"Memórias de Um Vendedor de Livros" = = A Dupla Caipira=

   Trabalhávamos na Abril Cultural e viajávamos sempre em grandes turmas. Geralmente as equipes eram formadas por metade homens e metade mulheres, o que tornava as viagens sempre divertidas e, quase sempre, mais lucrativas, visto que para “aparecer” perante as mulheres, nós, os homens, nos esforçávamos mais para obter boas vendas.
    Em um das muitas viagens um casalzinho de jovens descobriu, por acaso, que formavam uma boa dupla caipira. Tinham o mesmo repertório e vozes bonitas que logo chamaram a atenção de todos os colegas e do hotel onde nos hospedáramos.
    Eu é que não ia muito com a cara deles. Desde o começo quando, depois de viajarem comigo, em meu carro, por centenas de quilômetros, foram incapazes de pelo menos um muito obrigado. Um muito obrigado mais do que devido, pois, compreendendo que estavam apenas começando na empresa, eu bancara sozinho a despesa da gasolina.
   Depois os observei com relação aos outros colegas. Era um tal de pedir que não acabava mais. Não havia uma hora em que não precisassem da ajuda de alguém para alguma coisa, mas agradecimento ou reconhecimento eram coisas que os dois desconheciam igualmente. Foram feitos um para o outro.
  Após a descoberta de que até poderiam ter algum futuro artístico, resolveram pedir mais um favor à turma: queriam sugestões de um belo nome artístico, já que seus prenomes eram singelos João e Maria.
   Tal favor foi solicitado através de microfone, em uma reunião no saguão do hotel, e na presença de todos os colegas e demais hóspedes. Todas as sugestões foram descartadas tão logo pronunciadas. Eu, de propósito, fui para o fundo do salão e aguardei minha vez de dar o palpite enquanto tomava uma cerveja.
Quando chegou a minha vez o cantorzinho quis fazer graça:
- Fernando, você que é metido a ser o gênio da turma, que dá sempre bons palpites, não quer colaborar conosco? Que nome você acha que nossa dupla deve ter?
Enfezado com a frase injusta e infeliz, na certeza de que nunca fui “metido a gênio da turma”, mas que assim era chamado por carregar meus livros particulares pelo país todo, lendo-os e comprando mais, aproveitei a chance:
- Olha meu caro, acho que uma dupla deve ter um nome que lhe faça justiça. Um nome que caia feito uma luva nos dois cantores. Assim sendo, desde o momento em que vocês começaram a pedir palpites, eu venho estudando um nome para a dupla. Acho que, como “gênio da turma”, como você diz, achei um nome genial. Um nome que levou em consideração o fato de vocês estarem sempre precisando e pedindo favores, de não saberem dizer obrigado, de não saberem retribuir nada. Você poderá ser o Sangue e ela a Suga. Sanguessuga acho que mata em cima.
    As gargalhadas explodiram e foram demoradas.
    Depois disso eles pararam de se exibir, apesar dos pedidos de músicas à dupla “Sangue e Suga”.
   “Metido a gênio da turma” porque eu tinha o "incrível" hábito de ler livros "apesar" de vendê-los...
Fernando Brandi
Enviado por Fernando Brandi em 09/08/2007
Reeditado em 01/01/2008
Código do texto: T599845
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