* Meu segundo irmão, o segundo filho de mainha, até os vinte e nove anos de idade, quando decidiu se casar, expressou uma dedicação a minha mãe muito significativa.
Ele era bem afetuoso, a ajudava nas tarefas de casa, a cativava demais com o seu jeito prestativo e atencioso.
Muitas vezes essa interação despertava ciúme nos seus irmãos.
Se alguém indagava sobre isso, ela dizia possuir uma afeição igual, gostando de todos os filhos sem o coração dela privilegiar um, porém confesso que parecia existir uma chama especial destinada a esse irmão o qual ela admitia ser muito mais carinhoso do que os outros.
Se existiu, em algum instante, essa “pontinha” a mais de afeição, foi apenas o efeito natural e justo dos atos extremamente ternos que ele ofertou a ela.
 
* Meu irmão mais velho, o primogênito, sempre foi o mais carismático de todos.
A responsabilidade natural de liderar, tomando a iniciativa e sugerindo as ações, ele conseguiu assumir com maestria.
Na sua relação com mainha, ele nunca cessou de declarar o seu amor constantemente.
Se a mim faltou eu gritar aos quatro cantos o meu sentimento, ele tornou um hábito dizer o tamanho do seu gostar.
Os dois dialogavam bastante, pois ela buscava a certeza de suas idéias, a firmeza de suas convicções, a amizade dele expressando forte segurança e imenso carinho.
Ela, que outrora tanto quis desenvolver sua vocação materna, encontrou nele a oportunidade preciosa de começar esse ofício sagrado.
Mais tarde, quando ele já estava crescido, percebeu bem orgulhosa que valeu a pena a ansiedade de aguardar o primeiro filho tão querido.
 
* O meu terceiro irmão, o quarto filho de mainha, sempre foi uma pessoa cativante e envolvente.
Na sua relação com mainha, costumava dobrá-la fácil com suas brincadeiras, com seus sorrisos, com seu “jeito moleque” (o adorável jeito moleque que a humanidade precisa desenvolver).
Quantas vezes ela sorriu repetindo suas frases ou brincadeiras tão espontâneas e legais!
Colocá-lo no colo, dengoso, embalando-o, dialogando com ele, o aconselhando, o fazendo dormir era prazeroso demais para ela, era bonito demais assistir.
Havia algo muito especial que ela fazia questão de dedicar a ele, como se estivesse lendo, no seu olhar carente, um gostar enorme lhe pedindo embalá-lo mais uma vez, não partir jamais para que assim a vida permanecesse tendo sentido, para que o sorriso dele continuasse expressando tamanha beleza, para que ele pudesse voltar a dormir e sonhar em paz.
 
* O caçula dos homens, o quinto filho de mainha, tinha um costume muito lindo e emocionante.
Nas datas festivas (Natal, Dia das Mães, Aniversário etc.), independente de lhe dar um presente ou não, ele surgia com um cartão, às vezes um papel improvisado por ele mesmo, no qual a felicitava pela data. Nesse cartão, chamava a atenção o conteúdo breve com letras bem graúdas.
Esse gesto habitual dele, quando o recordo, sempre me visitam as lágrimas, pois havia uma poesia nesse ato a qual jamais conseguiria expressar em milhões de versos inspirados os quais dedicassem a minha mãe durante mil anos.
Tal relação também fluía embalada numa magia espetacular e fascinante.
Era o caçula a exigir aquele dengo a mais, aquela atenção diferente, uma tolerância que não sabemos explicar bem o porquê, mas que os caçulas (somente eles) desfrutam.
 
* Minha irmã, a única filha de mainha, surgiu num instante providencial.
Meu avô partira e minha mãe, nessa ocasião, desejou desistir de tudo.
A chegada dela a incentivou a continuar quando mainha finalmente encontrou a grande companheira, a “boneca” que um dia ela pediu em vão aos seus pais, aquela com quem ela pôde dividir suas intimidades, pôde conversar coisas que só poderiam ser conversadas com uma menina.
Observando algumas vezes as duas saindo juntas, subindo a rua de nossa casa, eu as olhava se afastando com uma certa emoção a qual não compreendia bem no momento.
Hoje fico saudoso daqueles instantes, porém satisfeito pela experiência que as duas viveram juntas. Fico alegre por Deus ter facultado aquela interação a qual permitiu que mainha alcançasse o clímax do seu sonho materno.
Minha mãe me contava que, antes de existir minha irmã, caminhando nos locais, várias vezes ela escutou uma menina lhe gritando; quando verificava quem a chamou, não via ninguém. Após a chegada de Fernanda, isso cessou.
Eu pude testemunhar a união de duas amigas que, sorrindo numa foto que eu felizmente bati, evidenciam a alegria da amizade que o tempo, obedecendo aos anseios divinos, fortalece e torna imorredoura.
Eis o link dessa foto:

http://www.recantodasletras.com.br/acrosticos/3451518

* Meu pai sempre encontrou em mainha a companheira perfeita, a nobre esposa que um dia não resistiu aos galanteios do grande boêmio sedutor.
Ele encontrou nela também o apoio materno, a direção que ele tanto precisava, o norte o qual deveria sempre guiá-lo.
Mainha lhe dizia o que fazer, determinando os passos dele, mas não havia uma relação na qual alguém manda e o outro obedece. Nada disso!
Havia apenas a necessidade de ouvi-la, de beber os seus conselhos, de querer agradá-la, escutá-la e, principalmente, havia o fascínio o qual ela tanto provocava nele.
Isso era tão real que, quase seis anos depois dela partir, painho resolveu visitá-la no Além.
Imaginei algo mais ou menos assim:
<<“Tonho! Você veio me chatear?”
“Não, Anita! Eu apenas não consegui mais ficar sem você!”
E os dois abraçaram-se sorridentes...>>
 
* Eu sou o terceiro filho de mainha.
Ela costumava comentar que o meu jeito tímido e reservado fazia ela recordar bastante a sua personalidade quando nova.
Ela me acompanhou nos exames médicos para que eu pudesse lecionar a partir de 2003.
Depois ela me acompanhou quando fui verificar o colégio no qual eu ensinaria.
Na Secretaria de Educação da Bahia, a funcionária que nos atendeu provavelmente estranhou a presença de minha mãe.
Quando revelou o endereço do colégio, indagou a minha mãe “A senhora sabe onde é?”. Não olhou para mim.
Várias vezes, conversando com mainha, nós dois rimos recordando essa frase.
Parece que, além de estranhar, ela ficou meio chateada com o zelo materno, com o exagero de minha mãe estar ali naquele instante profissional tão particular.

Tenho muito orgulho de seguir a mesma profissão de mainha.
Além do prazer imenso de ensinar, não canso de lembrar suas observações sobre a rotina do ensino.
Muitas vezes deixo a sala de aula esperançoso de dividir com ela determinada experiência, porém logo recordo que hoje isso é impossível.
Mas é uma honra estar em sala de aula, filho da querida professora Anita, dona de um carisma insuperável e de um compromisso inigualável com a arte educacional.
“Ilmar, o professor deve ter uma postura bem elegante! Por exemplo, ele deve se vestir oferecendo uma imagem que inspire respeito.”
Confesso que tento sempre seguir à risca todas as suas dicas.

Eu jamais parei de estudar, pois amo absorver informações e abraçar a cultura.
Leciono Português, porém a Matemática é uma deliciosa amante.
Minha mãe me ensinou a fazer a operação de dividir quando o divisor possui dois ou mais números.
Eu aprendi, jamais esqueci, porém curiosamente ela dizia não lembrar disso.
 
* Meus queridos,
 
Falar sobre minha mãe, sobre aqueles que conviveram bem perto dela, citar algo das nossas experiências, trazer situações destacando o quanto nós a amamos, o que a doce senhora  desperta nos nossos corações,  o alento que ela traz para nossas almas, enfim, falar sobre esse tema possibilitaria escrever um livro.
 
Quero comentar a foto que escolhi para esta publicação.
Ela foi batida pelo meu irmão mais velho.
Fernanda ainda não habitava o planeta.
O local é a agradabilíssima praia de São Roque do Paraguaçu a qual costumávamos curtir demais durante o período de férias escolares.
Nessa foto vocês não notam muita precisão, mas é possível identificar as pessoas que estão nela.
Além disso, ela sugere uma poesia digna de nota.
À direita aparece em pé um amiguinho do grupo. Meu terceiro irmão está sentado e o segundo irmão em pé (apoiando-se numa pedra), na frente dele está mainha (no centro da foto muito sorridente).
À esquerda está o meu pai, muito sorridente também, carregando o caçula.
O garoto magro que está com os braços erguidos sou eu.
 
Tal foto resume perfeitamente instantes expressando uma alegria indescritível e única que jamais foi superada.
Sempre pedi a Deus que guardasse essa foto no Seu álbum para que, no porvir, possamos refazê-la nas praias da eternidade.
 
Quero agradecer a oportunidade que Deus me concede, permitindo, neste texto, destacar uma afeição que certamente nasce Dele.
Somente quem muito ama, carregando muito amor no âmago, consegue despertar as emoções que minha mãe provoca as quais obviamente procedem de Deus, o Autor da vida e do amor.

Agradeco demais a Ele essa dádiva, que é a publicação deste texto.
Posso garantir que este é um dos meus textos mais importantes.

Encerro ressaltando essa risada linda e tão gostosa de meus pais, mais especificamente a sutil gargalhada de mainha, que tantos sorrisos facultou e ainda suscita quando a recordamos, ou seja, constantemente, pois ela nunca foi esquecida.
Só podemos recordar quem conseguimos olvidar.
No caso dela, sempre estamos sorrindo rememorando tantas lembranças maravilhosas e não cessamos de chorar essa incrível saudade.

Eis uma alma, meus amigos, que permite a gente afirmar que a vida vale a pena, que a virtude é possível e que a felicidade é um convite contínuo de Deus o qual podemos experimentar.
 
Um abraço!

 
Ilmar
Enviado por Ilmar em 22/09/2012
Reeditado em 23/09/2012
Código do texto: T3895206
Classificação de conteúdo: seguro