULO DE MEU AMIGO JOÃO BATISTA DA SILVA PEREIRA JÚNIOR

Epitáfio

Perdão, meu Deus, se a túnica da vida

Insano profanei-a nos amores!

Se à coroa dos sonhos perfumados

Eu próprio desfolhei as róseas flores!

No vaso impuro corrompeu-se o néctar,

A argila da existência desbotou-me!

O sol de tua glória abriu-me as pálpebras,

Da nódoa das paixões purificou-me!

E quantos sonhos na ilusão da vida!

Quanta esperança no futuro ainda!

Tudo calou-se pela noite eterna...

E eu vago errante e só na treva infinda...

Alma em fogo, sedenta de infinito,

Num mundo de visões o vôo abrindo;

Como o vento do mar no céu noturno

Entre as nuvens de Deus passei dormindo!

A vida é noite: o sol tem véu de sangue:

Tateia a sombra a geração descrida...

Acorda-te, mortal! é no sepulcro

Que a larva humana se desperta à vida!

Quando as harpas do peito a morte estala,

Um treno de pavor soluça e voa:

E a nota divinal que rompe as fibras

Nas dulias angélicas ecoa!

Quando à noite no leito perfumado

Quando à noite no leito perfumado

Lânguida fronte no sonhar reclinas,

No vapor da ilusão por que te orvalha

Pranto de amor as pálpebras divinas?

E quando eu te contemplo adormecida

Solto o cabelo no suave leito,

Por que um suspiro tépido ressona

E desmaia suavíssimo em seu peito?

Virgem do meu amor, o beijo a furto

Que pouso em tua face adormecida

Não te lembra no peito os meus amores

E a febre do sonhar de minha vida?

Dorme, ó anjo de amor! no teu silêncio

O meu peito se afoga de ternura

E sinto que o porvir não vale um beijo

E o céu um teu suspiro de ventura!

Um beijo divinal que acende as veias,

Que de encantos os olhos ilumina,

Colhido a medo como flor da noite

Do teu lábio na rosa purpurina,

E um volver de teus olhos transparentes,

Um olhar dessa pálpebra sombria,

Talvez pudessem reviver-me n'alma

As santas ilusões de que eu vivia!

Por que havíeis passar tão doces dias?

A. F. DE SERPA PIMENTEL

Feliz daquele que no livro d'alma

Não tem folhas escritas

E nem saudade amarga, arrependida,

Nem lágrimas malditas!

Feliz daquele que de um anjo as tranças

Não respirou sequer

E nem bebeu eflúvios descorando

Numa voz de mulher...

E não sentiu-lhe a mão cheirosa e branca

Perdida em seus cabelos,

Nem resvalou do sonho deleitoso

A reais pesadelos...

Quem nunca te beijou, flor dos amores,

Flor do meu coração,

E não pediu frescor, febril e insano

Da noite à viração!

Ah! feliz quem dormiu no colo ardente

Da huri dos amores,

Que sôfrego bebeu o orvalho santo

Das perfumadas flores...

E pôde vê-la morta ou esquecida

Dos longos beijos seus,

Sem blasfemar das ilusões mais puras

E sem rir-se de Deus!

Mas, nesse doloroso sofrimento

Do pobre peito meu,

Sentir no coração que à dor da vida

A esperança morreu!...

Que me resta, meu Deus? aos meus suspiros

Nem geme a viração...

E dentro, no deserto do meu peito,

Não dorme o coração!

DESÂNIMO

Estou agora triste. Há nesta vida

Páginas torvas que se não apagam,

Nódoas que não se lavam... se esquecê-las

De todo não é dado a quem padece...

Ao menos resta ao sonhador consolo

No imaginar dos sonhos de mancebo!

Oh! voltai uma vez! eu sofro tanto!

Meus sonhos, consolai-me! distraí-me!

Anjos das ilusões, as asas brancas

As névoas puras, que outro sol matiza.

Abri ante meus olhos que abraseiam

E lágrimas não tem que a dor do peito

Transbordem um momento...

E tu, imagem,

Ilusão de mulher, querido sonho,

Na hora derradeira, vem sentar-te,

Pensativa e saudosa no meu leito!

O que sofres? que dor desconhecida

Inunda de palor teu rosto virgem?

Por que tu'alma dobra taciturna,

Como um lírio a um bafo d'infortúnio?

Por que tão melancólica suspiras?

Ilusão, ideal, a ti meus sonhos,

Como os cantos a Deus se erguem gemendo!

Por ti meu pobre coração palpita...

Eu sofro tanto! meus exaustos dias

Não sei por que logo ao nascer manchou-os

De negra profecia um Deus irado.

Outros meu fado invejam... Que loucura!

Que valem as ridículas vaidades

De uma vida opulenta, os falsos mimos

De gente que não ama? Até o gênio

Que Deus lançou-me à doentia fronte,

Qual semente perdida num rochedo,

Tudo isso que vale, se padeço!

Nessas horas talvez em mim não pensas:

Pousas sombria a desmaiada face

Na doce mão e pendes-te sonhando

No teu mundo ideal de fantasia...

Se meu orgulho, que fraqueia agora,

Pudesse crer que ao pobre desditoso

Sagravas uma idéia, uma saudade...

Eu seria um instante venturoso!

Mas não... ali no baile fascinante,

Na alegria brutal da noite ardente,

No sorriso ebrioso e tresloucado

Daqueles homens que, pra rir um pouco,

Encobrem sob a máscara o semblante,

Tu não pensas em mim. Na tua idéia

Se minha imagem retratou-se um dia

Foi como a estrela peregrina e pálida

Sobre a face de um lago...

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Milton Nunes Fillho
Enviado por Milton Nunes Fillho em 14/08/2006
Reeditado em 15/03/2010
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